Rio – A Reforma da Previdência do governo Bolsonaro, em discussão na Comissão Especial da Câmara, ainda é uma ilustre é desconhecida da população brasileira. Pelo menos é o que mostra pesquisa encomendada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e divulgada ontem pelo Ibope. Segundo o levantamento, apenas 36% dos entrevistados afirmaram conhecer o conteúdo da reforma e, desse percentual, mais da metade (51%) é contra as alterações no sistema previdenciário. Outros dados chamaram atenção: 31% não conhecem o conteúdo da PEC 6 e 23% sequer sabem que o governo apresentou modificações para regras das aposentadorias no país.
De todos os pontos apresentados pelo governo Bolsonaro, O DIA vai destacar alguns e mostrar o que as mudanças representam na vida do trabalhador. Especialistas em Direito Previdenciário e parlamentares alertam para o fim da aposentadoria por tempo de contribuição, um dos principais pilares da reforma, que prevê uma economia de R$ 1,23 trilhão em dez anos. Somente com a extinção dessa modalidade o governo diz que vai economizar R$ 432,9 bilhões, conforme dados do Ministério da Economia. Já com a criação da idade mínima, reprovada por 80% dos entrevistados, a previsão é de gastar menos R$ 128 bi.
Na aposentadoria por tempo de contribuição, não há idade mínima e o tempo mínimo de recolhimento é de 30 anos (mulher) e de 35 (homem). Com a PEC 6, a modalidade exclusiva de aposentadoria deixa de existir e obriga todos a terem idade mínima, sendo 62 anos para mulher e 65 para homens. “A proposta torna mais rigorosa a concessão de aposentadorias ao impor idade mínima”, avalia Jeanne Vargas, do escritório Vargas e Navarro Advogados.
Para Adriane Bramante, do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), o fim da aposentadoria por tempo de contribuição pode trazer prejuízos ao trabalhador. “A imposição de idade mínima é extremamente alta para a realidade brasileira. Temos diversidade de expectativa de sobrevida no país”, adverte.
Sem proteção específica
Mas por que acabar com a aposentadoria de contribuição? Segundo o advogado Herbert Alencar, no entendimento do governo o único benefício que não oferece proteção específica a determinado risco social é essa modalidade de aposentadoria.
“O governo entende que essa aposentadoria não possui caráter de proteção social por isso será extinta do sistema de proteção e mantida na fase de transição de um regime antigo para outro”, avalia Herbert Alencar.
O levantamento do Ibope sobre a reforma ouviu duas mil pessoas em 126 municípios entre 12 e 15 de abril. Ainda segundo a pesquisa, intitulada Retratos da Sociedade Brasileira – Reforma da Previdência, a maior parte dos brasileiros (59%) diz que é preciso reformar o sistema de aposentadorias, mas não esclarecem que tipo de mudança seria. A pesquisa aponta também que 83% dos entrevistados dizem não estar dispostos a pagar mais impostos para manter as regras atuais.
Outros dados revelam que 68% dos brasileiros acreditam que saem prejudicados quando alguns grupos se aposentam com regras diferentes do restante da população, e 59% dizem que é injusto que o valor da aposentadoria das pessoas que se aposentam mais cedo seja menor que o das pessoas que se aposentam mais tarde.
Para parlamentar, proposta é uma condenação aos trabalhadores
Entre outros pontos que serão alterados pela reforma estão a aposentadoria rural, que vai aumentar a idade do trabalhador do campo de 55 anos para 60 anos. A PEC também reduz a pensão por morte, que limita o recebimento do benefício a 60% para a viúva e 10% para cada dependente, limitado a 100%.
Já o Benefício de Prestação Continuada (BPC) – pago a idosos e deficientes de baixa renda – vai mexer na idade de quem tem direito ao benefício e nos valores. Hoje uma pessoa de 65 anos com renda familiar correspondente a 25% do salário mínimo (R$ 249,50), recebe R$ 998. Com a PEC, essa idade passa para 60 anos, mas o valor cai para R$ 400. Só terá direito ao valor do mínimo quem tiver 70 anos de idade. A ampliação do tempo mínimo de contribuição vai saltar de 15 para 20 anos. Para ter o benefício integral, o segurado precisará ter contribuído por pelo menos 40 anos.
Essas alterações foram duramente criticadas pelo deputado federal Marcelo Freixo (Psol-RJ).
“O aumento do tempo mínimo de contribuição de 15 para 20 anos, com a redução do valor de 85% para 60% na aposentadoria, e a obrigação de contribuir por 40 anos para receber o valor integral prejudica os mais pobres. Eles estão nos setores mais voláteis do mercado de trabalho, sempre ameaçados pela informalidade e pelo desemprego”, adverte Freixo.
“Temos mais de 13 milhões de desempregados e cerca de 37 milhões de trabalhadores não possuem carteira assinada. Eles não conseguirão contribuir por 20 anos, muitos menos por 40. Vão cair no BPC, e só receber um salário mínimo aos 70 anos. É uma condenação”, sentencia o parlamentar do Psol.
Nova regra vai dificultar recebimento pelo teto
A proposta de Reforma da Previdência do governo Bolsonaro prevê três opções de transição: uma soma tempo de contribuição e idade mínima, que para mulheres começa aos 56 anos; outra segue o sistema de pontos, similar à regra 86/96; e, por fim, “pedágio” de 50% sobre o tempo que falta para aposentar a quem está a dois anos de pedir o benefício.
Mas a transição não contempla todos os trabalhadores. Quem está perto de aposentar e não se enquadra nos dois anos previstos na regra terá que trabalhar até atingir a idade mínima. Além disso, praticamente acaba com a possibilidade do segurado receber aposentadoria pelo teto previdenciário, hoje em R$ 5.839,45.
Isso porque o novo método de cálculo inclui os 20% menores recolhimentos, impactando negativamente a média. E sem esse aumento na média, o segurado não chega ao teto. Ou seja, para receber 100% da média de contribuições, terá que trabalhar por pelo menos 40 anos.
“Para calcular o benefício, o INSS calcula a média de 80% das maiores contribuições, descarta as 20% menores, e aplica o fator previdenciário. Para receber o teto é preciso que o fator previdenciário seja maior que 1, e isso é muito difícil”, explica Guilherme Portanova, da Federação das Associações dos Aposentados e Pensionistas do Estado do Rio de Janeiro (Faaperj).
Guedes vai à Comissão Especial defender modificações
A Comissão Especial da Câmara, que começou a analisar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6, recebeu ontem o ministro da Economia Paulo Guedes e sua equipe econômica, além do secretário especial de Previdência Social, Rogério Marinho. Entre defesas da reforma e críticas ao texto, o que mais se ouviu foram intervenções citando os governos anteriores. O que, inclusive, fez com que o presidente da comissão, Marcelo Ramos (PR-AM), pedisse que os parlamentares discutissem a reforma e não política.
E novamente o ministro da Economia voltou a se irritar com parlamentares da oposição e desencadeou um rápido bate-boca depois de o deputado Bira do Pindaré (PSD-MA) dizer que Guedes é “representante dos banqueiros” e pedir que ele “o olhasse nos olhos”. “Começou errado”, gritou Guedes. A confusão, no entanto, foi rapidamente contornada por Marcelo Ramos.
Fonte: O DIA – MARTHA IMENES