A classificação da visão monocular como deficiência visual, prevista no Projeto de Lei 4.291/18 em tramitação na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), foi debatida em audiência pública, no dia 27 de setembro. A iniciativa partiu da Comissão da Pessoa com Deficiência da Casa. Representantes de entidades contrárias e favoráveis ao projeto apresentaram seus argumentos na tentativa de esclarecer o tema. As discussões também abordaram conceitos que deveriam ser considerados para que direitos dos deficientes visuais sejam ou não estendidos a quem tem visão monocular. O presidente da comissão, deputado Márcio Pacheco (PSC), informou que haverá espaço para apresentação de emendas ao projeto. O diretor do Sisejufe e coordenador do Núcleo da Pessoa com Deficiência (NPD) do sindicato, Ricardo de Azevedo Soares, participou da mesa de debates.
Para o dirigente sindical, é preciso ressaltar e considerar as diferenças de conceitos previstos na Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, que especifica as limitações que provocam as barreiras “no caminhar, na interação com o ambiente que inclui todas as áreas de deficiência”. Ricardo criticou o projeto dos deputados André Ceciliano (PT) e Geraldo Pudim (MDB), por entender que a proposta alarga conceitos a fim de estender direitos que são definidos para deficiente visuais. Na avaliação dele, sob o risco da perda desses direitos a quem realmente necessita.
“No caso da pessoa monocular, por não ter a visão de um olho, o cérebro acaba fazendo um ‘ajuste’, compensando a falta. Meu irmão, por exemplo, é monocular e nem sabia. Há casos em que a pessoa monocular tem carteira de habilitação e pode dirigir. Já quem é cego não pode”, exemplificou.
Durante seu discurso, o coordenador do NPD solicitou a rejeição do projeto de lei que tramita na Alerj. Lembrou que a Súmula 377, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), na avaliação dele, “foi um grande retrocesso para o movimento das pessoas com deficiência”. A súmula reconhece pela jurisprudência a condição de deficiência da capacidade de visão em apenas um dos olhos.
“Pedimos a rejeição do projeto (4.291/18) levando em conta o princípio ‘Nada de nós, sem nós’, lema que norteia a Convenção Internacional da Pessoa com Deficiência”, afirmou Ricardo de Azevedo Soares. Dulavim de Oliveira Lima, também diretor do Sisejufe e membro no Núcleo da Pessoa com Deficiência da entidade, esteve presente na audiência pública.
“Comprando o incomparável”
Na avaliação da presidente da Associação dos Deficientes Visuais do Estado do Rio de Janeiro (Adverj), Cíntia Freitas, “não há como comparar o incomparável”, referindo-se às situações de deficientes visuais e monoculares. Ela ressaltou que o cego é privado do sentido da visão e o monocular, não.
“As barreiras (para cegos e monoculares) são absolutamente distintas, assim como o acesso à informação e as questões arquitetônicas. Dar um benefício a quem já tem coloca em risco o direito de quem realmente precisa. Esperamos que o projeto não prospere e se for à votação, vamos apresentar emendas”, garantiu Cíntia.
Em defesa do projeto de lei, Cesar Liper, presidente do Instituto Lusófono de Inclusão Social (ILIS), afirmou que as pessoas monoculares devem ser consideradas com deficiência. Ele ressaltou que pelo menos 20 estados, além do Distrito Federal, possuem legislação que permite a inclusão. Segundo ele, até o Município do Rio aprovou lei neste sentido.
“Se a pessoa só tem uma perna é considerada deficiente. E por que quem só tem um olho não pode ser? A prótese ocular, por exemplo, não recupera a visão. É apenas uma questão estética. Os monoculares são pessoas tão frágeis quanto as com deficiência visual”, defende.
A Comissão da Pessoa com Deficiência da Alerj informou que vai apresentar emendas ao projeto de lei. A decisão foi tomada depois da audiência pública. O PL4.291/18 foi aprovado em primeira discussão dia 18 de setembro, pela Assembleia. Caso entre em vigor, as pessoas com visão monocular terão direito aos programas e benefícios destinados às pessoas com deficiência no Estado do Rio, como passe livre nos transportes intermunicipais. Terão prioridade no atendimento oftalmológico, em exames e cirurgias pela rede pública estadual. O presidente da comissão, deputado Márcio Pacheco, no entanto, enfatizou que o projeto só irá à votação depois de ser debatido à exaustão e quando houver um consenso sobre o assunto.
“O projeto será submetido ao Conselho Estadual da Pessoa com Deficiência para que tenhamos um parecer. Não iremos contra a legislação nem contra a maioria”, afirmou Pacheco.
Risco no mercado de trabalho
O representante da Organização Nacional dos Cegos do Brasil (ONCB), Márcio Aguiar, também enfatizou que, com a aprovação do projeto, os cegos vão perder espaço no mercado de trabalho.
“Por mais bem intencionada que seja a matéria (apresentação do projeto de lei), ela foi precoce. Não estamos querendo cercear o benefício de outros, mas temos que nos preocupar se os nossos benefícios serão retroagidos. Porque o empregador, quando tiver que ocupar uma vaga para deficiente vai preferir um funcionário monocular do que um cego completo. O que tem que se pensar é em políticas específicas para essas pessoas. Não é o momento de ampliar esse direito”, argumentou.
O advogado Luiz Claudio Freitas, da Comissão da Pessoa com Deficiência da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), considera o Artigo 1º do PL 4.291/18 equivocado por utilizar o modelo médico e não o social como critério de definição para a deficiência. Segundo ele, o projeto vai na contramão do modelo jurídico vigente na avaliação para concessão de benefícios previdenciários e assistenciais, por exemplo. Sugeriu ainda que fosse feito um levantamento do impacto financeiro que a proposta terá para as finanças do estado, tendo em vista que, conforme o advogado, o projeto não indica de onde sairão recursos para compensar os benefícios que os monoculares passarão a ter.