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Artigo: Anistia não é sinônimo de impunidade: a falsa equivalência entre a resistência à ditadura de 1964 e a tentativa de golpe de 2022

*Por Alexandre Marques

A recorrente comparação entre a anistia concedida aos que resistiram ao golpe militar de 1964 e as propostas de anistia ou redução de pena para os envolvidos na tentativa de golpe de Estado de 2022 constitui uma grave distorção histórica, jurídica e moral. Trata-se de uma falsa equivalência que ignora contextos, naturezas dos atos praticados e fundamentos do próprio Estado Democrático de Direito.

A anistia política de 1979 — ainda que marcada por limites e controvérsias — foi fruto de um processo de transição de um regime autoritário para a democracia. Ela incidiu sobre pessoas perseguidas, presas, torturadas, exiladas ou mortas pelo Estado em razão de sua oposição política a um regime ilegítimo, instaurado por meio de um golpe militar que suprimiu direitos, dissolveu instituições e suspendeu liberdades fundamentais. A resistência à ditadura, em suas múltiplas formas, insere-se no campo da luta por direitos, pela restauração da legalidade constitucional e pela reconquista da soberania popular.

Já os atos praticados em 2022 — culminando nos ataques às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023 — possuem natureza diametralmente oposta. Não se tratou de resistência a um regime autoritário, mas de uma ação deliberada para subverter um processo eleitoral legítimo, questionar o resultado das urnas sem qualquer base factual e abolir, pela força, o Estado Democrático de Direito. Os envolvidos não eram perseguidos políticos, mas agentes que atuaram contra a ordem constitucional vigente, com o objetivo explícito de ruptura institucional.

Do ponto de vista jurídico, a diferença é ainda mais evidente. A Constituição Federal de 1988 consagra, em seu artigo 5º, inciso XLIV, que os crimes contra a ordem constitucional e o Estado Democrático são imprescritíveis e inafiançáveis. Essa opção constitucional não é acidental: ela decorre da memória histórica de um país que viveu mais de duas décadas sob uma ditadura e decidiu blindar o regime democrático contra novas investidas autoritárias. Propor anistia ou redução de pena para crimes dessa natureza significa relativizar a própria Constituição e esvaziar o compromisso institucional com a democracia.

Há também uma dimensão ética incontornável. Equiparar quem lutou contra a supressão de direitos fundamentais a quem tentou destruí-los é uma violência simbólica contra a memória das vítimas da ditadura militar e contra todos aqueles que contribuíram para a reconstrução democrática do país. A anistia de 1979 buscou — ainda que de forma imperfeita — reparar injustiças cometidas pelo Estado; a anistia aos golpistas de 2022, ao contrário, premiaria a insubordinação à legalidade e estimularia a reincidência de práticas antidemocráticas.

A democracia não se sustenta apenas pelo voto, mas também pela responsabilização de quem tenta destruí-la. Tratar como equivalentes situações historicamente opostas não é um exercício de conciliação nacional, mas uma estratégia de revisionismo que banaliza o golpe, enfraquece as instituições e normaliza a violência política. Anistia, quando desvinculada da justiça e da verdade, deixa de ser instrumento de pacificação e passa a ser sinônimo de impunidade.

Defender a democracia implica reconhecer que não há neutralidade possível entre quem lutou por liberdade e quem conspira contra ela. A história, o direito e a ética exigem que essa distinção seja afirmada com clareza — sob pena de se repetir, como farsa ou tragédia, os erros do passado.

*Alexandre Marques é Assessor Parlamentar e Institucional

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