Ivonete Euclides dos Santos trabalha na Justiça Federal há 20 anos. Atualmente, está lotada no setor de Suporte ao Usuário Externo para Peticionamento Eletrônico (Seaex). A pandemia de Coronavírus provocou uma mudança completa na sua vida. Ela e o marido têm deficiência visual e a filha, baixa visão. A família precisou se organizar para lidar com a nova rotina do isolamento social, o trabalho remoto e as tarefas domésticas.
“Eu nunca havia trabalhado de forma remota e, realmente, tudo aconteceu muito rápido. Viemos para casa numa sexta-feira (13 de março) e no domingo à noite recebemos a informação de que passaríamos a trabalhar de casa. Minha adaptação foi difícil, pois não tinha e nem tenho um local adequado, com mesa e o silêncio necessário para me dedicar ao trabalho. Faço uso de um notebook que eu tinha e da internet que é dividida pelos meus dois filhos que estão tendo aula online”, disse Ivonete, acrescentando que o esposo, professor, também precisa ficar logado para dar as aulas.
A servidora explica que, além disso, no trabalho presencial, fazia uso do telefone para complementar o atendimento ao usuário e no trabalho remoto só usa o computador, o que torna o suporte mais lento. Ela conta que outra dificuldade é o barulho externo.
“Por ser deficiente visual, preciso ouvir o programa de voz do computador e não tenho em casa um fone adequado para isso, como o que usava no trabalho presencial”, acrescenta.
Estação de trabalho facilitou adaptação
Joana Roquette é cadeirante. Ela trabalha no apoio ao gabinete da 1ª Vara Federal de Barra do Piraí, no interior do estado do Rio, assessorando juízes na confecção de minutas de sentenças. A servidora conta que a rotina de trabalho tem sido bem interessante.
“Eu já tenho uma estação de trabalho montada dentro do meu quarto com dois monitores e, por eu ser deficiente física e não visual, não preciso dos equipamentos para possibilitar com que eu trabalhe. Eu tenho tudo adaptado às minhas necessidades”, diz.
Joana relata que, apesar de o trabalho remoto ter surgido de forma súbita, a adaptação foi tranquila porque já tinha a estrutura necessária.
“As questões ergonômicas foram resolvidas por mim. Eu só sinto muita falta do convívio com os demais servidores. E por chefiar a equipe, fica um pouco mais complicado de passar algumas informações de forma remota. A gente se fala, faz vídeo chamada, mas não é a mesma coisa. Esse contato humano se perde, mas para mim tem sido bastante benéfico o trabalho remoto”, afirma.
Cobrança por produtividade preocupa coordenador do DAI
Ricardo de Azevedo Soares é cego. Ele é servidor da Justiça Federal e coordenador do Departamento de Acessibilidade e Inclusão do Sisejufe. Lotado em um setor de suporte ao processo eletrônico, o dirigente sindical se mostra preocupado com a cobrança por produtividade, em especial para as pessoas com deficiência. Em reunião que aconteceu durante a pandemia com a Administração da SJRJ, ele cobrou um olhar mais atento às necessidades destes servidores.
Para Ricardo, a adaptação ao trabalho remoto foi muito difícil.
“Eu sou cego, mas minha esposa enxerga normalmente. Tenho três filhos. O mais velho tem 14 anos; o do meio 9; e o bebê, 5 meses. Temos apenas um computador. É bem complicado porque, com a pandemia, as aulas passaram a ser em casa. A minha esposa, embora não esteja trabalhando fora atualmente, utiliza bastante o computador para seus estudos, se preparando para concursos públicos”, diz.
O coordenador do DAI conta que o computador também é usado por ele e pelos filhos para acompanhar as aulas online. “Um fica obrigado a entrar nas aulas pelo celular e o outro fica no computador revezando comigo. Enquanto ele está na aula, eu trabalho do celular, trocando ideias e discutindo questões de trabalho no grupo de whatsapp do setor. Você pode imaginar como se deu isso ”, indaga Ricardo, acrescentando que ainda tem que dar apoio à esposa nos cuidados com o bebê e nas tarefas domésticas.
O servidor atenta, ainda, para outras questões operacionais: “na JF você tem uma rede estabilizada de internet para trabalhar com tranquilidade e tem setores de informática caso sua máquina dê algum problema ou aconteça uma pane no sistema. Em casa, você está com internet caseira, que pode cair a qualquer instante. E se a tua máquina der problema, como arrumar um técnico em tempo de pandemia?”
Ricardo diz que trabalha basicamente com computador e telefone. “Não tendo telefone, você não tem como especificar os problemas do usuário para ajudar melhor e nem sempre consegue prestar o suporte que daria no local de trabalho onde você pode ligar para o usuário, desenvolver com ele certas tarefas direto no sistema. Então a qualidade também cai”, lamenta.
No local de trabalho, quando ele tinha alguma dificuldade com o leitor de telas do computador ou com anexos enviados no formato imagem, chamava um colega ou passava a questão para o supervisor. Em casa, se vê obrigado a recorrer à esposa ou aos filhos. “Estou vivendo essa situação por total falta de outra opção”, diz.
Suporte do sindicato e das administrações
A oficial de justiça do Trabalho de Cabo Frio e diretora do Sisejufe Maria Cristina Mendes tem deficiência auditiva. Ela conta que teve muita dificuldade para se adaptar ao trabalho remoto, mas agora tem esperança de conseguir realizar suas atividades de maneira mais fácil porque adquiriu um aparelho auditivo especial.
“A tecnologia nesse ponto ajuda muito. É um mundo novo que se abre, só que é tudo muito caro e existe um monte de complementação. Você tem que fazer reabilitação auditiva e gastar rios de dinheiro para achar uma coisa que seja compatível com seu problema”, explica.
Maria Cristina sentiu necessidade de ter um novo aparelho porque, com o isolamento social, as reuniões de trabalho e do sindicato passaram a ser realizadas por videoconferência e estava difícil acompanhar todas as falas.
“Eu precisava me situar melhor nessas reuniões online, já que eu usava um transcritor que não dava mais conta. Estava ficando exausta e o aparelho que eu usava já não me dava nenhuma melhora. Por isso que eu passei para o outro”, afirma.
A servidora aponta que outra dificuldade é dialogar com as pessoas usando máscaras porque ela compensa a perda auditiva fazendo a leitura labial. Cristina ressalta que existe um modelo de máscara transparente que seria mais adequado para a inclusão das pessoas que, como ela, tem deficiência auditiva.
A dirigente sindical chama a atenção para o fato de as administrações não terem previsto um suporte especial para as pessoas com deficiência.
“Ninguém parou para pensar como seria fazer a adaptação de um servidor com deficiência em casa ou alguém que precisasse de algum outro recurso. As coisas simplesmente vão chegando. E o que eu vejo é que a pessoa com deficiência está o tempo todo tentando se superar, se adaptar e se incluir”, opina.
Para ela, o Departamento de Acessibilidade e Inclusão do sindicato (DAI) e as comissões de acessibilidade dos tribunais têm que estar atentos a essas demandas e saber como equalizar as cobranças por produtividade e outras questões.
Adaptação quando o filho têm deficiência
O representante de base o Sisejufe e servidor do TRE-RJ, João Mac-Cormick, tem um filho com deficiência. Ele relata que sua rotina mudou bastante com o isolamento social.
“Quando Inan Gaia vai para a escola, eu e minha esposa ficamos concentrados, durante este tempo, nas tarefas diárias. Uma vez ele ‘preso’ em casa todos os dias, fica a sensação de que o dia nunca acaba porque a atenção é ininterrupta. Por ser uma criança com deficiência, o estresse é constante, pois ele ainda não sabe falar e não consegue expressar seus desejos. Isto se torna um grande complicador para o cumprimento das atividades de “teletrabalho”, nestes tempos de pandemia”, desabafa.
João diz que, em casa, não é fácil executar as tarefas laborais por não existir um ambiente preparado, um cômodo em separado. “Outra questão é não dispor de computador com os requisitos adequados para as atividades inerentes, além deste ser compartilhado com outros familiares”, acrescenta.
Para ele, a Administração deveria permitir que os computadores patrimoniados pudessem ser levados para a casa, pois os equipamentos teriam as configurações mínimas necessárias e não haveria concorrência de seu uso.
“Seria essencial que o trabalhador tivesse acesso, pela internet de sua casa, aos recursos de rede que estão no trabalho. Mas para isso, é necessário que o investimento em segurança seja muito maior”, destaca.
Lições para o futuro
Para Cláudio Muti, servidor do TRT-RJ, o desafio foi conciliar o trabalho remoto com a atenção ao filho autista.
“Para todo mundo que tem filho, já é complicado se organizar dentro de casa com as crianças sem escola. Para quem tem filho especial, isso se torna mais desafiador. Tem que ter uma série de cuidados a mais. Meu filho é autista não verbal: ele não fala e tem deficiência intelectual. Tem 17 anos, mas ainda não conseguiu se alfabetizar por conta dessa deficiência. Então ele não tem autonomia”, explica.
Cláudio conta que o menino estuda em escola especial e a professora sempre manda conteúdo para ele fazer em casa. Ele ainda tem as sessões de terapia.
“Nesse momento, paro tudo e fico por conta dele. No início foi mais complicado de me organizar, mas as minhas tarefas estou conseguindo fazer, não estou atrasando e ainda ajudo nas tarefas de casa. Minha esposa é farmacêutica, está nos serviços essenciais, e enquanto ela está trabalhando eu tento manter as coisas em casa arrumadas”, completa.
Para garantir a produtividade, comprou um notebook. “O meu já estava ruim. O Tribunal ofereceu equipamento, mas preferi adquirir o meu”, disse.
Apesar dos obstáculos, Cláudio está otimista com o futuro. “Tenho esperança que, apesar desse momento difícil em que temos perdido tantas pessoas e até colegas nossos, tenhamos a possibilidade de tirar algum aprendizado. Que o trabalho remoto venha para ficar para quem preferir. O desafio é ter trabalho de qualidade com qualidade de vida, assim o servidor será muito mais feliz e produtivo, conclui.