Por Soraia Marca*
Estamos presenciando, atualmente no Brasil, a maior retirada de direitos ocorrida na história do país. Direitos conquistados à custa de muita luta. Luta travada por companheiros e companheiras que nos antecederam, luta marcada por muito suor e sangue.
Em um contexto político conturbado, marcado por um governo sem nenhum crédito, envolvido em casos de corrupção, não reconhecido nacional e internacionalmente, extremamente comprometido em cumprir a agenda neoliberal – impulsionada pela implantação do Estado mínimo, e com ares de normalidade, nos é imposto um “necessário sacrifício em favor da Nação”, amplamente amparado pela mídia -, temos visto cair sobre nossas cabeças uma chuva de deveres e obrigações, bem pouco recheadas de quase nenhum direito.
No ano em que o Brasil comemora 129 anos da existência da lei que aboliu a escravatura, não encontramos nenhum motivo para festejar. Muito ao contrário, nos deparamos com as propostas encaminhadas ao Congresso pelo governo corrupto de Temer, vemos claramente que nada mudou, já que as velhas práticas das antigas oligarquias escravocratas estão ali, sendo amplamente atendidas e defendidas. Podemos citar, apenas como exemplo, a Lei do Sexagenário, promulgada em 1885, que garantia liberdade aos escravos com mais de 60 anos de idade, qualquer semelhança com a nova idade obrigatória para se aposentar não é mera coincidência.
No que diz respeito à implementação do Estado Mínimo, fica ainda mais factível olharmos para os ataques sofridos pelas Justiças do Trabalho e Eleitoral, com a implementação de medidas que visam claramente, não apenas ao desmonte, mas, bem como, à terceirização irrestrita de atividades, ou seja, atividades que antes somente poderiam ser desenvolvidas por servidores (as) concursados, agora poderão ser exercidas por trabalhadores (as) contratados por meio de empresas, as chamadas terceirizadas.
Como dirigentes sindicais, cabe a nós, não somente acompanhar muito de perto esses ataques que vêm de todos os lados, mas, também, agir nas diversas frentes advindas desses ataques, de forma rápida, para coibir ou evitar maiores danos aos nossos direitos. A cada ataque sofrido, uma ação é desenvolvida para combatê-lo e suas eventuais consequências, que podem ser diversas também. Portanto, a união de toda a categoria é essencial, a indignação, a participação de todos é fundamental para o sucesso de tal empreitada.
Em virtude dos acontecimentos envolvendo nossos colegas servidores das Justiças do Trabalho e Eleitoral, abordarei apenas uma destas consequências: o assédio moral institucional, que está diretamente inserido no projeto de governo e que visa enfraquecer o serviço público e suas instituições, para que essas sejam sucateadas, impedindo, assim, um bom atendimento ao público e às suas demandas, possibilitando aos grandes empresários manterem suas práticas de abuso aos direitos.
O assédio moral institucional é sinônimo de assédio moral organizacional, assédio moral coletivo, gestão por stress ou straining. No Brasil o primeiro caso reconhecido foi da Ambev (Companhia Brasileira de Bebidas S.A.), no qual o Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Norte (MPT-RN) teve reconhecido o seu pedido de danos morais coletivos perante o Tribunal da 17ª Região, em 23/08/2006. Uma das principais características desse tipo de assédio é a impessoalidade, já que não possui um alvo específico.
Segundo Gosdal e Soboll no assédio moral Institucional as interações são indiretas: “há situações em que os administradores, individual ou coletivamente, executam estruturas e procedimentos organizacionais que podem atormentar, abusar ou até mesmo explorar os empregados. Portanto, bullying, nesses casos, não se refere estritamente a interações interpessoais, mas, antes, a interações indiretas entre o indivíduo e a administração.”
Nesse campo, podemos destacar o trabalho da psicóloga Hilda Alevato, acerca da chamada “síndrome loco – neurótica”, graças às suas pesquisas foi possível a identificação do grupo de trabalho, ou seja, a instituição, como ente psicológico coletivo e autônomo, capaz de praticar o assédio moral de forma institucional. O assédio moral institucional afeta a autoestima do trabalhador, atingindo, inclusive, sua dignidade como pessoa humana.
Analistas já indicam que o assédio moral institucional pode ser a mais perversa forma de assédio, ocasionando a eliminação, do mercado de trabalho, de um número imensurável de trabalhadores, que podem não mais se recuperar psicologicamente.
Nos últimos anos, nós servidores públicos do Judiciário, temos enfrentado perdas salariais, cobranças por maior produtividade, ameaças de perda de função, chefias autoritárias, ampla divulgação de inverdades sobre os servidores públicos, imputando a nós o título de marajás e vagabundos, e nesse cenário de descontentamentos e frustrações, surgem o aumento da carga horária de trabalho, conforme ocorrido no Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT1), que passou de seis para nove horas, com uma hora de almoço e, o catastrófico rezoneamento, imposto pelo ministro Gilmar Mendes à Justiça Eleitoral, com transferências compulsórias de servidores em função apenas dos interesses da administração. É natural que debaixo de tanta pressão as sequelas apareçam.
É muito claro o terror psicológico vivido por nossos colegas lotados naquelas instâncias judiciárias, assim como está claro o flagrante desrespeito, por parte das administrações daqueles órgãos, com os servidores ali lotados, já que em nenhum momento, levou-se em consideração as necessidades dos servidores e de suas famílias. Mudanças radicais, implementadas a toque de caixa que causaram instabilidade, medo e tormento, dentre outros sentimentos.
Como servidores, devemos nos solidarizar com nossos colegas e repudiar veementemente o assédio praticado por aquelas administrações e, como direção sindical, atuar de forma contundente e rigorosa, para minimizar os estragos causados pela inabilidade, dos responsáveis pela implementação das mudanças, em administrar conflitos, demonstrada através de sua atuação irresponsável, que trata servidores como coisas ou objetos, os quais podem ou não ser utilizados da forma como a administração bem desejar.
Soraia Marca é diretora do Sisejufe