Notícia boa para o servidor muitas vezes dura pouco. Reportagem da Folha de São Paulo revela que a resolução do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) que proíbe órgãos do Poder Judiciário de reconhecer e pagar novos penduricalhos por decisão administrativa deixa brechas e não resolve o problema dos supersalários de magistrados.
O veículo consultou representantes de organizações que acompanham as despesas da Justiça e outros estudiosos da área —parte deles só aceitou falar sem ser identificado, segundo a matéria. Eles dizem ver vantagens na norma do CNJ por tentar colocar um freio nas despesas, mas apontam que ela tem pouca efetividade.
O CNJ não se manifestou, de acordo com o jornal.
Em um relatório que deve ser divulgado ainda em junho, a ONG Transparência Brasil destaca que a norma do CNJ restringe apenas decisões futuras e permite que atos realizados antes da resolução, aprovada no dia 20 de maio, continuem válidos —inclusive pagamentos que ainda não começaram a ser feitos.
“Dessa forma, todas as decisões administrativas já tomadas continuarão impactando o orçamento do Judiciário”, diz o documento.
“Muitas delas terão efeitos apenas nos próximos anos, quando os tribunais locais provisionarem orçamento para pagar retroativamente os benefícios já autorizados –em detrimento do uso de recursos para ações que resultem em mais eficiência e igualdade no acesso à Justiça.”
A entidade afirma que o CNJ poderia ter optado ao menos pela vedação dos pagamentos não iniciados e que foram amparados apenas em decisão administrativa.
“O CNJ teria promovido a efetiva moralidade e racionalidade nesses gastos. A resolução editada, entretanto, optou por ser mais permissiva do que restritiva”, diz.
O estudo aponta que, de janeiro de 2018 até abril de 2025, o Judiciário distribuiu ao menos R$ 10,3 bilhões em retroativos. Só em 2024, foram R$ 3 bilhões e, nos quatro primeiros meses de 2025, R$ 1,3 bilhão.
Entre os penduricalhos que contêm retroativos, estão a gratificação por exercício cumulativo de trabalho e até correções salariais da década de 1990, escalonadas e com juros.
Além disso, em 2024, 7 em cada 10 magistrados brasileiros receberam retroativos. Destes, 1.657 ganharam acima de R$ 500 mil apenas desta rubrica.
A transparência do conselho também é questionada pelo estudo, que a aponta como “baixíssima” em relação ao pagamento de penduricalhos.
O Painel de Remuneração dos Magistrados do CNJ disponibiliza as informações apenas com a classificação “retroativos”, sem detalhamento complementar.
Felippe Angeli, um dos coordenadores do centro de pesquisa Justa, afirma que a resolução do CNJ “chega tarde e tem o seu valor, mas não resolve o problema dos privilégios no sistema de Justiça, tanto no Ministério Público como no Judiciário”.
“Mudamos tudo para continuar como está”, afirma.
Angeli diz que, ao perceber que existia um ambiente contrário aos penduricalhos, os tribunais “começaram a acelerar uma série de decisões de ordem administrativa [para criar penduricalhos], considerando que em breve viria alguma regulamentação”.
A resolução do CNJ definiu que, partir de agora, esse tipo de reconhecimento somente poderá ser realizado a partir do trânsito em julgado de decisão judicial em ação coletiva, ou de precedente qualificado dos tribunais superiores.
A norma foi editada pelo presidente do CNJ e do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Luís Roberto Barroso, e pelo corregedor nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell Marques, e referendada pelo plenário do órgão por unanimidade.
Em seu voto, Barroso afirmou que “juízes exercem funções da mais alta responsabilidade e, por isso, devem ser remunerados de forma condigna e constitucionalmente equiparada”, mas que “tem havido reações negativas ao pagamento de direitos e vantagens reconhecidos de forma acumulada, que não raro resultam em pagamentos vultosos”.
“Daí a necessidade de que o CNJ, no exercício do controle administrativo e financeiro dos órgãos do Poder Judiciário, reforce daqui em diante os critérios necessários para a concessão desse tipo de vantagem acumulada”.
Barroso chegou aos seus últimos meses na presidência do STF e do CNJ com um Judiciário mais privilegiado do que no momento em que assumiu os cargos, em setembro de 2023, e com transparência limitada.
Ele sairá da presidência do Supremo e do CNJ no segundo semestre deste ano e pode ficar no tribunal até 2033, ano em que se aposentaria compulsoriamente, mas já sinalizou a possibilidade de deixar a corte antes. Em seu lugar no comando da corte e do conselho assumirá o ministro Edson Fachin.
Fonte: Folha de SP