Em recente declaração, um dos ministros do Supremo Tribunal Federal criticou a previsão constitucional de greve dos servidores públicos de forma contundente. A manifestação é lamentável porque diverge dos entendimentos mais aprofundados lançados a respeito pelo Supremo e da compreensão internacional do referido instituto de direito social. Embora o comentário de agora não objetive um resgate completo dessa discussão, o que já tivemos a oportunidade de fazer nos foros apropriados, cabe consignar apenas que a greve e a negociação coletiva são direitos fundamentais reconhecidos pela Organização Internacional do Trabalho também aos servidores, em convenções que foram acolhidas no ordenamento jurídico interno brasileiro, seja pela correta e justa previsão constitucional (artigo 37, VII, no caso da greve) ou pela adesão da República à Convenção 151 e Recomendação 159 OIT (negociação coletiva), ambas de 1978, que tratam das relações de trabalho na administração pública, confirmada pelo Congresso Nacional no Decreto Legislativo nº 206, de 2010.
O arcabouço jurídico que contorna o direito de greve do servidor dispensa maiores argumentos e, certamente, exigiria apenas indiferença como resposta às declarações comentadas na notícia abaixo, que não poderiam ser encaradas com seriedade por quem conhece o assunto, não fosse a fonte e, por isso mesmo, a inevitável indignação resultante.
Confira a notícia na íntegra.
Declaração de ministro do STF reflete visão conservadora do Estado, diz sindicalista
Luiz Fux afirmou ontem que greve no serviço público, prevista na Constituição, é ‘demagogia’ e ‘desatino’
“O ministro deveria ser um dos guardiães da Constituição Federal e não rasgá-la dessa maneira”, afirma dirigente
São Paulo – A visão conservadora de um Estado autoritário e a consequente falta de diálogo para negociações trabalhistas estão entre os fatores que prejudicam o funcionalismo, afirmou o secretário-adjunto de Relações do Trabalho da CUT, Pedro Armengol, ao comentar declarações do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux contra a prática da greve no serviço público. “O que temos é a herança maldita de um Estado autoritário, que impõe regras unilaterais, sem diálogos. Infelizmente o Estado brasileiro é contaminado por esse pensamento, inclusive figuras como a do ministro do Supremo”, reagiu Armengol.
Durante seminário realizado no Rio de Janeiro, Fux referiu-se à greve de servidores como “demagogia” e “desatino”, criticando a Constituição aprovada em 1988. “A Constituição Federal, a meu ver num rasgo demagógico, permitiu a greve dos servidores públicos”, declarou o ministro, para quem “a greve do servidor público não tem nenhuma eficácia” e “só prejudica aqueles que dependem do serviço público”.
Para o secretário-geral da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), Josemilton Costa, os direitos dos servidores devem ser respeitados. “O ministro deveria ser um dos guardiães da Constituição Federal e não rasgá-la dessa maneira. É lamentável essa declaração tão desastrosa. Nós somos trabalhadores, pagamos nossos impostos, contribuímos com a riqueza do país e exigimos respeito. Não sei por que tratam o servidor público com tanto descaso.”.
Armengol, que participa de negociação para discutir alterações no projeto que regulamenta o direito de greve no setor público, argumenta que o processo natural de uma relação de trabalho é começar uma greve quando não se chega a um acordo em mesa de negociação. “Para o servidor público é o inverso. Temos de fazer a greve para abrir um processo de negociação, e assim os gestores sentam-se para conversar”, critica. Na terça-feira que vem (10), representantes das centrais devem reunir-se novamente com o relator da proposta, senador Romero Jucá (PMDB-RR).
“Ele (Fux) não pode avaliar mecanismos que os servidores têm para conseguir valorização, reajustes e melhores condições de trabalho. Isso pode ser um entendimento particular, mas não cabe essa avaliação a ele”, afirma o secretário de Educação do Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep), Sérgio Antiqueira. “Daqui a pouco, o Judiciário vai definir o que o Legislativo e Executivo devem fazer. Opinar sobre a melhor forma que trabalhador tem de fazer suas reivindicações é complicado e preocupante”, completa.
“A irresponsabilidade maior é do gestor público, quando afirma que o servidor vai se cansar de fazer greve, sem a menor preocupação com o que está sendo prejudicial à sociedade, até porque o prejuízo não sai do bolso dele, mas do bolso do cidadão. Essa é a diferença do setor privado, onde patrão dialoga logo para resolver o conflito, já que o prejuízo sai do bolso dele”, acrescenta Armengol.
Rudi Cassel, com informações de: Rede Brasil Atual