A sessão do dia 3 de abril, do Supremo Tribunal Federal (STF), iniciou-se com a apresentação do voto-vista da ministra Cármen Lúcia, em recurso extraordinário com repercussão geral.
A ministra reconhece o direito dos servidores públicos à indenização em face da omissão do Estado em efetivar, mediante lei, revisão geral anual das remunerações.
A ministra lembrou que, desde 2001, o plenário da Suprema Corte reconheceu a demora do Poder Executivo em efetivar a revisão geral anual, mas afastou a tese da responsabilidade objetiva do Poder Público e do dever desse indenizar os servidores em razão dessa omissão de legislar.
No entanto, disse que a omissão legislativa do Estado, em desatendimento a inovadora regra da Constituição da República de 1988 (Art. 37, X), que prever a revisão geral anual dos servidores públicos, na mesma data e sem distinção de índice, gera a responsabilização do Estado, mediante o dever de indenizar, nos termos do § 6º do mesmo Art. 37.
Fez referência à jurisprudência do STF, que nesses casos tem aplicado a Súmula 339, que impede o aumento de vencimento a título de isonomia. Mas afastou a sua incidência porque se discute revisão geral anual, não aumento de remuneração. Disse que a apreciação do caso pelo Poder Judiciário se impõe em razão da cláusula constitucional da inafastabilidade da jurisdição.
O ministro Roberto Barroso, dizendo-se surpreendido com o voto da ministra Cármen Lúcia, divergiu, negando provimento ao recurso. Não vislumbrou dever especifico do Estado de corrigir anualmente a remuneração dos servidores públicos, menos ainda correspondente à inflação verificada. Disse que o inciso X do Art. 37 apenas impõe o dever do Estado de analisar a situação remuneratória dos servidores e, se for o caso, promover a revisão, mas isso não seria automático. Reconheceu que seria conveniente que assim fosse, mas não haveria norma constitucional que impusesse o dever de revisão anual da remuneração. Disse que a expressão “revisão geral anual” contida no inciso mencionado apenas impõe o dever do Executivo manifestar-se, de forma fundamentada, sobre a situação remuneratória dos servidores. Disse temer que o reajuste automático acarretaria a indexação da economia, levando o país a talvez reviver a hiperinflação.
Depois desses votos, seguiu-se debate aberto entre os ministros. O ministro Dias Toffoli lembrou que todos os contratos públicos, inclusive de serviços públicos, preveem revisão anual, o que não retroalimenta a ideia inflacionária.
O ministro Gilmar Mendes reconheceu que, por longos períodos, os servidores ficam sem reajuste, que depois são compensados com aumentos. O ministro Dias Toffoli replicou que o inciso X, na redação dada pela Emenda Constitucional 19, de 1998, foi pactuada pelo Congresso Nacional. O ministro Luiz Fux cogitou de modulação dos efeitos da inconstitucionalidade, para ajustar um índice de reposição. O ministro Marco Aurélio reafirmou seu voto. O ministro Ricardo Lewandowski lembrou ainda o princípio da irredutibilidade da remuneração, que estaria ofendido se não reajustadas, anualmente, as remunerações. O ministro Teori Zavascki pediu vista, suspendendo-se o julgamento.
Entenda o caso
Trata-se de recurso extraordinário contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, confirmou sentença e julgou improcedente pretensão de policiais militares que queriam a condenação daquele Estado ao pagamento de indenização que reponha a inflação que corroia a remuneração daqueles servidores.
Alegam os recorrentes, a violação do Art. 37, inciso X e § 6º, da Constituição da República, por entender ter incorrido, o Poder Executivo, em omissão ao não encaminhar projeto de lei anual destinado a viabilizar reajuste anual dos vencimentos dos servidores públicos estaduais.
O STF reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional, em dezembro de 2007.
Em 2011, quando iniciado o julgamento do mérito, o voto do ministro Marco Aurélio reconheceu o direito dos servidores de serem indenizados por não terem recebido revisão geral anual em seus vencimentos.
Agora, a ministra Cármen Lúcia apresentou seu voto, acompanhando o ministro Marco Aurélio, seguido do voto divergente do ministro Roberto Barroso e o pedido de vista do ministro Teori Zavascki.
Repercussão geral
Embora o recurso diga respeito a servidores do Estado de São Paulo, a decisão do STF afetará todos os servidores públicos do Brasil, especialmente os federais, que desde 2003 não têm reconhecido o direito a revisão geral anual de remuneração, em decorrência de omissão legislativa. Milhares de ações individuais e coletivas pleiteiam o mesmo direito reclamado neste processo.
O advogado Jean P. Ruzzarin (Cassel & Ruzzarin Advogados) acompanhou o julgamento.
Referência: RE 565089
Com informações de Cassel & Ruzzarin Advogados