*Por Flávio da Rocha Prevot
Existem várias razões que levam pessoas e entidades a reconhecerem a necessidade de mudança em determinado momento histórico. Isso pode incluir eventos significativos como crises econômicas, mudanças políticas, avanços tecnológicos, pressões sociais ou, simplesmente, uma evolução natural das circunstâncias e das necessidades humanas.
Entretanto, as mudanças não ocorrem sem percalços. Uma das principais ameaças para que as boas mudanças ocorram em qualquer meio social é a presença do espírito reacionário. Ele representa a resistência à mudança e à progressão social. Espíritos reacionários tendem a defender valores e sistemas engessados, muitas vezes impedindo a evolução e a adaptação necessárias para lidar com os desafios contemporâneos. Isso pode resultar em injustiças, estagnação, falta de inclusão social e uma série de outros prejuízos.
No serviço público, um espírito reacionário pode levar a uma resistência à inovação, dificuldades na implementação de políticas que aperfeiçoem paradigmas obsoletos, na adoção de novas práticas eficientes, decorrentes de reestruturações de carreira. Elementos negativos que geram burocracia excessiva, falta de eficiência na prestação de serviços, resistência à mudança necessária para melhorar o atendimento ao público, uma cultura organizacional petrificada e desestimulante para a grande maioria dos trabalhadores.
Estamos dentro de um micro universo de servidores públicos do Poder Judiciário e do Ministério Público da União, mas a reflexão sobre a existência desse espírito é mais do que necessária em tempos de discussões de carreira. Voltemos, só por um instante, a ampliar os horizontes e pensemos nas transformações pelas quais a humanidade passou. Imaginem a humanidade, hoje, se o espírito reacionário impedisse as mudanças que permitiram a abolição da escravidão, o sufrágio feminino, a igualdade de direitos para minorias? E se tais mentalidades resistissem (e impedissem) ao avanço da medicina, ciência e tecnologia, negando a vacinação, a erradicação de doenças e o progresso humano em geral?
É preciso ter coragem para enfrentar as forças que impedem que as transformações necessárias ocorram. E voltando ao nosso ambiente sindical, a Fenajufe foi e muitos outros coletivos sindicais de servidores também. Eles conseguiram entender bem o momento pelo qual estamos passando e se colocaram como faróis para clarearem quais demandas vinham das discussões sobre carreira. Postura atenta, democrática e de espírito livre, indispensável para capturar a vontade da categoria.
Nesse sentido, abordo a “vontade geral”, conceito central na filosofia política de Jean-Jacques Rousseau, que ensina que, num ambiente social justo, as leis devem ser baseadas numa espécie de vontade que representa o interesse comum de todos os cidadãos, em oposição à vontade de qualquer grupo específico ou indivíduo. Segundo Rousseau, a vontade geral não é a simples soma das vontades individuais, mas sim a expressão do que é melhor para a comunidade como um todo, garantindo a igualdade e a liberdade de todos os membros da sociedade.
No nosso caso, dentro de um sindicato, a aplicação da vontade geral de Rousseau implicaria tomar decisões que beneficiassem todos os membros da categoria, levando em consideração o bem-estar coletivo e os interesses comuns da classe trabalhadora do serviço público. Isso incluiria a defesa de condições de trabalho justas, salários dignos, benefícios adequados e políticas que promovam a qualidade dos serviços públicos prestados à comunidade.
Bem, baseado no que foi exposto acima, levando em consideração as instâncias de deliberação dos sindicatos, eu pergunto:
1) A Plenária de Belém aprovou um anteprojeto que manteve direitos de todos?
2) O anteprojeto aprovado propôs valorização da experiência dos que chegam ao fim da carreira e permanecem, agregando valor ao trabalho?
3) O anteprojeto incentiva a qualificação de todos os servidores para que sejam capazes de enfrentar desafios, buscando melhorar a prestação de serviço à população?
4) O anteprojeto contempla a manutenção dos 13 padrões pleiteada, principalmente, por aposentados?
5) O anteprojeto da Fenajufe defende o pleito dos Analistas ao propor remuneração similar ao Ciclo de Gestão, reforçando que esse cargo deve continuar a ser o cargo de nível superior, entre os servidores, mais bem remunerado do PJU e MPU?
6) O anteprojeto da Fenajufe propôs a readequação da malha salarial, observando a realidade laboral, as transformações legais e o retorno da superposição de tabelas no modal 100-85?
A resposta para todas as perguntas é SIM! Percebe-se, portanto, que houve convergência nas questões centrais dos servidores! Não houve prevalência de uns sobre outros, mas um olhar atento da Federação para captar a vontade geral da categoria e materializá-la no anteprojeto. Uma aprovação unânime que promoveu o melhor resultado para todos os atores envolvidos: sociedade, administração e servidores (de todos os cargos e especialidades).
Não se pode negar que as vontades de setores da categoria não prevaleceram sobre outros em alguns momentos históricos de nossas lutas. Embora esses interesses mais setoriais se concentrem em demandas específicas ou em interesses particulares de determinados grupos de servidores, essas demandas são legítimas.
A aplicação da vontade geral de Rousseau, no entanto, exige que as decisões do sindicato sejam tomadas com base no interesse comum de todos os membros, buscando equilibrar as necessidades individuais com o bem-estar coletivo da categoria e da sociedade como um todo. E isso, com respeito à discordância, aconteceu como nunca antes na história da nossa categoria a partir da aprovação do anteprojeto. Está claro!
A vontade geral manifestada em Belém, portanto, foi o resultado da deliberação e reflexão dos servidores como um todo, visando o bem comum e a justiça para todos os elementos envolvidos num plano de carreira de servidores públicos. A vontade geral é vista como um princípio que transcende os interesses individuais ou de grupos particulares.
Rousseau, todavia, sabia que os reacionários poderiam atrapalhar a realização da vontade geral. Para o pensador, a verdadeira vontade do povo é o resultado da deliberação pública e da busca pelo bem comum. Reacionários, ao resistirem ou tentarem reverter mudanças progressistas e democráticas, podem impedir a realização dessa vontade geral. Sabemos bem disso! Eles não desistem nunca!
Felizmente, Analistas e Técnicos Judiciários de todas as matizes estiveram presentes na Plenária de Belém e construíram um anteprojeto que poderá significar um ponto de inflexão na história da carreira. Mais do que uma luta por um plano de carreira moderno, justo, sólido e robusto, com servidores motivados e em constante movimento de aperfeiçoamento para bem servir ao público, estamos presenciando o embate entre forças antagônicas.
O espírito reacionário sobrevive mais por pautas negativas, regadas à hostilidade, sectarismo, pois abomina o movimento de transformação, de modernização, de evolução que propõe um quadro de servidores mais preparado e motivado para cumprir com suas responsabilidades.
O espírito reacionário é elitista e surdo aos ecos da renovação, também é cego porque é incapaz de enxergar a luz que desvela novos tempos, mas é tagarela, sombrio e obstinado pela manutenção do status quo que garante a manutenção da injustiça.
O anteprojeto aprovado em Belém é uma afronta aos reacionários! Não há sinal maior de que o anteprojeto está do lado certo da história.
Por fim, cabe lembrar que muitas batalhas virão, a união em torno do espírito transformador e vanguardista que construiu o anteprojeto é mais forte do que o espírito reacionário, pois esse último é desagregador e preconceituoso, mas sobretudo, é ilegítimo! Ilegítimo!
*Flávio da Rocha Prevot é técnico judiciário da Justiça Federal do Rio de Janeiro