Rever estrutura do funcionalismo é tão urgente quanto a Previdência, diz ministro do Planejamento
O governo Michel Temer deverá deixar para o próximo presidente da República uma proposta de reforma administrativa, com redução das 300 carreiras existentes. O plano vai prever maior mobilidade de servidores entre os órgãos, alongamento da ascensão remuneratória, redução de salários iniciais e novos incentivos para o bom funcionário público.
As mudanças poderão ser encaminhadas ainda neste ano ao Congresso Nacional na transição de governo.
Em entrevista à Folha, o ministro do Planejamento, Esteves Colnago, afirmou que a reforma administrativa é tão necessária quanto à da Previdência e a revisão de programas sociais para garantir o cumprimento do teto de gastos.
Segundo ele, a situação da máquina administrativa hoje “não está gerenciável”. “Agora isso é briga de cachorro grande, mais difícil do que a reforma da Previdência.”
Há dois meses no cargo, Colnago disse que o repique na inflação provocado pela paralisação dos caminhoneiros ajudará o próximo governo a cumprir o teto no primeiro ano, abrindo folga fiscal de R$ 12 bilhões a R$ 15 bilhões.
Ele sugerirá ao Palácio do Planalto uma nova tentativa para postergar o reajuste do funcionalismo em 2019. Neste ano, a medida foi barrada pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Ricardo Lewandowski.
Com a paralisação dos caminhoneiros, houve repique na inflação. Isso ajuda o próximo presidente a cumprir o teto de gastos?
Parece que virá um repique inflacionário que a gente projeta em 0,8%, 0,9%. Não coloca em risco a meta [de inflação] e afeta diretamente a regra do teto de gastos [que trava o crescimento das despesas à inflação do ano anterior].
Esse repique pode dar algo entre R$ 12 bilhões e R$ 15 bilhões de folga para o próximo presidente alocar despesas.
Além disso, estamos sendo muito conservadores na construção da LDO [Lei de Diretrizes Orçamentárias] e da LOA [Lei Orçamentária Anual].
Estimamos receitas sem contar com a cessão onerosa [megaleilão de excedentes do pré-sal] e a [privatização da] Eletrobras. E fomos realistas nas despesas, será um custeio apertado, com gastos talvez menores do que neste ano.
Mas, além desse repique estatístico da inflação, a aprovação da reoneração da folha das empresas abre espaço para despesas. Devo propor ao presidente a postergação do aumento dos [salários] dos servidores em 2019. Há plena possibilidade de o próximo presidente cumprir o teto.
O que o governo Temer prometeu para os caminhoneiros?
Desconto de R$ 0,46 centavos no preços do diesel (valor corresponde à soma dos valores do PIS/Cofins e da Cide) Zanone Fraissat/Folhapress
Há muitas críticas, incluindo de presidenciáveis, ao teto.
Falam que o teto é ruim, que é insustentável. É difícil de cumprir? É. Mas é hoje a medida estrutural que dá credibilidade às contas públicas.
A gente está mal-acostumado a resolver nossas obrigações aumentando tributos.
O teto dos gastos mostra que não adianta mais aumentar tributo porque isso não ajuda no cumprimento dessa meta. E já temos uma carga tributária elevadíssima.
O teto dá credibilidade, assim como a crença de que serão aprovadas medidas estruturais para garantir a sustentabilidade fiscal: a reforma da Previdência, uma reforma administrativa, intensificar a verificação dos programas sociais.
Podemos fazer até neste governo, mas vai depender de quem será o próximo presidente, a composição com o governo atual. A gente pode trabalhar com o novo presidente, de forma que tenha menos obrigações de imediato de fazer um conjunto grande de reformas.
A reforma da Previdência virou a tábua de salvação?
No ano que vem, o presidente sobrevive com o teto e sem reforma da Previdência. Se a reforma passar como tínhamos proposto, seriam R$ 6 bilhões de economia no primeiro ano e mais R$ 18 bilhões no segundo.
A reforma não diminui as despesas, mas a velocidade do crescimento das despesas. Mas, atrelado a isso, seria preciso atacar nosso segundo maior gasto fazendo uma reforma administrativa.
O atual governo deixará uma proposta de reforma administrativa?
A gente deve deixar para o governo de transição uma proposta. Poderá ser encaminhada dependendo do ambiente com o novo presidente eleito.
Quais os eixos da mudança?
Temos mais de 300 carreiras e cada uma delas tem uma especificidade, planos de cargos próprios.
Às vezes, tenho excesso de gente em um local e falta em outro. Não consigo remanejar porque uma carreira não trabalha com o assunto exigido em outro ministério.
Alguns salários iniciais são muito destoantes dos salários da iniciativa privada. É importante ter um pouco mais de alinhamento.
As pessoas chegam ao topo da carreira muito rápido, com dez anos. E chegam independentemente de seu desempenho. Não dá para todo o mundo chegar ao final [em tão pouco tempo]. Precisa de uma coisa que diga que um é melhor do que outro [para as promoções]. Mas acaba sendo uma discussão passional.
É difícil, mas [essa discussão] tem de ser feita porque hoje não está gerenciável.
Qual a solução? Vão criar metas no serviço público?
Eficiência. Temos uma secretaria estudando como fazer, porque depende do trabalho que [o servidor] faz. Não pode ser meta como aplicar multas.
Temos de buscar melhorar a produtividade, sem recorrer às coisas que são mais fáceis de medir ou de o servidor cumprir [como aplicar multas]. Não temos como dar prêmios financeiros. Mas há várias formas de premiar.
Em linhas gerais, a proposta é: menos carreiras, mais mobilidade, privilegiar quem é um bom servidor e alongar a remuneração inicial e final.
Isso é briga de cachorro grande, mais difícil do que a [reforma da] Previdência.
Se não forem feitas as reformas da Previdência e administrativa, a máquina vai parar? Vamos dizer que eu não faça nada. Em 2021, terei de começar a parar alguns órgãos porque não dará para custeá-los. A estimativa é que 98% do Orçamento primário seja gasto com despesas obrigatórias.
Acha que o próximo presidente terá de rever a regra de ouro?
Sim. A regra de ouro [que impede empréstimos para pagar despesas de custeio] como é posta hoje pouco ajuda. Tentamos fazer essa revisão no começo do ano, mas acabou vindo a intervenção no Rio e não conseguimos prosseguir.
Hoje, ela é uma regra punitiva. Se descumpriu, é crime.
Agora, quais são as medidas que automaticamente são acionadas para que naturalmente eu volte a cumprir? Não tem nenhuma.
Além disso, só se verificaria o descumprimento no ano seguinte. Se descumpri, serei punido por isso.
O que estamos criando na LDO e na LOA é a possibilidade de, já no início de 2019, o próximo presidente encaminhar ao Congresso uma autorização específica para emissão de dívida para pagar uma despesa específica. Isso é ruim, porque cria uma incerteza: e se ela não for aprovada?
Ele vai estar nas mãos do Congresso.
Vai, no primeiro ano.
Essa solução prevista na LDO enseja uma discussão que pode parar no Supremo?
Como [a regra de ouro] nunca foi testada, não tem caminho consolidado. Entendemos que, de acordo com a Constituição, tem de mandar um pedido de autorização [para tomar crédito] ao Congresso.
Conversamos com o TCU [Tribunal de Contas da União], com os consultores do Congresso. Não houve unanimidade, mas foi transparente.
Estamos falando de [necessidade de créditos de] R$ 260 bilhões em 2019, mas esse valor pode alterar porque haverá os recursos da cessão onerosa.
Bancos já estimam um crescimento da economia até abaixo de 2%. Vocês vão revisar o PIB?
Sim, mas está cedo. Até julho teremos um conjunto mais forte de indicadores.
O que deu errado?
Quando se sai de uma recessão, você sobe a ladeira aos poucos. A liberação dos recursos do FGTSgerou uma antecipação do crescimento. A gente chegou ao fim de 2017 dizendo: “Engrenou”. O primeiro trimestre [deste ano] decepcionou.
Houve erro na avaliação para 2018?
Um excesso de otimismo, mas não só no governo.
Fonte: Por Julianna Sofia e Julio Wiziack da Folha de São Paulo