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A ilusão do “Estado mais leve”: o que está por trás da Reforma Administrativa proposta

“Empresas privadas visam lucro; o Estado visa garantir direitos. Tentar aplicar a lógica empresarial ao serviço público é, muitas vezes, ignorar a complexidade e a função social das políticas públicas, especialmente aquelas que atendem à população mais vulnerável”, afirma o assessor Alexandre Marques.

Por Alexandre Marques*

Na recente declaração do deputado Hugo Motta (Republicanos–PB), publicada no site da Câmara dos Deputados, um velho discurso reaparece com roupagem renovada: a promessa de um “Estado mais leve, mais barato e com serviços melhores”. É nesse pacote verbal, aparentemente inofensivo, que se embala uma proposta de reforma administrativa que precisa ser analisada com cautela, sob risco de repetir erros históricos com consequências graves para os direitos sociais no Brasil.

O argumento de que o setor público deve adotar práticas do setor privado para ser mais eficiente parece simples, e por isso mesmo, perigoso.

Empresas privadas visam lucro; o Estado visa garantir direitos. Tentar aplicar a lógica empresarial ao serviço público é, muitas vezes, ignorar a complexidade e a função social das políticas públicas, especialmente aquelas que atendem à população mais vulnerável.

O resultado pode ser uma administração mais “barata” sim — mas também menos humana, menos acessível e menos democrática.

Outro ponto recorrente no discurso de Motta é a defesa da “meritocracia” como solução para os problemas do serviço público. O conceito, no entanto, é vago e frequentemente mal utilizado. Sem critérios claros, transparentes e protegidos de interesses políticos, a meritocracia corre o risco de se tornar um instrumento de punição, e não de valorização dos bons profissionais. Em vez de premiar o mérito, pode reforçar desigualdades e alimentar perseguições dentro do funcionalismo.

Chama atenção também a forma como se trata o Benefício de Prestação Continuada (BPC). O deputado alega que o programa cresce demais e custa caro. Ora, o BPC atende idosos e pessoas com deficiência em situação de extrema pobreza. Rediscutir sua abrangência com base apenas em números fiscais, sem considerar o impacto social, revela uma visão tecnocrática, insensível e excludente. Em vez de ampliar a proteção social, a reforma pode significar seu esvaziamento.

A proposta de fusão dos pisos constitucionais de saúde e educação nos municípios segue a mesma lógica. Flexibilizar os percentuais mínimos de investimento pode facilitar cortes e comprometer dois setores fundamentais. Embora se fale em “travas” para evitar prejuízos, a verdade é que o risco de perdas é real — e sempre recai sobre quem mais precisa dos serviços públicos.

Diante disso, a reforma anunciada não pode ser vista como mera modernização. Trata-se de uma mudança estrutural, com implicações profundas na vida de milhões de brasileiros. E reformas com esse alcance exigem debate público sério, transparente e plural. O que se vê, até o momento, é uma proposta genérica, com pouca escuta social e foco quase exclusivo no corte de gastos.

O Brasil precisa de reformas, sem dúvida. Mas precisa, antes de tudo, de um Estado forte, com servidores valorizados e comprometido com os princípios da Constituição de 1988, que reconhece saúde, educação e assistência como direitos e não como mercadorias. Tornar o Estado “mais leve” não pode significar torná-lo menor para os pobres e mais eficiente apenas para os privilegiados.

*Alexandre Marques é assessor institucional do Sisejufe e da Fenajufe

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