“Daria minha vida para que meu filho tivesse sido vacinado”, disse Marcio Antônio Silva, que perdeu o filho de 25 anos para a Covid-19, em 2020, durante depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado, na tarde dessa segunda feira (18). A comissão foi instalada em abril e tem previsão de ser encerrada no dia 26 deste mês de outubro com a aprovação do relatório pelos senadores integrantes. Durante o final de semana, o relatório da comissão (que seria também seria apresentado na sessão de hoje) vazou para a imprensa, o que provocou mal-estar entre os senadores e o adiamento da apresentação oficial para esta quarta (20).
Após quase seis meses de depoimentos de ministros, secretários, empresários, advogados e outros convocados ou como depoentes ou testemunhas, foi a vez dos representantes das centenas de milhares de vítimas da doença denunciarem a negligência, o negacionismo, a apologia ao tratamento precoce, o discurso contra o isolamento e os protocolos de prevenção, a falta de vacinas e o descaso com a vida humana promovidos pelo governo federal e empresários ligados ao Planalto, desde que a pandemia foi decretada pela Organização Mundial da Saúde, em março de 2020.
600 lenços para 600 mil vítimas
Marcio relatou a dor da tragédia vivida com o filho desde a constatação da contaminação até as últimas palavras recebidadas pelo aplicativo de mensagem, pouco antes dele ser entubado: “amor e paz”. Marcio, que também perdeu uma irmã, entregou aos senadores, juntamente com representantes da ONG Rio de Paz, 600 lenços brancos em memória às vítimas. O presidente da organização, Antônio Carlos Costa, criticou a falta de orientação do governo para população durante toda a pandemia e que Jair Bolsonaro que teria sido a antítese do que se esperava de um presidente da República. “Jamais o vimos derramar lágrima de compaixão ou expresssar profundo pesar pelo povo”.
“E daí que seu filho morreu”, disse negacionista
Em seu depoimento, o taxista e pai de Hugo relatou ter vivido situações de hostilidade por parte de apoiadores do presidente negacionista. Em agosto do ano passado, quando o país atingiu 100 mil mortes, Márcio foi hostilizado em uma homenagem realizada pela Rio de Paz, quando foram colocadas cruzes nas areias da praia de Copacabana, simbolizando as vítimas. Um homem derrubou as cruzes e Márcio, que estava se recuperando da Covid e havia perdido o filho havia apenas três, se desesperou diante da brutalidade da cena. A atividade contava com dezenas de pessoas, mas havia cinco ou seis contrários ao protesto, segundo o trabalhador. Marcio conta que ouviu ainda uma voz vinda de um megafone gritar “E daí que seu filho morreu?”.
“Não posso aceitar que alguém faça brincadeira com isso. Não posso entender como outros pais acham isso normal”, desabafou consternado. Para ele, somente com a instalação da CPI e sua visibilidade na mídia, o processo de vacinação começou e algumas medidas começaram a ser tomadas. “Não dá para ver o ministro dando risinho. Com a CPI, vidas foram salvas depois. Tiveram que agir”, acrescentou.
“Não quero um país que dê arma para meus filhos
Marcio ainda fez críticas diretas ao presidente, à política de ódio e declarou a importância da mobilização e engajamento político das pessoas. “Não é normal. A dor é de todos os que perderam. Nós merecemos um pedido de desculpas da maior autoridade do país. Nossa dor não é mi, mi, mi. Minha irmã poderia ter sido vacinada. Não quero um país que dê arma para meus filhos. Colocaram muito na minha cabeça que política não serve para nada. Mas, sim, política serve para tudo, política é tudo”, disse em referência à sua atuação como representante das vítimas e familiares na comissão.
Tragédia de Manaus provocou CPI
A enfermeira obstetra Mayra Pires, que perdeu uma irmã, representou não só familiares de vítimas como os profissionais de saúde que sofreram com a falta de todo o tipo de Equipamento de Proteção Individual (EPI), com a superlotação, falta de leitos e de materiais básicos como analgésico para o tratamento dos doentes, ao longo da pandemia. Mayra relatou momentos dolorosos vividos pelos profissionais e população em janeiro deste ano, quando morreram 2.522 pessoas de Covid-19 no estado, sendo que muitos morreram sufocados por falta de oxigênio nos hospitais. Esse episódio provocou a criação da CPI e levou à abertura de inquéritos contra diversas autoridades.
Morte e adoecimento também entre os profissionais
“Durante todo 2020, os profissionais de saúde tiveram que arcar com os EPIs. Muitos dos EPIs que usei foram comprados por amigos e colegas, porque não tínhamos nem essa máscara (em referência à máscara descartavel que estava usando durante seu depoimento). Muitas vezes atendi pacientes grávidas agonizando, sem máscaras. Foi muito difícil. Vivi uma situação de guerra”, contou muito emocionada. A enfermeira relatou também a perda de colegas e o impacto da tragédia na vida dos profissionais. “Infelizmente perdemos ótimos médicos obstetras, perdemos colegas para a depressão, para o suicídio. Isso fala para todas as categoriass. Na enfermagem, tivemos 82 óbitos, fora os que ficaram com depressão, sequelas, que tiveram a saúde mental debilitada”.
Familiares esperam punição aos culpados
Katia Shirlene Castilho dos Santos perdeu os pais e pediu justiça. “A dor é grande, mas a vontade de Justiça é maior. Eu estou aqui hoje para representar as várias famílias que passaram pela dor que passamos. Sei que a justiça vai acontecer. Não são só números. São pessoas, vidas e histórias que foram encerradas por tanta negligência. O sangue dessas mais de 600 mil vítimas escorre nas mãos de cada um dos q eu substimaram esse vírus”. Katia concluiu sua declaração fazendo um apelo a todos para que tomem a vacina contra a Covid-19. “Se você estiver assistindo, vá tomar a vacina. Meus pais não tiveram essa oportunidade. Poderiam estar aqui conosco”.
Sisejufe deu apoio às atividades que denunciaram o número de mortes no país
Desde o começo da pandemia, o Sindicato esteve engajado em várias campanhas promovidas, seja para denunciar o descaso do governo ou ajudar na divulgação para a população da necessidade do cumprimento dos protocolos sanitários. Além de apioiar organizações como o Rio da Paz, o Sisejufe Solidário patrocinou, entre outras ações, o projeto Pia do Bem, um módulo portátil no qual as pessoas em situação de rua e trabalhadores podiam lavar as mãos e evitar o contágio pelo vírus. A primeira pia do bem foi montada em frente ao prédio do Sisejufe, no centro do Rio.
“Os atos organizados pela Rio de Paz, com o apoio do Sisejufe, chamaram a atenção do mundo para o que está acontecendo no país em virtude da inoperância do atual governo que, além de não demonstrar empatia, mostra descrença na ciência e, para piorar, investe num projeto neoliberal de desmonte do Estado, a exemplo da reforma administrativa que estamos lutando para barrar. A CPI da Covid tratou de mortes que poderiam ter sido evitadas a partir de investimentos em vacinas e em uma rede de proteção de bem-estar social, o que não aconteceu. Ao invés de um Estado protetor, temos um Estado que não se importa com seu povo”, denuncia Soraia Marca, diretora do Sindicato.