O sistema de capitalização previsto na proposta de reforma da Previdência apresentada pelo governo, PEC 06/2019, estabelece que cada trabalhador depositará mensalmente em sua conta individual um percentual de seu salário, ainda não definido. No entanto, uma parcela dos recursos poupados, também a ser definida em lei complementar, será apropriada pelo Tesouro Nacional, sob a forma de um “empréstimo compulsório”. Ou, dito de uma outra forma, o trabalhador fará uma aplicação compulsória em título público.
O Valor conversou com técnicos do governo que participaram diretamente da elaboração da proposta. Eles explicaram que se um trabalhador depositar R$ 100 reais em sua conta, R$ 70, por hipótese, irão para o Tesouro. Isso será considerado uma forma de empréstimo do trabalhador ao Tesouro. O trabalhador terá um crédito contra o Tesouro, que será devidamente contabilizado em uma conta individual.
É como se o Tesouro ficasse encarregado de aplicar os recursos. Por isso, obviamente, esta parcela dos recursos poupados pelo trabalhador será aplicada em títulos públicos e não no mercado. Assim, em tese, estará garantido, pois não correrá os riscos inerentes às aplicações em mercado. A remuneração dessa parcela da poupança será definida pela lei complementar que irá instituir e regulamentar o sistema de capitalização. É a este mecanismo que se dá o nome de conta nocional ou capitalização nocional.
A capitalização nacional não é uma jabuticaba. É um modelo criado na década de 1990 e foi adotado por vários países, como Suécia, Noruega, Itália e Polônia, quando fizeram suas reformas previdenciárias. São dois os objetivos do modelo. O primeiro é reduzir o risco da aplicação dos recursos do trabalhador, pois a poupança que ele está fazendo é para sua aposentadoria.
O segundo objetivo é ajudar o governo a bancar o custo de transição entre o atual sistema previdenciário
de repartição simples para o sistema de capitalização. Atualmente, os trabalhadores que estão na ativa
financiam as aposentadorias daqueles que estão aposentados. Com o novo sistema, cada trabalhador
irá depositar, mensalmente, uma quantia em sua conta individual que poderá ser capitalizada também por
contribuição patronal. Ou seja, as contribuições não serão usadas para custear as atuais aposentadorias e
aquelas que ainda irão ocorrer pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
Assim, o RGPS terá uma redução crescente de receitas, pois todos os trabalhadores que ingressarem no mercado de trabalho poderão optar pelo sistema previdenciário de capitalização, após a aprovação da lei complementar. Com menos receitas, o déficit do RGPS tenderá a aumentar muito. Ou seja, o custo de transição entre os dois sistemas (de repartição simples para o de capitalização) será muito grande.
O governo ainda não se dispôs a divulgar o custo estimado da transição, alegando que não realizou nenhum tipo de cálculo, pois as regras do novo regime, entre elas as alíquotas de contribuição do trabalhador, só serão definidas em lei complementar. É difícil acreditar que o governo tenha proposto uma mudança tão profunda no sistema previdenciário brasileiro sem ter feito uma única estimativa sobre o custo da transição.
De qualquer forma, a PEC 06/2019 estabelece que o regime de capitalização não poderá contar com recursos públicos, ou seja, o Tesouro Nacional não poderá ser chamado a cobrir eventual déficit registrado pelo novo sistema. Os benefícios terão que ser bancados integralmente pelas contribuições dos trabalhadores e dos patrões. No caso das contribuições patronais, a proposta do governo é que ela não incida sobre a folha de salários.
A ideia é desonerar integralmente a folha de salários das empresas para, desta forma, facilitar a criação de novos empregos. A contribuição patronal será semelhante àquela feita atualmente por algumas empresas que instituíram fundos de pensão para os seus trabalhadores. No caso do RGPS, a proposta do governo é criar uma contribuição sobre pagamentos, que substituirá integralmente a atual contribuição patronal sobre a folha. “Não haverá mais contribuição sobre a folha”, explicou uma fonte do governo.
A PEC 06/2019 estabelece que o menor valor do benefício do sistema de capitalização será o salário mínimo. Ou seja, mesmos os trabalhadores que não conseguirem, ao longo da vida laboral, poupar o suficiente para ter uma renda mínima ao se aposentar, eles terão direito a receber um valor equivalente a um mas por um fundo que será constituído com parte dos recursos das contribuições dos trabalhadores e dos patrões.
A taxa de remuneração da conta nocional será definida em lei. Na Itália, a taxa de remuneração é a média móvel do Produto Interno Bruto (PIB) dos últimos cinco anos. Na Suécia, a taxa de remuneração é o crescimento da massa salarial. Cada país tem uma regra de remuneração. A ideia do governo, no entanto, é que ela seja inferior à taxa Selic.
Uma parcela da poupança dos trabalhadores que aderirem ao regime de capitalização será administrada
por entidades de previdência públicas e privadas, habilitadas por órgão regulador, que aplicarão os recursos no mercado, de acordo com regras e limites a serem definidos. O trabalhador poderá escolher a entidade que irá gerir a sua poupança, que cobrará taxa de administração para isso. A PEC garante a portabilidade, ou seja, ele poderá transferir os seus recursos de uma gestora para outra, se assim desejar.
Muitos aspectos do novo regime ainda são desconhecidos, pois o governo só pretende discuti-los quando a lei complementar for enviada ao Congresso. A questão é que dificilmente os parlamentares aprovarão a medida sem que os pontos essenciais sejam detalhados.
Há questões de contabilidade pública que não estão claras. Aparentemente, os recursos das contas nocionais não poderão ser considerados como receita primária do Tesouro, uma vez que resultam de empréstimos compulsórios. Se não é receita primária, não poderão ser utilizados para o cálculo da meta fiscal. Se a receita resulta de uma dívida, afetará o cumprimento da chamada “regra de ouro”. Tudo isso precisa de esclarecimento. Uma parte do dinheiro poupado ficará com o Tesouro
Fonte: Ribamar Oliveria – Valor Econômico