Democratização da mídia foi a principal vertente do encontro
Foi realizado nessa quinta feira (25/5), o 1º Festival da Comunicação Sindical e Popular, uma produção do Núcleo Piratininga de Comunicação, fundado pelo já falecido Vito Gianotti. O evento aconteceu no centro da cidade e a programação reuniu teatro, dança, música, aulas públicas com convidados especiais e debates sobre a importância da comunicação no cenário da conjuntura política atual do Brasil, onde apenas seis famílias monopolizam 90% da comunicação nacional, reunindo suas empresas em um verdadeiro conglomerado midiático que reflete uma única ideologia e gera pouca reflexão na população.
Para Reginaldo Moraes, 66 anos, professor de ciências políticas da UNICAMP e colaborador do NPC, era o convidado para falar sobre Globalização, Trabalho e Comunicação durante a primeira aula pública realizada no período da tarde. Ele disse que a diferença entre o serviço prestado pela mídia corporativa e a comunicação popular é que a última provoca perguntas, pensamentos e ideias genuínas, ao passo que a mídia comum lida com certezas como se estas fossem a verdade absoluta. Em conversa com jovens presentes na escadaria da Câmara Municipal, ele comentou que a comunicação sindical é importante porque ela reflete o lado do trabalhador, lado este que nunca é refletido na mídia corporativa comum. “O que precisa ficar claro é que não há imparcialidade nos grandes veículos de comunicação, o Willian Bonner do Jornal Nacional não é um jornalista, ele é um publicitário e um ótimo ator. No fundo tudo é semiótica, a notícia é construída de modo a atingir um objetivo exato na população e não causar reflexão ou um questionamento do status quo estabelecido”, explicou.
Moraes ainda lembrou Jesus Cristo, “o maior subversivo de todos os tempos”, que usava de parábolas para falar aos seus e sabia que o fazer comunicação deve ser pautado em saber ouvir e interpretar seu público, saber o que se passa em seu território na hora de plantar suas sementes e saber também como se modifica o terreno a partir das sementes plantadas. “Precisamos ocupar as praças e as ruas, é importante falar com os jovens e a população em geral como uma atividade de comunicação que se fazia antigamente, na época dos comícios relâmpagos que aconteciam antes de a polícia correr atrás da gente na década de 1970. Isso sempre foi comum, Lênin subia em caixotes de madeira para falar à população e assim se faz revoluções”, lembrou. Inclusive, disse ele, “a mídia corporativa nem mesmo nos trata como imprensa, eles nos tratam como ‘organismos de difusão ideológica’ como se apenas a nós fosse reservada a ideologia e a eles a notícia verdadeira”.
Para o jovem Douglas Heliodoro, de Rio das Pedras, que integra o Centro de Mídia Independente no Rio (CMI), o que se falou aqui jamais seria veiculado em um programa de TV normal, como muitos que se fazem por aí. “A mídia corporativa vende aos jovens uma cultura consumista e individualista, uma cultura fastfood. Mas o jovem de periferia está atento haja vista o movimento ‘rolezinho’ em shoppings de granfino em São Paulo”, disse.
Já para a mesa de debate sobre as experiências de Comunicação Sindical e Popular, mediada por Ana Lucia Vaz, jornalista e professora de comunicação na UFRRJ (Rural), as contribuições foram calorosas e refletiram o descontentamento atual generalizado com a violência policial vivida por jornalistas e manifestantes tanto no Rio como em Brasília em recente manifestação popular.
Um dos criadores da Tv Tagarela, na Rocinha, Arley Macedo, disse que é preciso criar outra forma de fazer comunicação, pois a que se aplica hoje é feita de forma jogada. “Nós temos no Brasil um monopólio midiático muito perigoso que está a serviço dos piores bandidos e mafiosos da América Latina. A mídia comum não faz comunicação para nós moradores de favelas, o que é dito para nós ali não dá mais conta do que a gente precisa e nós queremos ocupar a mídia e o espaço público midiático”, comenta.
A jornalista Kátia Marko, natural de Porto Alegre com ampla experiência no movimento sindical e popular, disse que antigamente era muito comum a imprensa escolher um lado, por exemplo como nos anos 50, mas essa prática foi sendo disfarçada com o passar dos anos. “Eu acredito muito na importância de se fazer algo que acreditamos, meu lado é o da classe trabalhadora, eu assumo o que eu defendo e sei os meus primcípios como jornalista e comunicadora que sou”, afirma.
Hoje Kátia é assessora do SindsepeRS e Andes/UFRGS. além de voluntária do MTST. Ela defende a direito de expressão, de termos nossos veículos e de contribuir para uma imprensa mais democrática, menos monopolizada. “Estamos aqui hoje em uma praça que tem uma importância histórica grande, palco de muitas lutas populares – a Cinelândia. Nossas raízes comunitárias precisam ser resgatadas, vamos sair da internet e das redes sociais, vamos para as praças e para as ruas, vamos exigir nossos direitos e que eles não sejam retirados por gente usurpadora como o atual governo federal”, bradou.
Outras convidadas também tiveram espaço de fala durante o evento. A mediadora do debate, Ana Lucia Vaz, autora do livro ‘Jornalismo na correnteza’, que analisa a experiência do jornalista, em diferentes mídias, a partir do ponto de vista das dificuldades e possibilidades técnicas de autonomia em relação ao senso comum, convidou Jane Nascimento, moradora da Vila Autódromo, que muito emocionada lamentou o acontecimento. “Nós sofremos atropelos de todas as partes, desde o prefeito Eduardo Paes que pilotou ele mesmo o trator que destruiu nossas casas, até a Igreja Católica, que foi convivente com a covardia do Estado. A prefeitura não acatou o plano popular que foi oferecido. Hoje, aquelas 20 casas que restaram estão descaracterizadas e não nos representam, pelo menos 4.120 famílias foram desalojadas com uma indenização que pouco serviu após mais de dois anos de demolições”, disse ela emocionada.
O encerramento do Encontro, que também ofereceu feira de livros e barracas com publicações sindicais, foi marcado por um animado show de samba com o grupo de mulheres É Preta que animou o público que esteve presente. A apresentação celebrou os 100 anos da greve das tecelãs na Rússia!
Vito Gianotti
Nascido em Lucca, na Itália, veio para o Brasil em 1964 e aqui construiu parte importante da sua história. Ele foi militante na Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo e criou o Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) junto com sua companheira de vida, Claudia Santiago. Nesses pouco mais de 20 anos, o NPC exerceu um papel importantíssimo no campo da comunicação contra-hegemônica, incentivando a criação de sites, jornais, boletins, TVs, rádios, blogs pelo Brasil afora. Ele faleceu no Rio de Janeiro, dia 24 de julho, aos 72 anos.
Por Aline Souza – Imprensa Sisejufe