Mais uma vez, as servidoras e os servidores públicos são injustamente utilizados como bodes expiatórios para justificar o déficit da Previdência Social e impulsionar uma nova reforma. Em matéria publicada nesta segunda-feira (29), intitulada “Déficit previdenciário de servidores atinge R$ 6 tri e derruba investimento público”, a matéria do jornal Folha de S.Paulo não só estigmatiza as servidoras e servidores aposentados como um fardo para as finanças públicas, mas também negligencia a verdadeira realidade daqueles que dedicam uma vida inteira ao serviço público.
O texto carece de uma abordagem abrangente sobre os danos causados pelas reformas, como a Emenda Constitucional (EC) n°3, de 1993, que introduziu a contribuição previdenciária obrigatória para os servidores(as) públicos(as) e pensionistas. Já a EC n° 41, de 2003, estipulou a cobrança sobre as aposentadorias e pensões que ultrapassam o teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
A última reforma da Previdência (Emenda Constitucional n°103 de 2019) do governo Bolsonaro, em vigor, estabeleceu que, em caso de déficit atuarial, a contribuição dos aposentados e pensionistas pode incidir sobre valores que ultrapassem o salário-mínimo, causando ainda mais danos aos servidores:
“Art. 40. O regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargos efetivos terá caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente federativo, de servidores ativos, de aposentados e de pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.”
“§ 1º-A. Quando houver déficit atuarial, a contribuição ordinária dos aposentados e pensionistas poderá incidir sobre o valor dos proventos de aposentadoria e de pensões que supere o salário-mínimo.”
Com uma simples operação matemática, podemos comprovar que dos 571.873 servidores(as) ativos(as) do Regime Jurídico Único (RJU), em dezembro de 2023, cerca de 107.700 ou 18,83%, estão sob regime previdenciário híbrido. Até o teto do INSS (R$ 7.786,02), a contribuição é solidária. Acima desse valor, a contribuição previdenciária passa a ser individual, pela previdência Complementar, neste caso pela Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público da União (Funpresp). Com a tendência de crescimento, em função dos próximos concursos públicos, isso significa que haverá dentro de muito pouco tempo problemas atuariais no Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) aprovado pela reforma da Previdência.
O mito do déficit da Previdência
Para começar, é importante compreender que a Previdência Social está inserida na Seguridade Social e restringir a discussão apenas à previdência significa esconder os excedentes da Seguridade Social, que registra superávits anuais para financiar uma variedade de ações voltadas à garantia de direitos relacionados à saúde, assistência social e previdência, provenientes de iniciativas dos Poderes Públicos e da sociedade.
Levando-se em consideração todo esse cenário, o coordenador da Auditoria Cidadã da Dívida Pública (Núcleo RJ) Paulo Lindesay avalia a notícia como uma “falácia”, a começar pelo argumento de que a maior despesa da União seria a Previdência Social. “Não é verdade. A despesa com a Previdência Social é a maior despesa primária. A maior despesa do orçamento federal chama-se dívida pública”.
No último orçamento executado de 2022, para se ter ideia, a Dívida Pública Federal, com R$ 1,879 trilhão, supera a Previdência Social, que foi de R$ 841 bilhões. Apesar disso, a dívida pública muitas vezes não é tratada como despesa da União, sendo o déficit primário divulgado em vez do déficit total do orçamento federal, o que poderia ter implicações significativas no sistema. Comparando as duas, a Dívida Pública Federal representa uma despesa maior em termos absolutos, sendo R$ 1,879 trilhão em 2022, enquanto a Previdência Social foi de R$ 841 bilhões. Portanto, a Dívida Pública é a maior despesa da União nesse contexto.
Déficit ou falta de investimento?
É fundamental reconhecer que a Previdência Social é um pilar essencial do Sistema de Seguridade Social Brasileiro. No entanto, ao longo dos 101 anos de existência, ela foi alvo de diversas reformas que prejudicaram os trabalhadores em vez de fortalecer o sistema previdenciário.
Apesar de ser vital para quase 40 milhões de beneficiários em todo o país, os valores dos benefícios previstos no RGPS (Regime Geral de Previdência Social) e pagos pelo INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social) continuam notavelmente baixos e insuficientes. Deveriam estar sendo direcionados esforços significativos para expandir e melhorar esses benefícios.
É frequente o destaque para o déficit da Previdência como um grande prejuízo, ao mesmo tempo em que se negligencia o “rombo” nas contas públicas e o crescente gasto financeiro com o Sistema da Dívida. Curiosamente, a grande mídia evita abordar esse tema, mesmo sendo extremamente fundamental para a população em geral. Além disso, raramente se discute sobre os investimentos nos serviços públicos destinados à população e na estrutura do Estado.
É ainda mais preocupante que o texto classifique os investimentos do Estado em Saúde e Educação como “gasto”. Importante ressaltar que a grande mídia também omite o vasto volume das emendas parlamentares aprovadas pelo Congresso Nacional no Orçamento de 2024 no valor de R$53 bilhões, que alcançam cifras cada vez mais elevadas. Para se ter ideia, o valor de emendas parlamentares é maior que o orçamento de 32 ministérios.
A matéria surge logo após o Dia Nacional dos Aposentados, quando manifestações ocorreram em todo o Brasil. Os servidores aposentados e pensionistas clamam pelo fim da contribuição previdenciária, tema discutido no Congresso Nacional por meio da PEC 555, em tramitação desde 2006. É importante ressaltar que globalmente, os servidores são os únicos a continuar contribuindo mesmo após a aposentadoria.
Além disso, buscam a integralidade das aposentadorias e a recomposição da remuneração, visando a equiparação salarial entre ativos, aposentados e pensionistas. No entanto, parece que as reivindicações dos servidores(as) aposentados e pensionistas, extremamente necessárias para melhorar a qualidade de vida e proporcionar um poder de compra digno para o segmento, não são levadas em consideração.
Texto: Fenajufe
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