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Livros que libertam: bibliotecas em presídios

Livros que libertam: bibliotecas em presídios, SISEJUFE

Por Cesar Gondim

São duas salinhas decoradas com duas mesas, cortinas simples e recortes coloridos de papel crepom, medindo aproximadamente vinte metros quadrados, mas a força libertadora do espírito humano contida nos quase 3.000 livros armazenados nas suas estantes e armários possui o vigor de se contrapor ao milhão de metros quadrados de muralhas, grades, trancas e cadeados do presídio de Gericinó, situado no bairro do mesmo nome, no município do Rio de Janeiro, de certo modo análogo à narrativa de Heródoto, quando 300 soldados espartanos se contrapuseram a um milhão de soldados do exército persa. Falamos da recém inaugurada Biblioteca, situada no presídio feminino Joaquim Ferreira de Souza, no coração do Complexo Penitenciário de Gericinó, mais conhecido como Complexo de Bangu, na cidade do Rio de Janeiro.

A Biblioteca foi inaugurada em meados de junho de 2016, em observação à Recomendação N. 44 de 26/11/2013 do Conselho Nacional de Justiça, CNJ, ainda não regulamentada, que preconiza a criação de Bibliotecas nos presídios e o encorajamento à leitura, refletida e resenhada, como uma das maneiras de se obter a diminuição do número de dias de encarceramento e assim colaborar para a ressocialização dos presos. Funciona da seguinte forma: a cada livro lido e resenhado num período de 21 a 30 dias, uma comissão formada por pedagogos e professores avalia a resenha, enviando, em seguida, um relatório ao juiz, que poderá conceder o benefício da remição de quatro dias da pena. Desse modo, no período de um ano, tendo lido e resenhado 12 livros, o preso poderá obter a diminuição de até 48 dias do seu tempo de reclusão, o que não é pouco quando se contam as horas e os minutos… “É o nosso filho” contou-nos, com entusiasmo, Bruna Rafaela Guimarães, que à época da inauguração, ocupava o cargo de Diretora da unidade, referindo-se à Biblioteca. O mesmo entusiasmo é compartilhado por Anne Elise Ormond Ferreira e Karen Marinho, à época, respectivamente, Subdiretora da unidade e chefe de administração do presídio. “Desde a inauguração, as presas já garimpavam os livros com avidez, buscando os seus autores preferidos” nos conta Bruna. Engana-se quem imagina que a Biblioteca nasceu apenas para cumprir a recomendação legal.

Em verdade, a implantação do projeto foi obra totalmente voluntária, sem que existisse previsão de verba destinada à compra dos livros. A montagem do acervo partiu da generosidade e boa vontade das funcionárias da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária, SEAP, em uma ação conjunta com Eliana Santos, coordenadora pedagógica do Colégio Estadual Maria Montessori, que também funciona na unidade prisional. Todas doaram livros e colaboraram para a criação do ambiente acolhedor. A organização, indexação e catalogação dos livros, bem como o gerenciamento do espaço, encontra-se sob os cuidados experientes das detentas S.F.T., bibliotecária poliglota, bacharel em Direito e pedagoga, e I.C.C.S., professora, que, trabalhando juntas, indexaram e catalogaram, no curto período de um mês e meio, 3.000 livros! Um quadrinho singelo fixado na parede exibe o ranking dos autores mais solicitados até então, com Jorge Amado figurando em primeiro lugar, Clarice Lispector em segundo, e Paulo Coelho em terceiro. A preferência pela festa e pelo sol da Bahia que brilham nas palavras de Jorge Amado, a viagem aos mistérios da alma feminina através dos enigmas dos textos de Clarice Lispector e os caminhos do misticismo guiados pelo mago Paulo Coelho não parecem escolha gratuita e aleatória das leitoras. Na busca por esses autores, percebe-se o anseio da alma humana por se evadir do quotidiano de muros de concreto, cadeados, guardas e barras de ferro do presídio, eficazes para encarcerar os corpos, mas incapazes de aprisionar o infinito do espírito humano.

Livros que libertam: bibliotecas em presídios, SISEJUFE

As administradoras falaram também do projeto “Lendo com o Joaquim” que, associado à Biblioteca, encoraja à leitura, levando livros às celas das internas, que , na sequência, são discutidos e comentados, não apenas do modo espontâneo como se comentam leituras marcantes, mas também através de leituras compartilhadas e debates sistemáticos e organizados com o intuito de formar leitoras. Todas essas iniciativas, da criação da Biblioteca ao projeto “Lendo com o Joaquim” vêm sendo realizadas, sempre, em estreita colaboração e parceria entre a administração e as detentas. “Eu antes era depressiva, mas agora ganhei um novo ânimo” nos conta S.T., engajada no projeto desde o começo. “Até penso em retornar para a Biblioteca após cumprir a pena”, brinca ela. Não só formar leitoras, mas também ensinar os princípios de organização de Bibliotecas fazem parte do escopo, espírito e ânimo dessa realização. Como ensina mestre Paulo Freire, ninguém permanece a mesma pessoa depois de adquirida a prática da leitura.

Referência bibliográfica

FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam. 22 ed. São Paulo: Cortez, 1988. 80 p.

Texto capturado da Revista Biblos – Informativo da Biblioteca do TRF2 – Ano 1, nº 1, Jul-Set 2017, pp 29-31 – http://www10.trf2.jus.br/institucional/wp-content/uploads/sites/43/2017/04/revista-biblios-jul-set-2017.pdf

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