A descontração marcou a Roda de Conversa: Mitos e Verdades sobre Capacitismo nessa quarta-feira (22/9) no canal do Sisejufe no Youtube. Um time de diretores debateu a luta contra a discriminação das pessoas com deficiência: Ricardo Azevedo, que coordena o Departamento de Acessibilidade e Inclusão (DAI), e Dulavim de Oliveira, ambos cegos, e Juliana Avelar e Elaine Pauvolid, as duas com deficiência auditiva, e ainda Lucas Costa, que levantou as dúvidas e trouxe os aprendizados de quem não tem deficiência.
A interação da mesa virtual – que encerrou a Semana de Lutas da Pessoa com Deficiência promovida pelo sindicato – com os participantes do chat do Youtube foi intensa e contou com a assistente da Assessoria Política, Ana Priscila Alves, como mediadora, e com as intérpretes de Libras Leila Lopes e Rosane da Gama. O bate-papo mostrou que a vida do trabalhador não se resume ao seu labor, mas que ele também está nas ruas, vivenciando a cultura da cidade e nos relacionamentos afetivos.
Lucas contou sobre sua experiência de estar aprendendo a Língua Brasileira de Sinais para melhor atender quem procura o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE/RJ). Diferentes mitos foram quebrados em relação à Libras: não é uma versão do português, mas um sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, que é diferente em cada país; e nem toda a pessoa com deficiência auditiva domina essa língua. “A maior deficiência é da cidade, da sociedade, que não sabe incluir a todos”, destacou.
Desmistificou ainda a figura ultrapassada do surdo-mudo. “Se a pessoa fala Libras, já é uma linguagem pela qual ela se expressa.” Outros erros comuns são achar que quem se comunica por Libras foi alfabetizado e que sabe escrever em português e que todos os surdos têm uma dicção peculiar.
Laura enfatizou que as 400 vagas no curso de Libras foram uma reivindicação da Comissão de Acessibilidade e Inclusão do TRE, da qual ela faz parte, junto à administração. “Mesmo dentro da comissão, há gente que questiona o número de vagas. A gente não é servidor para uma parcela da sociedade, mas para a população inteira.” São 28 milhões de pessoas com algum grau de surdez no Brasil.
Ricardo defendeu a obrigatoriedade do ensino de Libras na educação fundamental e no nível médio, já que também é uma língua oficial do país, na direção de uma escola verdadeiramente inclusiva. E Dulavim a ressaltou a diferença em relação ao sistema Braile (nome devido ao seu criador, Louis Braille), utilizado por pessoas com deficiência visual para leitura e escrita. Esse sim um código, que pode ser utilizado por diferentes idiomas. No entanto, é importante ressaltar que nem todo cego sabe Braile.
Para Dulavim, pior que a cegueira é o imaginário sobre ela, e citou a Bíblia como principal fonte desse mito. Pela fantasia hegemônica, o cego não conseguiria nem sair de casa sozinho.
O coordenador do DAI afirmou a importância de não infantilizar a pessoa com deficiência. Ele lembrou de um episódio em que um médico lhe disse: “me dá o pezinho”, como se ele fosse uma criança, o que lhe causou grande indignação. Outro erro comum é falar alto com o cego, como se ele também fosse surdo. Ou ainda pressupor uma habilidade inata para a música, por exemplo, como algo natural “Eu não toco nada”, revelou.
Laura denunciou o capacitismo dentro dos órgãos do Judiciário. O profissional da área de saúde muitas vezes duvida das dificuldades apresentadas: “eu acho que não é isso tudo que ela está falando”. O próprio médico se posiciona como se a pessoa com deficiência quisesse tirar algum proveito de sua condição.
Até em casa, a questão da inclusão não é fácil de ser tratada. A filha de Laura, de 9 anos, ao fazer um trabalho sobre pessoas com deficiência para a escola se deparou com essa característica da mãe. “Você não é deficiente”, dizia a criança, ao ouvir o relato, se recusando a acreditar. A diretora teve que demonstrar o aparelho auditivo e explicar que sem ele não escuta.
Elaine relatou que o tema da acessibilidade ganhou ainda mais espaço em sua vida quando começou a trabalhar no Centro Cultural Justiça Federal. Se ainda não há equipamentos suficientes para incluir a todos e falta orçamento, ela aposta no entendimento da reponsabilidade que se tem. “Se a gente vai fazer um evento, não pode ser apenas para pessoas sem deficiência. A cultura, em geral, não está preparada, não sabe lidar com a deficiência. Temos muito o que aprender.”
Ricardo reclamou da tutela que recai sobre as pessoas com deficiência. Cada vez que ele chega num lugar, é insistentemente convidado a sentar porque senão “vai cair”. “Isso é um outro mito. Não há uma preocupação em me perguntar o que eu quero.”
Ele recordou ainda de um colega que foi obrigado, por funcionários de um aeroporto, a embarcar numa cadeira de rodas porque tinha baixa visão. “Um deficiente visual que anda normalmente, sobe e desce montanha.” E esclareceu que cegos também não precisam de rampas, pois não tem dificuldades com escadas.
Mesmo como pessoa com deficiência e militante da área, Ricardo também está sempre aprendendo. Num curso de mergulho, teve que se comunicar com um surdo cego. “Ele pegava na minha mão e escrevia em Braile ou com letras cursivas. Eu tinha um baita problema pra falar com ele. Eu ficava catando milho.”
O coordenador do DAI disse que o desconhecimento e o imaginário sobre as pessoas com deficiência são tão absurdos “que já perguntaram na rua como é que eu transava!”. E comentou que essa é uma pergunta comum para as pessoas do segmento.
Voltando ao tema laboral, Ricardo denunciou práticas capacitistas dos tribunais, como a designação de trabalhadores cegos para a telefonia, como se não fossem capazes de exercer outras atividades. Por muitos anos, esses servidores tiveram que trabalhar com leitores de tela pirateados. Essa condição de trabalho só mudou na Justiça Federal em 2008.
Dulavim relatou que até para participar do treinamento da Brigada de Incêndio foi uma luta. “A primeira coisa que desliga é a luz”, argumentou, dizendo que não teve nenhuma dificuldade em realizar os procedimentos. Já o colega cadeirante, quando tinha esse tipo de treinamento, era mandado para a casa mais cedo.
Visão monocular
Ricardo criticou a inclusão da visão monocular, cegueira parcial ou total em apenas um dos olhos, ser considerada deficiência, já que não há nenhum grande prejuízo para a pessoa. O Sisejufe lutou contra, mas no início deste ano uma lei foi aprovada nesse sentido. “É óbvio que o empresário vai adorar contratar o monocular. É um tiro no mercado de trabalho para a pessoa com deficiência”, alegou, pois não é necessário fazer nenhum gasto com adaptação de equipamentos e espaços para fazer sua inclusão.
Antes do encerramento, foi transmitido um vídeo com o empresário Eduardo Moreira sobre a Semana de Lutas. “Um momento muito importante para debater a realidade da pessoa com deficiência, suas dificuldades e as coisas que a gente pode fazer para tornar a vida de todos mais digna, mais justa”, frisou.
“Nada de nós sem nós”, reivindicou Ricardo para que as iniciativas de inclusão sejam realmente efetivas. E agradeceu a participação dos integrantes da Associação dos Deficientes Visuais do Estado do Rio de Janeiro.
Lucas fez um chamado às ruas para 2 de outubro, dia de reivindicar direitos, inclusive das pessoas com deficiência, lutar contra a Reforma Administrativa (PEC 32) e pedir a saída do presidente da República. A live foi finalizada com um grito de #forabolsonaro entoado por todos os participantes.