Editorial do jornal O Globo e uma reportagem do Estadão desta segunda-feira (2/12) criticam o movimento da magistratura de captura do orçamento do Judiciário para fins de auto-concessão de incrementos remuneratórios pela via administrativa.
O Globo destaca: “No momento em que o país precisa conter os gastos públicos para equilibrar suas finanças, ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal Superior do Trabalho (TST) ressuscitaram, a pedido da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), o pagamento de reajustes automáticos de 5% aos magistrados a cada cinco anos, conhecido como quinquênio. Extinta em 2006, aponta o editorial, essa benesse não obedece a nenhum parâmetro de mérito e deixa de considerar a situação fiscal crítica do país. O salário dos magistrados — uma das categorias mais privilegiadas do funcionalismo público — sobe por inércia com o passar do tempo.
A decisão deixa dúvida se será obedecido o teto salarial do setor público, estabelecido pela Constituição em R$ 44.088,52, remuneração de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). O jornal continua: “A bolada que juízes receberão com os atrasados e o próprio quinquênio, oficialmente chamado de Adicional por Tempo de Serviço (ATS), é considerada “indenizatória” e não se submete ao limite constitucional. Por enquanto, apenas o TST determinou o pagamento dos atrasados. É difícil, porém, que o STJ resista a pressões e não siga a Justiça do Trabalho. E é evidente que o sucesso incentivará juízes e desembargadores dos demais tribunais a tentar obter o mesmo privilégio.”
No início do ano, houve uma tentativa de ressuscitar o quinquênio por meio de Proposta de Emenda à Constituição (PEC), encaminhada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). A reação forçou um recuo, enquanto o Congresso se concentrava em aprovar medidas para socorrer o Rio Grande do Sul. Agora, o caminho escolhido foi administrativo, certamente para evitar a exposição que o assunto teria se voltasse ao Congresso. A PEC, que também concedia a regalia ao Ministério Público, chegou a ser aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado. O governo calculou que representaria R$ 40 bilhões por ano a mais no gasto público. De acordo com nota técnica da Consultoria de Orçamento, Fiscalização e Controle do Senado, a despesa adicional chegaria a R$ 81,6 bilhões até 2026.
Em outro trecho, o editorial indica que “é imperativo rejeitar a volta do quinquênio, por ser imoral, custoso e anacrônico. Os juízes já estão na elite do funcionalismo, têm direito a dois meses de férias (pagos em dinheiro se desejarem) e a todo tipo de auxílio. Em contraste, as finanças públicas padecem de desequilíbrio crônico. São urgentes medidas estruturais de ajuste fiscal.”
Estadão
Já a reportagem do Estadão revela que “magistrados de ao menos 14 Tribunais de Justiça (TJs) e cinco Cortes federais do País têm recebido mensalmente benefícios extras em seus contracheques, a título de Adicional por Tempo de Serviço (ATS), mesmo sem o Congresso ter finalizado a discussão da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Quinquênio, que prevê o pagamento do “bônus” a juízes e procuradores.
Levantamento realizado pelo jornal em consulta aos Tribunais de Justiça mostra que o ATS é pago a magistrados em Goiás, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia e São Paulo. Os Tribunais Regionais Federais da 1ª Região (TRF-1) e da 5ª Região (TRF-5) também constam na lista.
Além disso, o Estadão identificou em consulta ao DadosJusBR, projeto da Transparência Brasil que agrega R$ 144 bilhões em contracheques do Judiciário e Ministério Público, outros cinco tribunais de unidades da Federação (Paraíba, Pará, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal e Acre) e três federais (TRF-2, TRF-4 e TRF-6) que pagaram rubricas intituladas de ATS e Quinquênio, em 2023.
O periódico questionou os tribunais sobre as estimativas de custo e impacto financeiro com o pagamento do penduricalho, mas a maioria dos procurados não respondeu. O TRF-5 foi o único a informar o quanto desembolsa com o custeio do benefício. São R$ 62.762,74 por mês com magistrados ativos, R$ 25.744,98 com inativos e R$ 14.758,70 com pensionistas.
A Corte Federal afirmou que não expediu ato administrativo para autorizar o pagamento do quinquênio, como fizeram outros tribunais. O TRF-5 argumentou que “apenas cumpriu a determinação do Conselho da Justiça Federal (CJF), amparada por julgados do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Supremo Tribunal Federal (STF)”.
Em 2022, o CJF autorizou o retorno do pagamento de ATS. O benefício havia sido extinto em 2006, mas foi reincorporado os holerites a partir da mobilização de associações de magistrados, As estimativas da época eram de que os juízes federais com direito ao penduricalho poderiam embolsar até R$ 2 milhões com o pagamento de valores retroativos.
Em 2023, o então corregedor nacional de Justiça, Luís Felipe Salomão, chancelou o pagamento do penduricalho. Na época, técnicos do TCU realizaram uma auditoria na qual identificaram que o benefício custaria R$ 1 bilhão aos cofres públicos. Foi a partir do ano passado, com respaldo na decisão do CNJ, que as cúpulas das Cortes intensificaram as autorizações de pagamento do bônus.
O editorial de O Globo está disponível na íntegra neste LINK.
Já a reportagem do Estadão pode ser lida AQUI.
Fonte: O Globo e Estadão
Crédito da foto: Warley Andrade/TV Brasil (Agência Brasil)