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Sindicato dos Servidores das Justiças Federais no estado do Rio de Janeiro - Telefone: (21) 2215-2443

Treze de maio: fim da escravidão formal não significou o fim do racismo

Seguimos na luta por uma sociedade mais justa, inclusiva e igualitária

Treze de maio é marcado, oficialmente, pelo dia em que a escravidão foi abolida no Brasil, em 1888. Mas nós, do Sisejufe, sabemos que a liberdade não se dá por decreto, e que o fim da escravidão formal não significou o fim do racismo, da exploração e da desigualdade.

A luta do povo negro segue viva nas periferias, nos locais de trabalho, nas ruas e nas instituições — inclusive no sistema de justiça, onde ainda há barreiras estruturais para o acesso e a equidade.

Como sindicato comprometido com a justiça social e com os direitos da classe trabalhadora, reafirmamos hoje nossa posição: não basta lembrar a data — é preciso combater o racismo estrutural todos os dias. É preciso garantir oportunidades, dignidade, reparação e representatividade real para a população negra.

O Brasil tem uma dívida histórica com o povo negro. E enquanto essa dívida não for paga com políticas públicas, distribuição de renda, educação de qualidade, e combate à discriminação, não podemos falar em liberdade plena.

Neste 13 de maio, nos colocamos ao lado dos que lutam por uma sociedade mais justa, inclusiva e igualitária.

 

Saiba mais sobre a data (Fonte: Geledés)

A sanção da Lei Áurea, que há exatos 137 anos aboliu oficialmente o trabalho escravo no Brasil, consolidou o 13 de Maio como uma data de protestos contra violências que atravessaram séculos e continuam vitimando a população negra.

Uma realidade que, por si só, coloca em xeque a narrativa registrada por muito tempo nos livros de história de que os males da escravidão teriam sido sanados no momento seguinte à assinatura de Princesa Isabel.

Matheus Gato, professor da Universidade de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Núcleo Afro do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), afirma que o 13 de Maio é uma data importante pelo simbolismo que adquiriu nas lutas sociais do Brasil e pelo processo social que fora interrompido, transformando o significado de pertencimento dos negros à nação brasileira.

Mas, explica que, ao longo do século 20, a data engendrou uma série de disputas de imaginário sobre como realmente se deu o processo da abolição.

“Primeiro, tínhamos uma narrativa que enfatizava muito a importância do Estado, na qual a abolição aparece como uma dádiva e não como uma conquista de movimentos sociais, uma conquista popular. De uma certa maneira, o 13 de Maio fez parte dessa narrativa de que as conquistas do povo brasileiro, no fundo, foram concessões. Aí está a armadilha ideológica”, aponta Gato.

Enxergar o processo da Abolição como farsa, a partir da anulação do protagonismo das camadas populares, é uma tônica histórica do movimento negro, como defende Seimour Souza, ativista da Uneafro Brasil.

Segundo ele, o 13 de Maio representa uma abolição para a população branca que escravizava negros e negras, e que, após a assinatura da lei, não indenizou a população preta e permaneceu sem criar mecanismos de amparo e inclusão no mercado de trabalho aos ex-escravos e seus descendentes.

Por isso, é importante relembrar a data e suas consequências, mas em uma perspectiva completamente oposta à celebração ou reconhecimento à monarquia, regime então vigente no Brasil quando foi promulgada a lei abolicionista.

“O 13 de Maio é um dia de denúncia contra o Estado brasileiro que ainda é responsável pela condição de miserabilidade e vulnerabilidade que a população negra enfrenta. Não só hoje, mas ao longo da história. Tudo isso se dá por um tipo de abolição inconclusa, que deixou ao léu milhares de pessoas por todo Brasil”, afirma Seimour.

O ativista ressalta que a luta do povo negro pela abolição surgiu desde o primeiro momento que uma pessoa escravizada foi trazida da África, contra um regime que buscava manter o controle social dos corpos negros, sem qualquer benevolência:

“Nossa luta não começou ontem, não começa hoje. Nossos ancestrais um dia ousaram sonhar com a liberdade, e nós somos frutos desses sonhos. Somos frutos de uma gente que sobreviveu ao horror com altivez, de uma gente que sonhou com um futuro diferente. Somos frutos de teóricos e militantes como Abdias Nascimento, Lélia Gonzáles, Guerreiro Ramos, que há muito tempo denunciam a farsa da abolição”.

Para Matheus Gato, apontar a abolição como um engodo, de forma critica, é interessante na medida que alerta para a existência e a persistência do racismo, a despeito do fim da escravidão. Ele pondera, entretanto, que há o risco de incorrer em uma visão simplificada dos processos sociais.

O pesquisador traça um paralelo com a Constituição de 1988, já que, embora até hoje muitos direitos previstos na Carta Magna não sejam de fato assegurados, a Constituição Cidadã não deixa de ser uma conquista da luta pela democracia.

“Heróis invisíveis”

Na opinião de Seimour Souza, da Uneafro Brasil, a historiografia oficial tentou apagar a resistência de expoentes do movimento negro não dando visibilidade para suas trajetórias. Ainda que a história de Zumbi dos Palmares e Dandara, por exemplo, tenham se tornado mais conhecidas nas últimas décadas, muitos lutadores como Zacimba Gaba, Tereza de Benguela e Luísa Mahin, entre outros, não recebem o devido reconhecimento.

Gato, por sua vez, endossa que a compreensão coletiva do que foi a abolição enquanto processo social, de mobilização civil, também é afetada por esse apagamento que atingiu “não só grandes abolicionistas negros ou brancos, como Joaquim Nabuco, mas gente comum que aceitou esconder uma pessoa escravizada, fugida. As rotas de fuga, a formação dos quilombos. Essa agência popular, de modo geral, ficou apagada nesse processo”.

Luiz Gama, do jornalismo aos tribunais

Ainda que tenham tentado contar outra história sobre o processo da abolição e apagar o passado escravocrata, de acordo com Ligia Fonseca Ferreira, escritora e professora de Letras da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), nos últimos 30 anos se fortaleceu uma corrente historiográfica, acompanhada pelo atuação do movimento negro, que juntos batalham pelo reconhecimento das figuras que fizeram a história do Brasil.

Entre os abolicionistas que são referências está o chamado “quarteto negro” composto por André Rebouças, José do Patrocínio, Ferreira de Menezes e o pioneiro Luiz Gama, um dos mais proeminentes pensadores e ativistas do século 19.

Ferreira é especialista na obra de Gama, considerado o maior abolicionista do país. Nascido em 1830 na cidade de Salvador (BA), era filho de pai branco de origem portuguesa e Luiza Mahin, negra livre que participou de insurreições de escravizados.

Foi vendido como escravo aos 10 anos de idade e se alforriou apenas aos 17. Autodidata, aprendeu a ler e a escrever sozinho, e sem cursar a universidade, estudou Direito para advogar em defesa dos negros escravizados.

Respeitadíssimo pelos demais abolicionistas e o mais velho deles, era chamado por José do Patrocínio como “nosso general”. Gama advogou pela libertação de mais de 500 escravos, sem cobrar honorários, sustentando-se como jornalista.

Ela destaca que, à época, tanto o jornalismo como a Direito eram lugares de influência, de poder, onde era rara a presença de homens negros.

Ligia Fonseca Ferreira ressalta que a faceta do jornalista não pode ser esquecida. Não é lembrar a memória de um abolicionista, apenas, mas lembrar a dinâmica de um homem que tinha um público, que era ouvido. Escrevia para ser lido. Ele dispensava porta-vozes. Como costumo dizer, ele não só escrevia notícia, mas ele era notícia.”

A professora da Unifesp detalha que, também enquanto poeta, Gama marcou a literatura brasileira. Grande orador, defendia os direitos dos escravizados com a autorização de advogado provisionado, que o permitia exercer a profissão mesmo sem o bacharelado.

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