*Mauro Figueiredo
O que o pleito do nível superior para os técnicos judiciários do PJU tem a ver com o princípio da eficiência? Qual a importância do dito princípio para a Administração Pública e o particular? Nas linhas que seguem pretendo responder a esses questionamentos.
Antes, porém, de adentrar o mérito da questão aqui tratada, peço vênia ao leitor para uma breve digressão. Por favor, acompanhe meu raciocínio e, tire, na sequência, suas próprias conclusões:
Hoje, expressões como “súditos da administração” “administrados” não têm mais lugar quando se fala das relações entre a Administração Pública e o particular. Uma nova geração de importantes doutrinadores da seara do Direito Administrativo operou uma verdadeira revolução, lançando novos paradigmas.
O Direito Administrativo brasileiro foi pensado e forjado basicamente por homens ligados ao Estado. Não podemos nos esquecer das influências que as ditaduras do Estado Novo e militar pós 1964 tiveram no processo de construção dos dogmas do direito administrativo brasileiro do século XX.
Há que se mencionar, também, que o direito administrativo brasileiro, em seus primórdios, bebeu das fontes do direito administrativo francês, com seu Conselho de Estado, e suas normas que iam além do direito civil, convertendo-se em um direito especial da administração pública, longe do controle do poder judiciário. No caso da França, obviamente, houve razões que explicam tal tendência, e que remontam à Revolução Francesa. Havia um certo temor de que os magistrados, de origem burguesa, interviessem no mérito das decisões administrativas. Muitos pensadores do direito detectam mais traços do Antigo Regime do que do liberalismo político nesse contexto.
O leitor deve estar se questionando acerca do motivo pelo qual faço tamanha digressão para tratar do pleito do nível superior para os técnicos judiciários. Bem, aguentem firme que vou chegar lá.
Em uma série de audiências e reuniões com autoridades do PJU para tratar do nível superior para os técnicos judiciários, representantes dos sindicatos e da Fenajufe foram desafiados a buscar uma justificação que viesse ao encontro dos “interesses da Administração”.
No afã de lutar pelo justo pleito, por vezes, não se questiona a falta de submissão da burocracia estatal à lei. Sim, a burocracia estatal deve estar submetida ao império da lei. Aliás, é esse um dos principais traços que caracterizam a autonomia do Direito Administrativo, certo?
Nesse tocante, cabe repisar que a vontade e os interesses da Administração são produzidas pelas leis aprovadas pelo Poder Legislativo, pelos representantes do povo. Caberia, então, falarmos em “interesse da Administração”?
Como o direito administrativo brasileiro foi, em grande parte, forjado no âmbito do Poder Executivo, há, no Brasil, uma noção generalizada de que o princípio da legalidade seria a expressão de uma espécie de auto-vinculação do Executivo às suas próprias normas, e não às normas externas criadas pelo Poder Legislativo, este, sim, representante da vontade do povo.
Resumindo, o que temos é que todas as autoridades, sem exceção, devem se submeter à vontade do povo, às leis produzidas pelo Poder Legislativo e, fundamentalmente, à Constituição.
Não há, assim, que se falar em “interesse da Administração”. Os interesses que a Administração deve proteger são os interesses do cidadão, legítimo detentor do poder.
Pode ser que o leitor, neste ponto, esteja a pensar: “bem, quando se menciona o “interesse da Administração”, fala-se, na verdade, do “interesse público”.
Bem, se o leitor vem acompanhando o raciocínio desenvolvido até aqui, uma pergunta: o que é interesse público?
Eros Roberto Grau, em brilhante obra intitulada “O Direito Posto e o Direito Pressuposto”, argumenta que “interesse público” é termo de “conceito indeterminado” (vale dizer, trata-se de mera noção). Logo, interesse público deve, em cada caso, ser interpretado.” Conclui-se que o conceito de “interesse público” deve vir vinculado aos ditames e princípios da Constituição, que, por sua vez, expressa a vontade do povo.
Agora, acredito que posso retomar o mérito deste artigo: não existe “interesse da administração” legítimo que não esteja vinculado à Constituição. Portanto, o administrador, ao aferir a legitimidade do pleito em prol do nível superior para os técnicos judiciários, deve fazê-lo à luz da Constituição. Não se trata de um poder discricionário. Qualquer agente público ou político, independentemente do poder ao qual esteja vinculado, seja Legislativo, Executivo ou Judiciário, como se dá no caso presente, deve obediência à Constituição. Cabe, neste ponto, lembrar que a Constituição rompeu com a tradição autoritária do direito administrativo brasileiro.
Repise-se: o pleito em prol do nível superior para os técnicos judiciários deve ser analisado à luz da nossa Carta Magna.
Um dos princípios constitucionais que deve ser lembrado no que tange à mudança de requisito para ingresso no cargo de técnico judiciário da União é o da eficiência.
Como sabemos, tal princípio não surgiu despropositadamente, mas conquistou guarida na Constituição para se contrapor a uma Administração Pública que se caracterizava pelo descaso para com o particular, burocracia excessiva, procrastinação e ineficiência.
Foi sob tal pano de fundo que a Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 37, caput, com a redação dada pela E.C. n.º 19/1998, elencou os princípios que devem nortear e vincular a Administração Pública, quais sejam, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
No tocante ao princípio da eficiência, foco do presente artigo, cumpre lembrar que não se trata unicamente de um direito do cidadão, mas dever daqueles que presentam e representam o Estado.
Os princípios constitucionais – inclusive, o princípio da eficiência – conferem coesão ao sistema jurídico e condicionam a existência e validade das normas infraconstitucionais a uma perfeita sintonia com seus fundamentos irradiantes. Logo, todas as normas existentes no mundo jurídico devem ser compreendidas à luz desses princípios.
É inegável que a mudança do requisito de ingresso no cargo de técnico judiciário está em consonância com o princípio da eficiência. Convém citar Paulo Modesto (2006), que preleciona:
O Estado democrático de direito é executor e fomentador da prestação de serviços coletivos essenciais. É o Estado social que não pode descuidar de agir com eficiência, justificando os recursos que extrai da sociedade com resultados socialmente relevantes.
De fato, forçoso é reconhecer que o ingresso de servidores detentores de diplomas de nível superior na força de trabalho do PJU trará impactos positivos na qualidade da prestação jurisdicional.
Em relação ao tópico, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2002) ressalta que o princípio da eficiência
Apresenta dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação de agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público.
Para Alexandre de Moraes (1999, p. 30), atualmente integrante da Corte Suprema, o princípio da eficiência
impõe à Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar-se desperdícios e garantir-se uma maior rentabilidade social. Nota-se que não se trata de consagração da tecnocracia, muito pelo contrário, o princípio da eficiência dirige-se para a razão e fim maior do Estado, a prestação de serviços essenciais à população, visando a adoção de todos os meios legais e morais possíveis para a satisfação do bem comum.
No caso específico do PJU, cumpre repisar que a eficiência na prestação jurisdicional não é escolha, masdever, vez que tal princípio tem guarida na Constituição.
Não basta realizar avaliações periódicas do desempenho dos servidores ou apurar e punir, por meio de processos administrativos, a ineficiência que, muitas vezes, decorre de velhas práticas, como nepotismo e compadrio. É necessário adotar critérios estruturantes que sejam capazes de irradiar eficiência por toda a Administração Pública. Isso envolve políticas de aperfeiçoamento dos serviços, qualificação dos servidores de carreira e, nesse tocante, mudança do requisito de acesso ao cargo de técnico judiciário.
Em outro artigo (https://www.academia.edu/s/426e8fc320/uma-justica-efetiva-e-que-nao-tarde), abordo o problema da morosidade da prestação jurisdicional que, ao cabo e ao final, afeta a própria eficácia de suas decisões.
Ademais, a mudança do requisito de acesso ao cargo de técnico judiciário está em consonância com a Resolução n.º 313/2014 do CNJ, que traz, como anexo, um Mapa Estratégico da Justiça Federal para o quinquênio 2015-2020. O Mapa estabelece, como missão, “garantir à sociedade uma prestação jurisdicional acessível, rápida e efetiva”, e, como um de seus valores “respeito à cidadania e ao ser humano”. Como cenário desejado para os próximos cinco anos, indica, entre outros aspectos, uma “justiça mais acessível”, “desjudicialização” e “disseminação da Justiça Eletrônica”.
Parece óbvio que o nível superior para o técnico judiciário encontra-se em consonância com o cenário da disseminação da Justiça Eletrônica preconizado pelo Conselho Nacional de Justiça. Para lidar com essas novas formas de trabalho, o servidor ingressante nos quadros da Justiça deve ter formação e qualificação adequadas. O cenário desenhado pelo Mapa Estratégico da Justiça Federal para o quinquênio 2015-2020 não justifica mais a mera exigência de certificado de conclusão do Ensino Médio para os postulantes ao cargo de técnico judiciário.
De fato, o Mapa Estratégico da Justiça Federal reflete o princípio da eficiência que, hoje, alçado à categoria de princípio constitucional, constitui direito subjetivo do cidadão. Em verdade, quem seria capaz de negar que o princípio da eficiência é um dos principais instrumentos à disposição do cidadão no combate à má administração?
Em um país com uma das mais elevadas cargas tributárias do mundo, o cidadão tem o direito de exigir da Administração Pública qualidade na prestação jurisdicional. Ao exigir formação superior dos novos postulantes ao cargo, a Administração Pública economiza tempo e recursos com treinamento e capacitação.
De todo o exposto, depreende-se, então, que não cabe a nós, ocupantes do cargo de técnico judiciário, provar à alta Administração do PJU a conveniência e oportunidade da mudança do requisito de acesso ao cargo. Em verdade, trata-se de uma exigência dos novos tempos e da própria Constituição, porta-voz da vontade suprema do povo brasileiro.
Conclui-se, assim, que o acolhimento do pleito do nível superior para o técnico judiciário não é questão de conveniência ou oportunidade da Alta Administração do PJU, mas dever constitucional.
NS JÁ!