Por Ernesto Germano Pares
No Ceará, as caravelas que chegavam transportando mercadorias para a província e que deveriam receber os produtos que seriam exportados para a Europa não conseguiam alcançar o porto devido aos bancos de areia e recifes existentes.
Então, era preciso outro tipo de transporte para desembarcar as mercadorias que chegavam e embarcar os produtos a serem exportados. Este trabalho era feito por jangadeiros que conduziam os produtos do porto até as galeras e traziam as mercadorias, inclusive escravos que eram levados para a província.
Mas, curiosamente, estes jangadeiros eram ex-escravos alforriados ou filhos de escravos que já haviam conquistado a liberdade. Chefiados por Francisco José do Nascimento – chamado de “Dragão do Mar” – resolvem se rebelar contra a manutenção da escravidão e entram em greve.
Imaginem o que significava (e ainda significa) a mercadoria se acumulando no porto sem poder ser embarcada ou o quanto custa uma caravela ancorada ao largo sem poder descarregar seus produtos!
Pois é. A situação ficou tão complicada que os proprietários do Ceará pediram uma reunião de urgência na Câmara da Província e os deputados acabaram votando uma lei abolindo a escravidão.
Portando, para quem não sabia, o Ceará foi o primeiro estado brasileiro a acabar com a escravidão, sete anos antes da Lei Áurea (1888), e esta é uma vitória única e exclusivamente devida aos jangadeiros comandados pelo “Dragão do Mar”. Depois disto, em outros estados do nordeste, os negros iam se rebelando. Em Sergipe e Pernambuco também foram votadas leis abolindo a escravidão, forçadas por movimentos dos trabalhadores negros. Ou seja, a abolição não foi um “presente” de uma princesa boazinha… Foi fruto de lutas anteriores.
Conheço a história do Dragão do Mar desde 1992, mas sempre que eu a contava, em minhas palestras e cursos, as pessoas ficavam olhando para mim como se eu falasse de um disco voador ou um ET. Os livros de história não contam isto, nunca apareceu na telinha da Globo, etc. É verdade que a cultura popular até faz referências não muito claras, como na música do João Bosco.
Bem, em 2003 eu soube que um jornalista cearense estava levantando esta história. Depois, em Fortaleza, no Ceará, foi construído um espaço público em homenagem ao “Dragão do Mar”, com salas para eventos culturais, exposições, etc. E um imenso painel, usando uma gravura feita em 1884!
Em 2007, convidado para uma palestra, desembarquei em Fortaleza na madrugada de uma terça-feira (por volta de uma da matina) e, poucas horas depois, corri para registrar o herói de que falo há tanto tempo. Registrei minha visita e fiz a foto ao lado do “Dragão do Mar”. Realizei um dos meus grandes sonhos! Pisei no mesmo cais onde ele andou, olhei para as pedras na beira da praia… Contemplei o mesmo mar que ele deve ter contemplado.
No dia da Consciência Negra, vamos lembrar de Zumbi… mas não esquecer de Francisco José do Nascimento… o Dragão do Mar!