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Sindicato dos Servidores das Justiças Federais no estado do Rio de Janeiro - Telefone: (21) 2215-2443

À Campanha pela libertação dos presos políticos. Ao povo brasileiro

Igor Mendes

 

 

 

 

 

 

Da Penitenciária Bandeira Stampa – Bangu Nove

Resistir é preciso!

Quando esta carta chegar às suas mãos já terei completado 70 dias de prisão no complexo Penitenciário de Gericinó. O processo que resultou na minha prisão tem um claro cunho ideológico-político e fere, na verdade, centralmente, o direito de livre expressão e manifestação em tese assegurada ao nosso povo.

Sou acusado de compor uma “quadrilha” cujas supostas ações criminosas não ocorreram jamais. Durante as audiência foi perguntado, insistentemente, por nossa defesa, brilhantemente conduzida pelo Dr. (e companheiro) Marino D’Icarahy: qual ato criminoso, afinal, essa “quadrilha” praticou? Qual incêndio? Qual dano? Qual atentado? O “crime” que cometemos, na verdade, foi o de criar uma frente política combativa, antieleitoral, a Frente Independente Popular (FIP), que manteve sempre erguida a bandeira do protesto popular, mesmo no período de intensa repressão durante a Copa da Fifa. Nosso “crime”, como inclusive conta dos autos, foi a disposição em “desestabilizar” os diferentes governos. Claro, o nosso povo não tem nenhuma razão para protestar e se o faz só pode ser pela ação de insidiosos elementos infiltrados… Essa lógica é tão tacanha quanto mentirosa.

Se as grandes manifestações populares terminaram, todas, nos quatro cantos do país, em confrontos com as forças policiais, isso apenas ocorreu porque a única resposta prontamente adotada pelo Estado brasileiro foi a intensificação da repressão. A polícia do Rio chegou ao ponto de disparar tiros de fuzil afim de dispersar a multidão, no dia 17/6/2013, quando mais de cem mil pessoas marchavam ao redor da Assembleia Legislativa. Na final da Copa do Mundo, um dia após termos nossa prisão decretada por supostamente prepararmos atos de “extrema violência”, o que se viu foi a extrema violência da Polícia Militar cercando a praça pública e sitiando milhares de pessoas num anel de bombas e ferro, chocando a opinião pública do mundo inteiro.

O que se criminaliza no nosso processo não são fatos, e sim as posições políticas sustentadas pela FIP e organizações que a compõem, principalmente o Movimento Estudantil Popular Revolucionário (MEPR) e a Organização anarquista Terra e Liberdade (OATL). O conceito de “inimigo do Estado”, um dos cernes da famigerada doutrina de segurança nacional dos regimes militares latino-americanos, parece ter sido assim perigosamente resuscitado. Chegado a este ponto para classificar militantes como terroristas não falta mais que um passo. Daí toda importância que a batalha em torno do nosso processo encerra.

Com todo repressão as manifestações seguem e seguirão, porque têm raízes mais profundas. A crise econômica e política está aí e se reflete na tragédia social que assistimos diariamente. O gigante do consumo revelou ter pés de barro; a tal sexta economia do mundo está às voltas com a falta de água e luz para sua população. Não há saneamento básico na maior parte do país e os trabalhadores sofrem com os péssimos serviços públicos, como saúde e transporte. A mesma Dilma que mentiu para o mundo ao declarar, na assembleia geral da ONU, que seu governo não reprimia os protestos, mentiu para os brasileiros durante a campanha eleitoral dizendo que não haveria pacotão de impostos e cortes de direitos trabalhistas.

Nesse contexto de crise não podemos subestimar o crescimento do fascismo e é dever de todos os autênticos democratas e pessoas honestas aumentarem a vigilância antes que seja tarde. A história puniu sempre severamente os que transigiram com o arbítrio. Não deixa de ser sintomático que um alto oficial da PM, comandante da tropa diretamente encarregado da repressão aos protestos, tenha-se declarado nazista. a ação da polícia de Pezão e Beltrame nas favelas e bairros pobres do Rio de Janeiro, aliás, acumulando milhares de execuções sumárias nos últimos anos, guarda não poucas semelhanças com a “solução final” de Hitler.

Em decorrência desse processo espúrio contra nós movido tivemos na prática os direitos políticos cassados, ao sermos impedidos de participar de manifestações e debates públicos. Sim, fomos também impedidos de expor nossas ideias uma vez que outra restrição imposta, qual seja, a de não nos ausentarmos da comarca sem autorização judicial, foi amplamente utilizada para vetar nossa participação em eventos acadêmicos e políticos, a maior parte deles a convite de universidades públicas e entidades idôneas, com passagens de ida e volta devidamente compradas.

Essas medidas cautelares ferem seriamente o princípio de presunção de inocência e configuram uma punição antecipada, além de escancarar o caráter político desse processo. Creio que todos nós, eu inclusive, devemos fazer uma autocrítica por não termos denunciado com a devida energia essas medidas de exceção. Aceitamos com certa passividade que uma espada fosse mantida sobre as nossas cabeças e, no momento oportuno, não por coincidência somente após as eleições novas prisões arbitrárias foram decretadas.

Curioso é que, em nome de uma suposta rigorosa defesa da ordem e das instituições, fui enviado no dia 3/12/2014 para o lugar onde os preceitos do Estado de Direito são mais ampla, ostensiva e sistematicamente violados: o sistema penitenciário. Aqui o tratamento cruel, desumano e degradante dispensado aos presos é a mais absoluta regra e, ainda que em pouco tempo, já vi e vivi todo tipo de arbitrariedade. É triste que a mesma energia e celeridade demonstradas pelo poder judiciário quando se trata de prender não se verifique quando se trata de fiscalizar e coibir a sucessão de violações que ocorrem aqui dentro.

Companheiros (as): sigo, como sempre, firme e convicto quanto à justeza da nossa causa. Somos os presos políticos das históricas jornadas de junho e temos que nos portar a altura da juventude combatente e dos trabalhadores da cidade e do campo que elevam cada vez mais rapidamente sua consciência política e seu nível de organização. Enganam-se os que pensam que poderão, com prisões e perseguições, sufocar nossa luta. Os povos, ao longo da história e em todos os países, sempre lutaram e o povo brasileiro levantar-se-á em ondas cada vez maiores para cobrar o que é seu por direito. Trata-se de uma necessidade história, irreversível, independente da vontade de quem quer que seja.

Não é fácil dormir e acordar sob a guarda do inimigo de classe, mas a presença e o trabalho de vocês ultrapassam os muros e as grades, e nunca me sinto sozinho. Encontrei sempre nos demais presos solidariedade, interesse e bastante respeito pela nossa luta. Em não poucos encontrei mesmo admiração. Eles me pediram que, saindo daqui, use a força do nosso movimento para contar à sociedade as agruras do cárcere. Pretendo cumprir a promessa que lhes fiz.

Novamente muito obrigado a todos. Aos companheiros democratas e revolucionários de outros países, que têm manifestado sua solidariedade com mobilização de nosso povo, calorosas e fraternas saudações internacionalistas!

Mantenhamos erguidos com vigor as nossas cabeças e as nossas bandeiras, bem como nossos punhos cerrados, símbolo sagrado e universal de resistência. Caio Silva, Fabio Raposo e eu estamos separados dentro da penitenciária, mas eles também estão firmes e buscamos apoiar uns aos outros dentro das possibilidades.

Não há o que temer! Por mais difícil e prolongada que seja a luta, o povo está condenado à vitória. Sigamos em frente, sem concessões e sem conciliações quanto aos nossos princípios.

Rebelar-se é Justo!

Lutar não é crime!

Fascistas não passarão!

Igor Mendes

Publicada originalmente no jornal “A nova Democracia” (http://www.anovademocracia.com.br/)

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