A Reforma Administrativa voltou ao centro do debate nacional. Em eventos realizados nesta semana em Brasília, três vozes centrais se manifestaram: o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso; a ministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck; e o relator da proposta na Câmara, deputado Pedro Paulo (PSD-RJ).
Todos convergem na defesa da necessidade de mudanças, mas o conteúdo da proposta em gestação aponta para riscos graves de precarização do trabalho no serviço público, especialmente para a base das carreiras, como servidoras e servidores do Judiciário.
Barroso defende reforma “para todos os Poderes”
No discurso de abertura de um evento em Brasília, o presidente do STF, ministro Barroso, afirmou que a reforma administrativa precisa ser abrangente e incluir os Três Poderes. Para ele, a democracia exige respeito ao Estado de Direito, e a modernização do serviço público não pode ser restrita a um segmento.
Sua fala reforça a narrativa de que seria necessário enfrentar privilégios históricos do Judiciário, como férias de 60 dias e aposentadoria compulsória como punição.
Pedro Paulo adianta pontos da proposta
O relator da reforma, deputado Pedro Paulo, tem antecipado medidas que pretende apresentar por meio de uma PEC, um projeto de lei complementar (PLP) e um projeto de lei ordinário. Segundo ele, serão 70 medidas distribuídas em quatro eixos:
1. Estratégia, governança e gestão
2. Transformação digital
3. Profissionalização do serviço público
4. Combate a privilégios
Entre os principais pontos já divulgados estão:
• Fim da aposentadoria compulsória como punição a magistrados e membros do MP;
• Demissão por processo administrativo disciplinar, eliminando a necessidade de sentença judicial transitada em julgado;
• Redução das férias de 60 para 30 dias, aplicável a todos os servidores;
• Criação de uma tabela única nacional de remuneração, com período de transição;
• Limitação dos salários iniciais a cerca de metade do teto das carreiras;
• Restrição ao teletrabalho, limitado a 20% da força de trabalho e a apenas um dia por semana;
• Controle sobre verbas indenizatórias e corte de “penduricalhos”;
• Limitação de contratos temporários a cinco anos, com quarentena de 12 meses para recontratação;
• Expansão do Concurso Nacional Unificado (CNU) para estados e municípios;
• Planos de metas obrigatórios para governos em até 180 dias após a posse;
• Digitalização e rastreabilidade dos atos, com identidade única para servidores.
Segundo o parlamentar, há convergência com ministros do STF, STJ, tribunais regionais e tribunais de contas sobre pontos como fim das férias de 60 dias e da aposentadoria compulsória.
O alerta da ministra Esther Dweck
A ministra Esther Dweck reforçou que o governo está alinhado em boa parte das medidas propostas pelo grupo de trabalho, mas fez alertas importantes sobre os riscos fiscais e sociais.
Ela citou como exemplo a criação de um bônus vinculado a metas (uma espécie de 14ª folha de pagamento). Para a ministra, a medida pode gerar uma despesa insustentável:
“Não tenho condições de pagar uma 14ª folha. Teríamos que segurar reajustes salariais para ter espaço para pagar o bônus.”
Dweck também alertou que esse modelo de bonificação pode incentivar competição artificial entre servidores, além de obrigar estados e municípios a recorrerem à União para bancar os custos.
Outros pontos criticados pela ministra:
• Redução de 50% dos salários de entrada: considerada injusta em carreiras já mal remuneradas e fiscalmente explosiva em outras;
• Tabela única para União, estados e municípios: em tese positiva, mas de alto custo e difícil execução;
• Novo contrato temporário: em vez de criar um modelo paralelo, seria mais adequado aprimorar o temporário existente, evitando precarização.
Por outro lado, Dweck declarou apoio a medidas de combate a supersalários e de revisão de férias de 60 dias.
O que tudo isso significa para os servidores do Judiciário
Apesar do discurso de enfrentamento a privilégios, o que se vê é que os impactos mais pesados recaem sobre a base do serviço público. Se aprovadas, as propostas podem:
• Fragilizar a estabilidade, com demissões por processo administrativo;
• Reduzir salários iniciais, afastando novos talentos das carreiras públicas;
• Retirar direitos conquistados, como o teletrabalho em maior escala;
• Precarizar vínculos, com ampliação dos temporários;
• Gerar competição interna com bônus incertos, em vez de valorizar coletivamente os trabalhadores.
Posição do Sisejufe
Para o Sisejufe, a narrativa de combate a privilégios é enganosa. O que se apresenta como modernização esconde um projeto de barateamento do Estado às custas dos servidores que garantem o funcionamento da Justiça.
A proposta mira na redução de direitos e na precarização das condições de trabalho, enquanto mantém intocados os mecanismos de poder e favorecimento político.
O Sisejufe reafirma: sem servidor valorizado, não existe serviço público forte. A reforma em debate não corrige privilégios, mas ameaça a espinha dorsal da administração pública.