As armadilhas para forçar a reforma da Previdência foram de tal modo estruturadas que até o aumento de tributos, combinado com medida de ajuste na eliminação de benefícios fiscais e de gastos tributárias, seriam insuficientes para permitir uma solução, sem a revogação da EC 95 do congelamento do gasto público.
Antônio Augusto de Queiroz*
O governo do ex-presidente Michel Temer criou 2 armadilhas para justificar a reforma da Previdência, pelo lado da despesa, mediante a redução ou eliminação de direitos. Trata-se do congelamento do gasto público, em termos reais, de um lado, e da Reforma Trabalhista, de outro.
A 1ª armadilha foi a Emenda Constitucional (EC) 95, do novo regime fiscal, que congelou o orçamento público em termos reais, expondo o aumento exponencial da despesa previdenciária frente ao orçamento congelado.
Desde a vigência da EC 95, em 2016, o orçamento foi desvinculado da receita e o montante gasto naquele ano passou a ser atualizado apenas pelo IPCA do ano anterior. Como os benefícios previdenciários são corrigidos pelo INPC, índice superior ao IPCA, constata-se que a atualização do valor gasto no ano anterior sequer é suficiente para cobrir os benefícios em manutenção, muito menos para dar conta dos novos benefícios concedidos, em número superior a meio milhão por ano.
Com essa armadilha, o governo passou a ter o argumento de que a expansão do gasto previdenciário é insustentável e que, portanto, é urgente uma reforma que adie as aposentadorias e reduza o valor dos benefícios, sob pena de comprometer todo o orçamento apenas com as despesas previdenciárias.
A 2ª armadilha, que complementa a primeira, foi a Reforma Trabalhista, que precarizou as relações de trabalho e permitiu novas formas de contratação, como a terceirização e a pejotização generalizadas, além de autorizar o trabalho intermitente, trazendo como consequência perda drástica de receitas previdenciárias.
Como sabemos, as contribuições patronais para a Previdência incidem sobre a folha de pagamento, 20% do total da folha, e se as empresas demitirem, automatizarem, contratarem empresas terceirizadas ou pejotizarem suas relações de trabalho, a receita previdenciária cai na mesma proporção da redução da contratação direta do empregado.
Trata-se, como se vê, de cerco sobre a Previdência, que vem ganhando força e se dá em duas dimensões: na dimensão da despesa, por meio do congelamento dos recursos orçamentários, e na dimensão da receita, com a substituição da contratação direta pela pejotização ou outras formas de contratação, que reduzem o montante arrecadado sobre a folha de salários.
O governo Bolsonaro, por sua vez, valendo-se dessas armadilhas, radicalizou sua proposta de reforma, também pelo lado da despesa, e foi além propondo a privatização da Previdência Pública, por intermédio da capitalização em contas individuais, semelhante ao modelo chileno.
De fato, sem a revogação das duas ou de pelo menos uma das armadilhas, especialmente a EC 95, fica quase impossível uma solução pelo lado da receita, já que o limite total de despesas (corrigido apenas pelo IPCA ano a ano) não comporta o crescimento do gasto, mesmo que a receita aumente.
Nesse cenário, eventual aumento de tributo ou a mudança da base de cálculo dos tributos poderia, no máximo, reduzir o “déficit” público como um todo, dando folga ao erário, que não precisaria aportar mais tanto dinheiro para cobrir o “déficit” ou a insuficiência de financiamento da Previdência.
O problema maior, como se vê, é realmente a EC 95, já que as perdas de receita previdenciária decorrentes da Reforma Trabalhista, poderiam ser compensadas com a mudança de fonte de custeio, passando da folha para o faturamento ou para a receita, já que as empresas continuarão faturando, com ou sem contratação direta.
Entretanto, até essa solução de mudança de fonte tem dificuldades, já que tentativa semelhante foi feita pelo governo Dilma, porém associada à desoneração. Ou seja, na transferência da folha para o faturamento, como houve desoneração, em lugar de aumentar reduziu a arrecadação. Teria que ser a troca de fonte e não a desoneração, como foi tentada.
Como as empresas sempre alegam que os encargos sobre a folha, especialmente a contribuição patronal, são um problema para a contratação de empregados, com a transferência para o faturamento ou receita, esse argumento perde o sentido e pode até estimular a contratação direta, em lugar da terceirização ou mesmo da pejotização.
As armadilhas para forçar a reforma da Previdência foram de tal modo estruturadas que até o aumento de tributos, combinado com medida de ajuste na eliminação de benefícios fiscais e de gastos tributárias, seriam insuficientes para permitir uma solução, sem a revogação da EC 95 do congelamento do gasto público.
Está evidente, desde o governo Michel Temer e agora aprofundado na gestão Bolsonaro, que o foco governamental é exclusivamente fiscal e a visão é de que só será equacionada a questão previdenciária com a redução ou eliminação da proteção social do Estado e com a privatização dos ativos e dos setores rentáveis do Estado, como a Previdência Pública. Essa é a lógica que preside a orientação econômica do atual governo, que é uma continuidade do governo anterior.
Como se vê, embora existam alternativas à supressão ou retirada de direitos da Seguridade Social, não há vontade política nem flexibilidade ideológica para tal solução, mantendo-se o governo orientado pelo fundamentalismo do mercado financeiro. A opção, como se nota, é sempre a visão fiscal de reduzir a proteção social do Estado e a defesa da privatização dos setores rentáveis do Estado, como a previdência.
(*) Jornalista, analista e consultor político, diretor de Documentação licenciado do Diap e sócio das empresas Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais e Diálogo Institucional e Análise de Políticas Públicas.