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Artigo: Queremos estar em cena

card com imagens de páginas de jornais com marca d´água; ao centro está escrito ARTIGO em uma tarja vermelha; e acima da tarja tem a logo do Sisejufe do lado esquerdo

Por Ana Prado*

3 de dezembro, Dia Internacional das Pessoas com Deficiência — uma data que muitos mencionam, mas poucos realmente compreendem. Mais que celebração, é um lembrete de que, apesar das leis, políticas públicas e discursos bem ensaiados, a cena cotidiana continua atravessada por gestos, práticas e silêncios que nos mantêm fora do palco da vida.

A cortina está fechada, tesa, amarrada. Do lado de dentro, pessoas sem deficiência ocupam o palco da vida, muitas vezes sem perceber as barreiras que nos cercam. Do lado de fora, nós, pessoas com deficiência, tentamos entrar. Algumas resistem, insistem, se manifestam, escrevem, reivindicam; outras se submetem ou desistem, e não há julgamento nisso — cada um sabe das dores e delícias de sua experiência.

De repente, aparece um rasgo de luz. É tímido, quase imperceptível. Nesse instante, sentimos a potência do nosso corpo, queremos mostrar que não somos falta, déficit ou falha. Mas essa passagem é insuficiente; é preciso que se abra uma fenda maior, uma oportunidade real de presença e participação. A fadiga de acesso se manifesta nesse esforço contínuo: tentar entrar, resistir, ser visto e reconhecido em um mundo construído para poucos. Esse cansaço é físico, emocional e mental, fruto de tantas tentativas de ocupar um palco que nunca foi desenhado para nós.

Por que a presença de nossos corpos provoca, desarruma, desloca, cria fissuras e fraturas nesse espetáculo cotidiano? A experiência da deficiência revela estruturas que muitos preferem não ver, e aqueles que se dizem anticapacitistas muitas vezes não se engajam de fato: não se indignam diante de ações capacitistas, não dividem o palco, não escutam outras dramaturgias.

Tom Shakespeare nos lembra que a experiência da deficiência é atravessada por normas que definem padrões de normalidade e competência, tornando cada tentativa de presença plena um ato silencioso de resistência. A performance da deficiência incomoda porque desestabiliza a fantasia meritocrática da competência infinita e mostra que não existe neutralidade: ou se está com, ou se está sobre — e quem está sobre quase sempre fala mais alto.

Há cumplicidade velada entre aqueles que mantêm a cortina fechada, manifestada em olhares, gestos, cutucões e pequenas conivências. É nesse silêncio combinado que a luta se torna ainda mais solitária e doída.

Mesmo diante desse isolamento, insistimos. Não buscamos aplauso ou reconhecimento; buscamos alteridade: relações que respeitam e reconhecem o outro como outro, práticas anticapacitistas que se fazem junto, ações que realmente retiram barreiras e valorizam a experiência da deficiência.

A cortina se abre novamente, apenas uma brecha de luz. Ainda pequena, ainda tímida, mas real. Mostra que é possível. Mostra que, quando há disposição para se abrir ao desconhecido, todos os corpos podem se encontrar. Guimarães Rosa dizia que “o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe é no meio do caminho”.

Que esse rasgo inspire que a cortina se abra mais, que nos permita entrar e ocupar o palco com presença, potência e dignidade. Que aqueles que se dizem anticapacitistas se coloquem com, e não sobre, e nos vejam como somos: corpos que deslocam, que provocam, que existem.

A cortina só deveria cair quando todos estivermos em cena.

*Ana Prado é mestre em Diversidade e Inclusão pela Universidade Federal Fluminense

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