O Conselho de Administração do TRF4 decidiu, por unanimidade, suspender por dez dias servidor do tribunal acusado de assediar três servidoras. A decisão foi tomada na sessão do dia 24 de novembro, após meses de pressões do Sintrajufe/RS e de organizações feministas e sindicais que cobravam uma punição, inclusive com ação no Ministério Público Federal contra o indiciado, além de questionamentos no âmbito administrativo, com relação à atuação do então presidente do TRF4.
Todos os membros do Conselho seguiram o voto do relator, desembargador Márcio Antonio Rocha, que, embora tenha entendido não haver caracterização de assédio, decidiu que as ações do servidor denunciado foram inadequadas e passíveis de punição, argumentos com os quais o Sintrajufe declarou não concordar por entender que houve, sim, condutas de assédio moral e sexual. O desembargador também decidiu afastar os pedidos de nulidade da tramitação do caso na comissão de sindicância, solicitação feita pelo sindicato do RS.
Entenda o caso
No final de 2019, três servidoras do TRF4, Célia Regina Bernardes Jardim da Silva, Maria Regina Swytka Goulart e Tamile Musskopf Muswieck, formalizaram denúncia de assédio moral e sexual contra um integrante da então administração do tribunal. Em vez da apuração dos fatos, o que se viu por parte da administração foi uma série de protelações e ações fora da esperada formalidade, inclusive com determinação de arquivamento do processo.
A assessoria jurídica do Sintrajufe/RS, assim que foi chamada, deu todo apoio e orientação às vítimas. No entanto, apenas no final de novembro de 2020, mais de um ano depois da abertura do processo SEI com a denúncia e a menos de um mês do recesso, o Conselho de Administração do TRF4 determinou a abertura de sindicância contra o denunciado, por intervenção do Sintrajufe/RS, por meio de recurso das colegas e depois que o Ministério Público Federal foi acionado. Em dezembro, o Sintrajufe/RS promoveu um ato simbólico, com representantes dos movimentos feministas e sindical, exigindo a apuração dos fatos.
Em março de 2021, a comissão de sindicância, mesmo reconhecendo “situações de comportamento inadequado” por parte do denunciado, recomendou o arquivamento do caso. O Sintrajufe/RS sempre esteve ao lado das servidoras, no âmbito administrativo, por meio de sua assessoria jurídica, atuando no TRF4 e no CNJ. O sindicato contratou, ainda, a advogada criminalista Rúbia Abs da Cruz, para dar mais este suporte. No MPF, o Sintrajufe/RS conduziu o ingresso de representação para dar conhecimento do caso e de sua condução administrativa inadequada dentro do TRF4. Em julho, o MPF encaminhou ação de improbidade administrativa.
Internamente, no TRF4, as denúncias tornaram-se um processo administrativo. Depois da decisão da comissão de sindicância, o sindicato moveu recurso, que destacava que as servidoras foram submetidas ao constrangimento de prestar seus depoimentos na presença do investigado, que a Presidência do TRF4 não escolheu os membros da comissão de sindicância entre aqueles que figuram na lista permanente, como deveria, “afastando-se, também na constituição da comissão de sindicância, da transparência e expectativa de independência e imparcialidade que se espera de qualquer comissão processante”. O recurso pedia, assim, a anulação dos trabalhos conduzidos pela comissão; reforma da decisão, com instauração de procedimento administrativo disciplinar; a constituição de nova comissão; e o afastamento cautelar do acusado.
Decisão sobre o mérito: “perplexidade” e suspensão por dez dias
O voto do relator, seguindo de forma unânime pelos membros do Conselho de Administração, rejeitou o questionamento à legitimidade da comissão, feito pelo Sintrajufe/RS. Quanto ao mérito, porém, o relator entendeu necessário punir a conduta do acusado, embora também não a tenha visto como um caso de assédio: “Tenho, pois, que, no mérito, as conclusões expostas pela Comissão, acolhidas pela decisão da Presidência, estão corretas quanto a não configuração de assédio sexual”, diz a decisão, argumentando que “não houve por parte do Sindicado qualquer ato de coerção ou força. Também aceita que o Sindicado nada obteve com as condutas, mesmo porque elas foram pontuais, e não foram acompanhadas ou contextualizadas com qualquer tipo de pedido, favor, proposta ou solicitação decorrente dos fatos por parte das servidoras recorrentes”. Importante ressaltar que o sindicato não concorda com esses argumentos e fez, sim, pedido de afastamento do acusado, por exemplo.
Por outro lado, o relator se diz “perplexo” com as atitudes do denunciado: “Não consigo, e não se consegue compreender, a partir dos elementos dos autos, por que palavras tão desnecessárias, quanto inadequadas, foram dirigidas a colegas de trabalho, presente o risco de serem mal interpretadas, ofensivas, e pecarem por uma dubiedade cinzenta, ao serem lançadas a pessoas que não deram ao Sindicado a liberdade de o fazer”, afirma em seu voto. Lembra, ainda, que o próprio acusado aceitou que as palavras relatadas foram proferidas, e, “independentemente do sentido com que tenham sido lançadas, e com qual sentido tenham sido recebidas pelos ouvidos das servidoras, indubitavelmente geraram desconforto emocional, dificuldades de assimilação do ocorrido, e por que não dizer, distúrbio ao serviço público, dado que desencadearam nas servidoras o desconforto de procurarem apoio e compreensão dos colegas, e de buscar, ao fim, apoio institucional”.
Por isso, o desembargador entende que “merece reforma a decisão da Presidência, pois, data vênia, não analisou a perspectiva de que desclassificada a conduta de assédio, remanesce a punibilidade do fato, pois tais condutas não podem ser repetidas em um ambiente de trabalho saudável e produtivo”. E completa: “Há gravidade suficiente para a punição, pois dado o ambiente funcional no qual foram proferidas as palavras pelo Sindicado dificilmente poderiam as servidoras, no caso de não as recepcionarem, responderem como desejassem, sem colocarem em risco deslustrar o relacionamento funcional”. Para ele, “condutas que abordem aspectos da vida privada dos colegas – servidores e servidoras -, sem autorização ou consentimento, ainda que com o fim jocoso, têm o potencial efeito de desconstruir o ambiente saudável de trabalho, onde o foco e a atenção devem ser voltados para o desempenho funcional com presteza e eficiência. A moralidade da instituição tem várias óticas, e a primeira delas, a fundante das demais, é que aos servidores e servidoras seja garantida a tranquilidade física e emocional para comparecerem ao trabalho, em ambiente profissional saudável, respeitoso, acolhedor, onde os servidores estejam livres de julgamentos, comentários, insinuações, desqualificações de qualquer espécie, e, notadamente, sobre aspectos da vida privada”. Por isso, o voto do relator, seguido pelos demais, foi pela suspensão do acusado por dez dias.
Servidoras falam sobre o caso
Célia, Maria Regina e Tamile falaram com o Sintrajufe/RS sobre como estão se sentindo depois da decisão e como foi atravessar esses dois anos. A pedido delas, a conversa será divulgada como uma declaração conjunta. Em primeiro lugar, explicaram por que quiseram divulgar seus nomes: “porque não fizemos nada errado, os colegas nos conhecem, sabem da nossa história, somos dignas, prestamos ótimos serviços, nunca faltamos com respeito com ninguém”.
As colegas disseram que, depois do resultado da comissão de sindicância, não esperavam algo positivo; por isso, apesar de a decisão de suspensão por dez dias estar longe do que consideram ideal, veem-na, sim, como uma vitória. Aliás, a falta de perspectiva de resolver a situação internamente, pela instituição, foi o que motivou a representação perante o MPF, elas relembram, o que gerou denúncia do MPF por improbidade administrativa contra o acusado.
As três relembraram momentos dolorosos, em que houve tentativas de desacreditá-las e minimizar as situações de assédio, insinuações de que estavam inventando histórias. Foram acusadas até mesmo de “exagerar” e, com isso, “enfraquecer” o movimento de denúncias “sérias”. “Ficamos profundamente ofendidas”, contam elas, que entendem que os ataques se devem a um duplo preconceito: por serem mulheres e pelos cargos que ocupam.
Na conversa com o sindicato, Célia, Maria Regina e Tamile contaram que o assédio as impactou profundamente e de várias maneiras, “relembrar ainda é muito doído”. Elas destacaram o acolhimento e a escuta sensível que receberam na Corregedoria (instância que, de acordo com a resolução 66/2019, do TRF4, pode prestar esse atendimento).
Quanto à participação do Sintrajufe/RS, afirmaram que, “sem a ajuda do sindicato, não conseguiríamos nada. Precisávamos de apoio, da nossa organização enquanto categoria, que foi fundamental para chegar aonde chegamos”. Para as três, foram fundamentais também as manifestações públicas de apoio, o abaixo-assinado com mais 500 assinaturas, “que mostrou que tinha muita gente sabendo e nos apoiando”, assim como os que testemunharam a favor delas. Acreditam que a visibilidade do caso acabou gerando conscientização de que não é mais possível aceitar certas atitudes no Judiciário e que é preciso denunciar. Elas têm consciência de que podem sofrer algum tipo de represália, pela coragem de denunciar e mostrar seus nomes, mas “estamos alertas e sabemos que não estamos sós”.
Direção e assessoria jurídica avaliam decisão
As diretoras do Sintrajufe/RS Clarice Camargo, Cristina Viana e Mara Weber acompanharam o caso de perto. Para Clarice, “se a decisão não contempla totalmente nossas ansiedades quanto a uma efetiva condenação, imputação ao agente causador, a gente entende que é muito simbólica, significativa para a figura em questão e para que as três colegas possam, de alguma maneira, se sentir acolhidas”. A diretora afirma que, “muito embora alguns argumentos a gente possa refutar, o resultado final é uma vitória delas, do sindicato, que acompanhou o caso”. Clarice destaca que, na gestão Victor Laus, foi necessário mais de um ano para que o assunto fosse colocado em pauta, enquanto a nova gestão do TRF4, recém-empossada, tão logo ingressou, “já tratou de pautar, votar e punir o acusado de assédio moral e sexual em dez dias de suspensão”. Na avaliação da dirigente, a decisão é “uma vitória do sindicato, uma vitória das colegas e que sirva de encorajamento para denúncia de outras situações que porventura estejam acontecendo”.
Cristina considera que a punição determinada “não foi suficiente diante do que as colegas vítimas do assédio passaram dentro do ambiente de trabalho, em um local que não deveria tolerar esse tipo de prática, e depois por tudo o que enfrentaram desde o primeiro movimento delas para fazer cessar o assédio”. A diretora destaca que “a coragem, a determinação pela certeza de que quem errou não foram elas e, principalmente, a solidariedade entre essas mulheres foram fundamentais para a denúncia dos fatos e para seguir até aqui. O que queremos é que haja uma mudança cultural para que nos locais de trabalho, e em todos os lugares, as mulheres sejam tratadas com igualdade, dignidade e respeito”. Na avaliação da dirigente, “o que está ocorrendo nesse caso é inspirador e encorajador para que outras vítimas denunciem quando acontecer o assédio, pois só expondo a situação e buscando a punição dos assediadores vamos mudar essa cultura”.
Mara Weber opina que, embora a decisão tenha sido branda, é histórica. “Primeiro porque quebra a impunidade comum nesses casos, segundo porque mostra que o alto cargo hierárquico do agressor não o tornou intocável e, terceiro, mas muito importante, a decisão veio com um pedido de desculpas em nome do TRF4 às mulheres vítimas.” A dirigente afirma que as administrações têm o dever de garantir um local de trabalho seguro e livre de violências. “Foi graças a essas três mulheres corajosas que pudemos lutar por justiça e contra a impunidade. Minha solidariedade e a certeza de que estaremos sempre juntas nessa luta. Fica a mensagem: basta de agressões, abusos e desrespeito contra as mulheres, no trabalho e na vida. O Sintrajufe/RS está preparado para acolher e enfrentar o que for preciso para defender todas e todos os que forem vítimas de violências no trabalho.”
“Foi uma decisão histórica no âmbito da Justiça brasileira, um ato importante em que, como a maioria das decisões que surgem da luta social, as mulheres foram protagonistas”, considerou Carlos Guedes, do escritório Martins, Silveira, Hübner Advogados. Na avaliação do advogado, o TRF4 “deixou muito claro que situações semelhantes às que essas três servidoras vivenciaram não serão mais toleradas”.
Fonte: Sintrajufe/RS