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Forum – Violência contra mulheres: Brasil vive emergência que não espera março

Em artigo publicado no site Forum, a técnica em Segurança do Trabalho, cientista social e antropóloga Bárbara Bezerra afirma que a recente sucessão de ataques brutais contra mulheres revela não apenas a escalada da violência de gênero no país, mas também suas raízes estruturais, que atravessam desde as relações domésticas até o mundo do trabalho. Para a autora, os feminicídios e as desigualdades profissionais são faces de um mesmo sistema misógino que desumaniza mulheres, fragiliza sua autonomia e exige resposta urgente da sociedade e das instituições.

A Secretaria de Mulheres do Sisejufe repudia veementemente a violência contra a mulher, que ceifa vidas diariamente no Brasil, e que deve ser pauta recorrente e imprescindível durante todo o ano, não apenas em março. Durante os 21 Dias de Ativismo Pelo Fim da Violência Contra a Mulher, a dirigente do sindicato e secretária da Secretaria de Mulheres, Anny Figueiredo, chama atenção para o avanço dos assassinatos de mulheres e defende ações urgentes de prevenção, proteção e apoio das autoridades para garantir a segurança e a dignidade feminina. “O Brasil enfrenta, nos últimos dias, um crescimento alarmante dos casos de feminicídio, situação que expõe com dureza a persistência da violência de gênero no país. Cada mulher assassinada revela a soma de omissões, desigualdades e falta de proteção adequada, sinaliza também a urgência de reforço às políticas de prevenção, de ampliar o acesso a medidas protetivas e de fortalecer a rede de acolhimento. Diante desse cenário, é essencial que sociedade e Estado ajam de forma coordenada, porque impedir novos feminicídios significa defender o direito básico das mulheres a viver com segurança e dignidade”, reforça.

Leia o artigo publicado no Forum na íntegra

O Brasil amanheceu, nos últimos dias, mais uma vez atravessado pela brutalidade da violência contra as mulheres. Não precisamos esperar março para falar sobre isso. Não podemos. Os números e as histórias recentes escancaram uma realidade alarmante e cotidiana: mulheres sendo atacadas, mutiladas, assassinadas por homens que acreditam ter poder sobre seus corpos, suas vidas e suas escolhas.

Em menos de uma semana, o país assistiu a uma sequência de casos brutais de violência contra mulheres: uma delas foi atropelada, arrastada por um quilômetro e teve as pernas amputadas após o ex-companheiro não aceitar o fim da relação; outra, em Recife, morreu junto com quatro crianças após serem queimadas vivas em meio a agressões contínuas; em São Paulo, uma mulher levou cinco tiros do ex-parceiro que a ameaçava desde a separação; na Bahia, uma mulher foi retirada do banho e assassinada a tiros pelo ex-companheiro, que a ameaçava e perseguia há um ano, por não aceitar o fim do relacionamento; em Goiás, uma mulher foi assassinada pelo ex-marido com 6 tiros, após 15 anos de casamento, por ele não aceitar a o fim da união; e, no Rio de Janeiro, duas mulheres foram assassinadas por um homem que não aceitava ser chefiado por mulheres.

Casos assim se repetem todos os dias. São a expressão mais extrema de um problema estrutural: a misoginia naturalizada, o discurso de ódio às mulheres, o machismo cotidiano que se infiltra em todos os espaços da sociedade.

Segundo dados recentes do Ministério da Justiça, as tentativas de feminicídio aumentaram 26% em 2024. Entre janeiro e setembro de 2025, mais de 2,7 mil mulheres sobreviveram a tentativas de homicídio motivadas por gênero, enquanto 1.075 foram assassinadas. É uma tragédia nacional. São vidas interrompidas por homens que veem mulheres como propriedade.

Essa cultura de violência começa muito antes do feminicídio. Ela nasce do desrespeito, da desqualificação, das piadas, da posse, do controle, das ameaças, do assédio – inclusive no ambiente de trabalho.

A violência contra mulheres não é um fenômeno distante dos casos que chocaram o país, ela também atravessa as estruturas do trabalho.

A história do trabalho no Brasil revela como o patriarcado estrutura desigualdades profundas: em 1917, a primeira grande greve operária do país, liderada por mulheres, inaugurou o movimento organizado da classe trabalhadora, no mesmo ano em que o Código Civil ainda declarava a mulher legalmente incapaz. Mais tarde, com a CLT, o emprego formal passou a ser marcado como território masculino e, já na redemocratização, o novo movimento sindical teve papel crucial na reorganização da classe trabalhadora, mas suas principais lideranças e sua imagem pública continuaram predominantemente masculinas, ofuscando a participação crescente, porém menos visível, das mulheres nas fábricas e em diversos setores.

Esse apagamento não é casual. O ódio às mulheres e a naturalização do trabalho doméstico não remunerado são engrenagens do patriarcado que fragilizam a própria classe trabalhadora e ameaçam sua capacidade de organização coletiva.

Na Petrobrás, os números revelam desigualdades profundas: em 2024, mulheres eram apenas 17% da força de trabalho, recebendo em média 78% do salário masculino no nível médio e 93% no nível superior, na mesma função. Esse desequilíbrio não é apenas injustiça: é também uma forma de violência de gênero, que se manifesta na dimensão psicológica – ao exigir esforço constante para provar competência em ambientes que desconfiam delas, o que é extremamente desgastante e afeta inclusive as relações fora do trabalho; e na dimensão patrimonial, porque produz perdas materiais e econômicas ao longo de toda a vida, retirando delas direitos e oportunidades que deveriam ser iguais.

Pela Lei Maria da Penha, violência patrimonial é definida como qualquer conduta que retenha, subtraia ou destrua bens, recursos econômicos ou instrumentos de trabalho de uma mulher – tipificação restrita às relações domésticas, familiares ou afetivas. A desigualdade salarial não se enquadra juridicamente nesse tipo penal, mas seus efeitos materiais são inegáveis: retiram ao longo de toda a vida recursos, direitos e oportunidades que deveriam ser iguais. Por isso, ainda que não corresponda ao sentido estrito da lei, é legítimo falar em uma dimensão patrimonial da violência de gênero para descrever essas perdas econômicas sistemáticas impostas às mulheres no mundo do trabalho.

Não podemos esquecer que, muitas vezes, o ambiente profissional é hostil, marcado por assédio, discriminação e, com frequência, silenciamento. Quantas vezes ouvimos que uma mulher só cresceu profissionalmente porque “dormiu com alguém”? Quantas vezes ouvimos isso sobre um homem? Enquanto homens, para serem reconhecidos, precisam apenas ser homens, mulheres precisam se esforçar muito mais para “provar sua competência” e ainda assim enfrentam desconfiança, boatos, deslegitimação e violência simbólica.

Por muitos anos, setores da sociedade – e também das empresas – alimentaram a desunião feminina. O mito da rivalidade entre mulheres, criado e reforçado por homens, serviu para enfraquecer nossa luta coletiva. Mas esse cenário está mudando. As mulheres petroleiras, organizadas no Coletivo de Mulheres da FUP, têm conquistado espaço, voz e poder dentro dos sindicatos e nos Acordos Coletivos. E isso não é pouca coisa: representação salva vidas.

A violência de gênero não acontece apenas “nas ruas”. Ela está nos lares, nos transportes, nos locais de trabalho, nas plataformas, nas refinarias, nos laboratórios. Está também na falta de acolhimento às vítimas, nos processos que se arrastam, nos assediadores que permanecem intocados, nas denúncias que não avançam. Não podemos aceitar isso.

Nós, representantes das trabalhadoras e trabalhadores – independentemente de qual categoria – precisamos reafirmar nosso compromisso permanente de enfrentar todas as formas de violência contra as mulheres: físicas, psicológicas, sexuais, morais, patrimoniais e institucionais. Lutamos por igualdade salarial e de oportunidades, mas lutamos também por ambientes de trabalho seguros, por acolhimento real às vítimas, por responsabilização dos agressores e por ações que formem novas gerações livres de misoginia. Violência contra a mulher não é um problema privado, é social, político e trabalhista. É um problema que diz respeito a todos nós. Não vamos silenciar. Não vamos esperar março. Seguiremos lutando, dentro e fora do ambiente de trabalho, para que nenhuma mulher seja deixada para trás. É feminismo ou barbárie. E a barbárie já chegou.

Secretaria de Mulheres do Sisejufe, com informações do Forum, texto de autoria de Bárbara Bezerra

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