Servidora sofre com as deficiências da Justiça Federal
Bruno Franco*
Servidora do Judiciário Federal, oficial de gabinete que, recentemente, fora diretora substituta da Vara em que está lotada, trabalha em um andar diferente de seus colegas, segregada por conta de deficiência. Mas, não da sua e sim da deficiência da Justiça Federal em cumprir o que determina a Lei de Acessibilidade (nº 10.098/2000), que estabelece em seu artigo 11, no capítulo IV “Da acessibilidade nos edifícios públicos ou de uso coletivo”, que a “construção, ampliação ou reforma de edifícios públicos ou privados destinados ao uso coletivo deverão ser executadas de modo que sejam ou se tornem acessíveis às pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida”.
No entanto, a oficial de gabinete Joana de Montenegro Roquette trabalha, desde janeiro de 2011, na 1ª Vara da Justiça Federal, em Barra do Piraí, sem que o edifício, na qual a Vara se situa, seja ou tenha se tornado acessível para pessoas com mobilidade reduzida, como é o caso de Joana de Montenegro.
O prédio de três andares não conta com elevador e Joana, por usar cadeira de rodas, não pode transpor as escadas para chegar ao terceiro andar, onde está o gabinete, aquele que deveria ser seu ambiente de trabalho, mas que ela nunca sequer viu. Assim, a oficial trabalha no 1º andar, sozinha em uma sala, sem contato direto com seus colegas, exceto quando eles descem as escadas para visitá-la ou tratar alguma questão que precisem debater pessoalmente. Fora isso, somente se comunicam por telefone ou pelo Pandion (um sistema de chat, reservado aos servidores da Justiça Federal).
De acordo com Joana de Montenegro, a equipe compreende sua situação e colabora, assim como todos os magistrados que por lá passaram foram compreensivos. Mas as dificuldades são muitas e como, em três anos, a Justiça Federal não providenciou qualquer solução, o que resta a Joana e seus colegas é buscarem paliativos para remediar a situação. “Quando um jurisdicionado idoso e ou com deficiência vem para uma audiência, nós precisamos improvisar e levamos uma hora para adaptar a sala aqui embaixo”, exemplifica a servidora.
Por conta da separação espacial, a servidora não se integra plenamente à equipe. “Até para falar com o juiz, eu tenho que telefonar, pois eu estou isolada e nem sei quando ele está no gabinete. Isso atrapalha a rotina, o dia a dia. Não é minha culpa que a Vara não tenha acessibilidade”, lamenta Joana.
Antes de pedir remoção para Barra do Piraí, a servidora trabalhou na capital, nos fóruns da Justiça Federal da avenida Venezuela e da avenida Rio Branco. “Havia alguns problemas de acessibilidade, mas nada que se compare ao que existe no interior. Aqui nós somos preteridos em tudo. E o que mais me incomoda é que o pessoal da capital não tem noção de como é o interior”, reclama a oficial de gabinete.
Buscando uma solução
A primeira possibilidade aventada para solucionar o problema foi a instalação de um elevador. No entanto, o alto custo, cerca de cem mil reais, fez com que o projeto fosse descartado tanto pela Justiça Federal quanto pela proprietária do imóvel, que “não se mostrou inflexível, mas o projeto que a Justiça mostrou foi de um elevador para seis, sete pessoas. Mas, um elevador de grande porte, para uma casa de três andares ela não se dispôs a fazer e ela não está errada”, explica Joana, compreensiva.
Dulavim de Oliveira Lima Jr, diretor do Núcleo de Pessoas com Deficiência (NPCD) do Sisejufe, questionou a motivação da Justiça Federal em negar a construção do elevador. “Não querem, mas não querem, por quê? O contrato foi renovado, mas ele já está fora da Lei de Acessibilidade. É claro que a proprietária não iria querer fazer nada, quem tem que fazer é a Justiça Federal”, indignou-se o dirigente sindical ao saber que, mesmo descumprindo as disposições legais acerca da Acessibilidade, o contrato de aluguel foi renovado até 2017.
Nesse longo debate, outras soluções foram aventadas. “A gente sugeriu usar a área externa e fazer rampas que não fossem muito íngremes, mas alegaram que seria perigoso. Estão pensando em colocar um equipamento semelhante ao usado em Metrô, uma plataforma hidráulica que sobe na escada. Parece que a alternativa seria essa. Eles dizem que não vale a pena investir em imóvel alugado. Por outro lado, também não querem construir nem mudar daqui”, informa Joana de Montenegro.
Segundo ela, o boletim interno da Justiça Federal noticiou que a Vara de Três Rios recebeu, recentemente, adaptações para torná-la mais acessível, mas ao telefonar para a Subsecretaria de Infraestrutura (SIE), ela foi informada de que, em função do cronograma, Barra do Piraí somente seria contemplada por obras de adaptação em 2015. “Lá (Três Rios) não tem servidor cadeirante. É claro que tem que ter acessibilidade para o jurisdicionado e para o advogado, mas é o servidor que sofre com a falta de acessibilidade todo dia. O que levaram em consideração para adaptarem Três Rios primeiro e não Barra do Piraí? Quais são os critérios? E eles ficam mudos, porque nem tem o que responder. Quanto mais eu questiono, menos eles sabem responder minhas dúvidas”, reclama a servidora.
De acordo com o assistente Francisco de Oliveira Leal, em 2011, havia a previsão de que fosse instalada uma segunda Vara em Barra do Piraí, e surgiu a possibilidade de alugar um prédio no centro da cidade, com elevador panorâmico e boas condições gerais de acessibilidade, mas a Justiça Federal perdeu o interesse pelo imóvel. “A impressão que fica é que o servidor é o culpado”, lamenta o assistente.
Ministério Público entra em ação
A situação parecia ter estagnado nesse impasse. Mas, há cerca de oito meses, o procurador Eduardo Ribeiro Gomes El-Hage, do Ministério Público Federal (MPF) de Volta Redonda, em visita à Barra do Piraí, para a realização de audiências criminais, constatou a falta de acessibilidade (tanto para a servidora, quanto para o público em geral) e oficiou a direção do Foro, iniciando um procedimento administrativo.
A entrada do MPF em cena trouxe nova dinâmica ao processo, fazendo com que a SIE realizasse visitas técnicas à Barra do Piraí para avaliar as instalações. Em função disso, segundo Joana, a Justiça Federal ofereceu, como solução, uma adaptação no primeiro andar, que passaria a contar com uma sala de audiências e um balcão para atendimento aos jurisdicionados, o que não resolveria em nada a sua situação, que continuaria apartada dos colegas.
O MPF instaurou o Inquérito Civil Público 1.30.010.000183/2013-82 visando verificar problemas nas instalações do Fórum da Justiça Federal de Barra do Piraí (RJ) referentes à acessibilidade de pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida. A Coordenadoria de Projetos e Obras (CPEOQ) da Seção Judiciária do Rio de Janeiro (SJRJ) confirmou que o imóvel não atende às condições mínimas de acessibilidade (Despacho nº JFRJ -DES – 2013/06940).
No dia 21 de novembro, a Procuradoria da República expediu uma recomendação ao diretor de Foro da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, juiz Carlos Guilherme Francovich Lugones, para que, em 30 dias informassem providências a serem tomadas, tais como a transferência da sede da Subseção Judiciária de Barra do Piraí para outro imóvel ou a instalação de elevador no mesmo, garantindo a plena acessibilidade e a utilização dos bens e serviços públicos.
No entanto, no final de janeiro, ao retornar de férias, El Hage ainda não tinha recebido resposta da SJRJ. “Agora reiteraremos o pedido de novas explicações (mais 30 dias). Vamos provocá-los para saber se há plano de resposta. Caso a iniciativa não seja exitosa, estudaremos novas medidas e uma possibilidade é a Ação Civil Pública, que é um instrumento adequado para uma solução mais célere”, explica o procurador.
Desrespeito às normas que regem a Acessibilidade
Segundo Ricardo de Azevedo Soares, coordenador do Núcleo de Pessoas com Deficiência do Sisejufe, as condições apresentadas pela 1ª Vara da Justiça Federal de Barra do Piraí estão em desacordo com a Lei 10.098/2000 e com o Decreto 5296/2004, que regulamenta a Acessibilidade. “Além disso, há uma recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nº 27/2009 que diz que todo o Judiciário deve estar adaptado”, enfatiza o dirigente do Sisejufe.
De fato, a norma editada pelo CNJ, recomenda aos tribunais que adotem medidas “para a remoção de barreiras físicas, arquitetônicas, de comunicação, de modo a promover o amplo e irrestrito acesso de pessoas com deficiência às suas dependências, aos serviços que prestam e às respectivas carreiras”.
Para Dulavim de Oliveira, é bom que haja pressão do sindicato para que essa situação tome outro rumo. “E que caso não seja, de fato, possível fazer as adaptações, que se encontre outro imóvel”, conclui o diretor do Sisejufe. “Até para nós do sindicato buscarmos a solução para um problema tão grave em conjunto com a direção da SJRJ está deveras complicado, uma vez que não estamos sendo recebidos pelo diretor do Foro já há algum tempo” declara indignado o coordenador do NPCD do Sisejufe. “Os servidores com deficiência do Judiciário Federal querem e exigem o cumprimento da Lei Federal 10.098/2000, em uma frase: exigimos respeito por parte das autoridades envolvidas!” exclama o diretor sindical.
Esclarecimentos da Seção Judiciária do Rio de Janeiro
Contatada pelo Contraponto, a Administração da SJRJ se mostrou ciente de que as condições de acessibilidade do prédio que abriga a Subseção de Barra do Piraí não são adequadas, o que traz dificuldades para os jurisdicionados e, cotidianamente, para a servidora Joana de Montenegro Roquete.
A Administração reconhece que o prédio está e sempre esteve aquém do padrão, porém faz a ressalva de que era a única opção viável, na época, para a instalação da Vara Federal. Acrescenta ainda que a SJRJ tentou adquirir um terreno público para construir uma sede própria, mas, que a Prefeitura de Barra do Piraí desistiu da cessão do terreno, alegando já estar comprometida com outra instituição.
Em relação à possibilidade de locação de outro imóvel, aventada em 2011, conforme recordava Francisco Leal, a Seção Judiciária esclarece que – ao ser decidida a transferência da nova unidade para São Pedro d´Aldeia – optou por debater com a proprietária do imóvel atual a instalação de um elevador. A Administração admite, contudo, que a situação, especialmente a de Joana de Montenegro, se agravou com o impasse nas negociações, motivada pelo alto custo das obras que seriam necessárias.
Para solucionar o problema, a SJRJ relata que atua, concomitantemente, em duas frentes: procura outro imóvel para alugar no município, em condições melhores de acesso a cadeirantes e pessoas com dificuldades de locomoção; e negocia com a proprietária do prédio atual a instalação de um elevador. Nas últimas tratativas, no final de 2013, a proprietária concordou em estudar alternativas para instalação do elevador, convencida de que o investimento agregará valor ao imóvel, repercutindo, inclusive, no valor do aluguel. De qualquer forma, a proprietária teria ainda que fechar contrato com uma empresa, instalar um prisma e aguardar a entrega e instalação do equipamento. O que indica que a notícia é alvissareira, mas o desfecho da questão não está tão próximo assim.
*Da Redação