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Sindicato dos Servidores das Justiças Federais no estado do Rio de Janeiro - Telefone: (21) 2215-2443

Procurador-Geral da República propõe embargos para garantir manutenção dos quintos

O Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, protocolou no Supremo  Tribunal Federal embargos de declaração no Recurso Extraordinário 638.115 – CE  que determinou a cessação da incorporação das parcelas de quintos.

O documento, encaminhado ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, relator do recurso extraordinário, opina pela modulação dos efeitos do julgado e para deixar claro que os servidores com incorporação administrativa há mais de cinco anos e também aqueles que incorporaram quintos por força de sentença transitada em julgado, decorrentes do exercício de funções comissionadas e/ou gratificadas, não devem ser atingidos pela decisão do STF.

Leia abaixo, o teor dos embargos:

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Procuradoria-Geral da República

Nº 150271/201 Recurso Extraordinário 638.115 – CE

Relator: Ministro Gilmar Mendes

Embargante: Procurador-Geral da República

Embagados: União e outros

Interessados: Associação de Servidores do Tribunal Superior Eleitoral (ASSERTSE) e outros

Amici Curiae: Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário Federal dos Estados do Pará e Amapá – Sindjuf – PA/AP e outros

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO RELATOR

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. ACÓRDÃO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. EFEITOS PACIFICADORES. NECESSIDADE DE EXPLICITAÇÃO DOS LIMITES DO PRONUNCIAMENTO. OBSERVÂNCIA DA COISA JULGADA. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA. MODULAÇÃO DE EFEITOS. PRINCÍPIOS DA CONFIANÇA E DA IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS. ACOLHIMENTO COM EFEITOS MODIFICATIVOS.

1. Possível a oposição de embargos de declaração, com pedido de efeitos modificativos, visando a integrar-se acórdão resultante do julgamento de recurso extraordinário na sistemática da repercussão geral, mormente considerados os efeitos gerais decorrentes do exame das teses por amostragem e a necessidade de balizamentos claros dos limites do pronunciamento, encerrando-se definitivamente a controvérsia.

2. Cumpre esclarecer que: a) a percepção de quintos em virtude de decisão judicial transitada em julgado obsta a desconstituição do recebimento das verbas pelo Poder Público, dado não ser o pronunciamento em repercussão geral fundamento suficiente para, isoladamente, ensejar o ajuizamento da ação rescisória; b) o lançamento da rubrica realizado administrativamente, há mais de cinco anos, sem questionamento judicial, leva a concluir-se pela incidência da decadência administrativa, sendo defeso proceder a revisão em prejuízo ao particular.

3. Requer o acolhimento dos embargos, com efeitos modificativos, para alargar a modulação de efeitos e, em virtude das razões de segurança jurídica e excepcional interesse social resultantes do longo período de percepção da verba e do respectivo caráter alimentar, considerados os princípios da irredutibilidade dos vencimentos e da confiança, preservar nominalmente o pagamento da parcela, como vantagem pessoal a ser absorvida por aumentos futuros a serem concedidos aos atingidos.

4. Recurso que se requer o conhecimento e o provimento, com efeitos modificativos no tocante à modulação de efeitos.

O Procurador-Geral da República vem opor EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ao acórdão do Plenário dessa Corte Suprema que julgou procedente o Recurso Extraordinário 638.115, apreciado na sistemática da repercussão geral (Tema 395), pelos fatos e fundamentos adiante expostos.

1. DOS FATOS O presente recurso extraordinário foi selecionado como paradigma para o Tema 385 da Repercussão Geral: “incorporação de quintos decorrentes do exercício de funções comissionadas e/ou gratificadas”.

Nos termos do voto condutor da Relatoria do Ministro GILMAR MENDES, reconheceu-se a repercussão geral do tema concernente à delimitação de direito intertemporal relativo aos quintos incorporados por servidores públicos pelo exercício de cargos de direção, chefia ou assessoramento, no período compreendido entre a edição da Lei nº 9.624/98 e a Medida Provisória nº 2.225- 45/01.

Conhecido e provido o recurso, por maioria e em consonância com a manifestação anterior desta Procuradoria-Geral da República, o Tribunal modulou os efeitos da decisão para desobrigar a devolução dos valores recebidos de boa-fé pelos servidores até esta data, nos termos do voto do relator, cessada a ultra-atividade das incorporações concedidas indevidamente, vencido o Ministro MARCO AURÉLIO, que não modulava os efeitos da decisão.

Ocorre, contudo, que, dada a importância dos efeitos pacificadores do pronunciamento em repercussão geral, o Ministério Público, em observância ao mister constitucional de defesa da ordem jurídica e no papel de fiscal da lei, vem requerer sejam aclarados certos aspectos sobre o âmbito de incidência fática do acórdão formalizado e propor a ampliação do espectro da modulação de efeitos deferida, nos termos a seguir expostos.

2. DO CABIMENTO DOS EMBARGOS: A SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL E A POSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO DOS PARÂMETROS DE APLICAÇÃO DO JULGADO E DA MODULAÇÃO DE SEUS EFEITOS NO RECURSO INTEGRATIVO

Primeiramente, saliente-se que não se pretende, mediante os presentes embargos, rediscutir a conclusão a que chegou o Plená- rio sobre o mérito do recurso, com a qual o Ministério Público já manifestou concordância.

Entretanto, o julgamento de teses possui peculiaridades que conduzem a uma compreensão ímpar do conceito de omissão.

A sistemática do exame por temas veio racionalizar os trabalhos do Supremo Tribunal Federal, com o fim de permitir-lhe, com a fixação das teses, o cumprimento de sua missão de guardião da Constituição. Dessa abstratividade resulta, como consectário ló- gico natural, que, acaso entenda a Suprema Corte pela identidade de elementos determinantes entre a hipótese e um grupo de outras possíveis causas, deve, desde já, consolidar diretriz de forma a solucionar todas as possíveis idênticas controvérsias. Dialoga com tal previsão, inclusive, a possibilidade de ingresso, como amici curiae, de outros interessados no caso em discussão.

Em síntese, rememoram-se as palavras da Ministra ELLEN GRACIE quando do voto na Reclamação 10.793:

O instituto da repercussão geral sobreveio como instrumento para desafogar o Supremo Tribunal Federal e racionalizar a sua atividade jurisdicional, restringindo o conhecimento dos recursos extraordinários àqueles que apresentem questão constitucional de tal relevância que sua solução seja do interesse da sociedade e não apenas das partes. Daí porque se tem falado na objetivação do julgamento dos recursos extraordinários a partir da implantação do requisito da repercussão geral. (DJe, 6 jun. 2011)

Ocorre que, ao fazer uso desse dever-poder, a Suprema Corte assume o ônus de dilatar o exame do recurso, que deixa de centrar-se na causa para ser focado na controvérsia nele revelada. A depender do grau de abstração da tese reconhecida como relevante no Plenário Virtual, será necessário, para o deslinde do conjunto amostral, que se proceda com a devida cautela, explicitando-se, ao máximo, a esfera de aplicação de cada entendimento.

Trata-se de verdadeiro mandado de otimização da atuação judicante, coadunado com os princípios da efetividade e da eficiência da prestação jurisdicional. Confere-se ao Supremo Tribunal, aqui, o prudente juízo de definir o grau de generalidade do qual se dotará a fixação da tese, permitindo-se que se resolva o máximo de controvérsias, em observância, inclusive, do postulado da celeridade processual, mas sem despir de tal maneira o caso de seus elementos essenciais que se inviabilize sua resolução adequada.

Sabe-se hercúlea a tarefa e, por tal razão, ganham os embargos de declaração nova dimensão. Constituem-se em oportunidade para que o Ministério Público e as partes possam destacar pontos de relevo envolvidos no deslinde da questão, evitando a necessidade um novo pronunciamento da Corte Suprema no futuro. Assim, conquanto possa não existir omissão ou obscuridade, considerados exclusivamente os termos da causa deduzida ao Tribunal na via extraordinária, o exame da tese, que impõe a análise de seus diversos matizes, conduz ao imperativo de esclarecimento de determinados pontos de eminente interesse jurídico e social, notadamente seus efeitos.

Tal assertiva serve tanto para o esclarecimento do âmbito de aplicação do julgado proferido, facilitando a tarefa de distinguish que também se impõe aos demais operadores do sistema na sistemática da amostragem, como à discussão da própria modulação de efeitos do acórdão. Nesta última acepção, válido recordar a lição do Ministro AYRES BRITO, nos Embargos de Declaração na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.797:

Nesse fluxo de ideias, é de se ter em mente que os embargos de declaração integram o julgado e consistem em meio de aperfeiçoamento da prestação jurisdicional. Se compete a esta nossa Instância Judicante, mesmo não havendo pedido das partes, modular os efeitos da decisão se presentes razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, a omissão em suscitar o debate sobre o cumprimento dessas razões é também nossa. E os embargos de declaração constituem a última fronteira processual apta a impedir que a decisão de inconstitucionalidade com efeito retroativo rasgue nos horizontes do Direito panoramas caóticos, do ângulo dos fatos e relações sociais. É dizer, panoramas em que a não salvaguarda do protovalor da segurança jurídica implica ofensa à Constituição ainda maior do que aquela declarada na ação direta. Passando o sistema constitucional a experimentar desequilíbrio entre o que se perde e o que se ganha com a declaração mesma de inconstitucionalidade. (DJe, 7 fev. 2013)

Assim, inquestionável o cabimento dos embargos de declara- ção para esclarecer os parâmetros de aplicação do presente julgado e a amplitude da modulação de efeitos nele operada. Acresce, como consectário lógico natural, a legitimidade do Ministério Público para opô-los, em observância à missão constitucional de defesa da ordem jurídica, o que implica, inafastavelmente, a preocupação com a pacificação social efetiva, que vá além da mera consagração formal da coisa julgada e se afirme como bússola nas práticas dos envolvidos em suas legítimas expectativas.

A pretensão, aqui, é esclarecer o teor do julgado nos pontos especificamente indicados, para que não paire qualquer dúvida a esse respeito e não se repitam inúmeras causas, eternizando a discussão no Judiciário brasileiro.

São apontadas, portanto, as seguintes omissões: (I) abrangência do pronunciamento quanto aos beneficiados por decisão judicial transitada em julgado; (II) abrangência do pronunciamento quanto aos beneficiados por decisão administrativa prolatada há mais de cinco anos e não impugnada judicialmente; (III) modulação de efeitos em observância à irredutibilidade de vencimentos e à segurança jurídica.

3. DAS OMISSÕES DO ACÓRDÃO

3. I. DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DA COISA JULGADA: ESCLARECIMENTO ACERCA DA ABRANGÊNCIA DO PRONUNCIAMENTO QUANTO AOS BENEFICIADOS POR DECISÃO JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO

A questão debatida neste tema, em razão das múltiplas rela- ções entre a Administração e seus agentes, foi trazida, em diferentes momentos, ao Judiciário. Acresce que, até considerado o entendimento anteriormente prevalecente no sentido da ausência de questão constitucional a ser apreciada pelo Pretório Excelso, várias causas já foram decididas, com decisão transitada em julgado e consequente inscrição da rubrica nas remunerações dos envolvidos.

É preciso salientar, portanto, tendo em conta a garantia constitucional da coisa julgada (art. 5º, XXXVI), que o mero julgamento, em repercussão geral, não tem o condão de desconstituir os títulos judiciais anteriormente formados.

Surge relevante, aqui, a distinção entre eficácia normativa e eficácia instrumental (ou executiva) dos pronunciamentos de inconstitucionalidade da Corte Suprema, em processos objetivos e em processos abstrativizados ou dotados de eficácia expansiva. Esta última reclama atuação, em instrumento próprio (recurso ou ação rescisória), da parte do interessado, não obstante a habilidade do controle de constitucionalidade de eventualmente até expungir a norma do ordenamento jurídico.

O debate foi recentemente travado no Recurso Extraordinário 730.462, relatado pelo Ministro TEORI ZAVASKI e cujo acórdão ainda não foi publicado, assim noticiado no Informativo 787 da Corte:

A decisão do Supremo Tribunal Federal que declara a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de preceito normativo não produz a automática reforma ou rescisão das decisões anteriores que tenham adotado entendimento diferente. Para que haja essa reforma ou rescisão, será indispensá- vel a interposição do recurso próprio ou, se for o caso, a propositura da ação rescisória própria, nos termos do art. 485, V, do CPC, observado o respectivo prazo decadencial (CPC, art. 495). Com base nessa orientação, o Plenário negou provimento a recurso extraordinário em que discutida a eficácia temporal de decisão transitada em julgado fundada em norma superveniente declarada inconstitucional pelo STF. À época do trânsito em julgado da sentença havia preceito normativo segundo o qual, nos casos relativos a eventuais diferenças nos saldos do FGTS, não caberiam honorários advocatícios. Dois anos mais tarde, o STF declarara a inconstitucionalidade da verba que vedava honorários. Por isso, o autor da ação voltara a requerer a fixação dos honorários. Examinava-se, assim, se a declaração de inconstitucionalidade posterior teria reflexos automáticos sobre a sentença anterior transitada em julgado. A Corte asseverou que não se poderia confundir a eficácia normativa de uma sentença que declara a inconstitucionalidade — que retira do plano jurídico a norma com efeito “ex tunc” — com a eficácia executiva, ou seja, o efeito vinculante dessa decisão. O efeito vinculante não nasceria da inconstitucionalidade, mas do julgado que assim a declarasse. Desse modo, o efeito vinculante seria “pro futuro”, isto é, da decisão do Supremo para frente, não atingindo os atos passados, sobretudo a coisa julgada. Apontou que, quanto ao passado, seria indispensável a ação rescisória. Destacou que, em algumas hipóteses, ao declarar a inconstitucionalidade de norma, o STF modularia os efeitos para não atingir os processos julgados, em nome da segurança jurídica. RE 730462/SP, rel. Min. Teori Zavascki, 28.5.2015. (Destaques acrescidos – Informativo 787 – 25 a 29 de maio de 2015).

Saliente-se que o raciocínio acima esposado, ainda que decorrente de julgamento em controle concentrado, se ajusta com ainda mais precisão à repercussão geral. O propósito desta, após o reconhecimento da tese, é fixar premissa pro futuro aplicável aos casos sobrestados e aos que vierem a ser levados ao Judiciário. Já os a ela anteriores, com crivo devidamente aperfeiçoado, não são automaticamente desconstituídos.

Acresça-se que o caso em análise, nos dizeres do Enunciado 343 do Supremo, revela indiscutível interpretação controvertida. Assim, na forma decidida pelo Plenário, no Recurso Extraordiná- rio 590.089, sequer há espaço para se alegar, com base no pronunciamento da Corte, violação à literal disposição de lei, como fez constar o Ministro MARCO AURÉLIO na ementa do citado precedente:

AÇÃO RESCISÓRIA VERSUS UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA. O Direito possui princípios, institutos, expressões e vocábulos com sentido próprio, não cabendo colar a sinonímia às expressões “ação rescisória” e “uniformização da jurisprudência”.

AÇÃO RESCISÓRIA – VERBETE Nº 343 DA SÚMULA DO SUPREMO. O Verbete nº 343 da Súmula do Supremo deve de ser observado em situação jurídica na qual, inexistente controle concentrado de constitucionalidade, haja entendimentos diversos sobre o alcance da norma, mormente quando o Supremo tenha sinalizado, num primeiro passo, óptica coincidente com a revelada na decisão rescindenda.

Assim, visando a evitar a multiplicação de ações infrutíferas na 1ª instância e com o fim de, antecipadamente, estabilizar o debate sobre a temática, é imperativo explicitar-se no acórdão, como resultado do exame dos presentes embargos, que os servidores amparados por decisão judicial transitada em julgado continuam com o direito de perceberem os quintos, na sistemática nela prevista, sendo incabível ação rescisória contra a decisão com base exclusivamente em violação à literal disposição de lei.

3. II. DA DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA: ESCLARECIMENTO ACERCA DA ABRANGÊNCIA DO PRONUNCIAMENTO QUANTO AOS BENEFICIADOS POR DECISÃO ADMINISTRATIVA PROLATADA HÁ MAIS DE CINCO ANOS E NÃO IMPUGNADA JUDICIALMENTE

Desde 2002, vários órgãos reconheceram administrativamente o direito de servidores à incorporação dos quintos: Superior Tribunal Militar (Questão Administrativa 2005.01.000306- 9/DF, Sessão de 11 de maio de 2005); Tribunal Superior do Trabalho (PA TST 23.456/2002); Conselho da Justiça Federal (Processo Administrativo 2004164940 – decisão de 14 de dezembro de 2004); Superior Tribunal de Justiça (Processo STJ 2.389/2002, decisão de 14 de dezembro de 2004); Ministério Público da União (Processo 1.00.000.010770/2004-47 – decisão de 21 de dezembro de 2004); e Câmara dos Deputados (Processo 001.980/2005, decisão de dezembro de 2005).

Apesar de constarem do processo e de estarem imunizadas por força do art. 54 da Lei 9.784/1999, o acórdão embargado não se pronunciou sobre essas decisões, tampouco sobre a decadência administrativa.

Não é demais lembrar o que dispõe o caput do referido dispositivo legal:

Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

Em diversas situações, o Supremo Tribunal Federal assegurou a incidência da citada regra e destacou a aplicação do princípio da segurança jurídica. Precedentes recentes: MS 31.477 AgR, Relator Ministro DIAS TOFFOLI, DJ, 13 mai. 2015 e MS 29.270 AgR, Relator Ministro DIAS TOFFOLI, DJ, 2 jun. 2014.

É certo que o entendimento da Corte Suprema é de que a decadência não se aplica a situação “flagrantemente inconstitucional” ou de “inconstitucionalidade prima facie evidente” (1) . A exceção, contudo, não pode ser invocada para afastá-la no presente caso.

Com efeito, a complexidade da causa, a ausência de entendimento uniforme entre órgãos do Judiciário a seu respeito, o tempo em que a questão vem sendo debatida e até mesmo a ausência de unanimidade entre os próprios ministros da Corte Constitucional em torno do tema demonstram que não se trata de situação “flagrantemente inconstitucional” ou de “inconstitucionalidade prima facie evidente”. É crucial, então, que, na modulação dos efeitos da decisão conste também a manutenção das incorporações implementadas há mais de cinco anos.

3. III. DA MODULAÇÃO DE EFEITOS: IMPERATIVO DE AMPLIAÇÃO, EM OBSERVÂNCIA À IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS E À SEGURANÇA JURÍDICA

A irredutibilidade de vencimentos é garantia constitucional (art. 37, XV), tal qual assegurado pelo próprio Supremo (2) . O mero julgamento, em repercussão geral, não tem o condão de desconstituir os títulos judiciais anteriormente formados e as decisões administrativas deferidas com a finalidade de assegurá-la aos servidores.

A redução de remuneração da categoria profissional pública tem efeito muito mais abrangente do que o mero desfalque no orçamento individual de cada agente. A decisão que nega a garantia da irredutibilidade, como a aqui embargada, repercute nas próprias manifestações de vontade que os agentes públicos formalizam enquanto agentes do Estado. A ofensa à irredutibilidade de vencimentos, hoje estendida não apenas aos magistrados, mas a todos os servidores públicos, pode abalar até mesmo a estrutura e as relações dos poderes constituídos.

O caráter de direito supraindividual da irredutibilidade de subsídios foi reconhecido pela Suprema Corte dos Estados Unidos há tempos. Tal como defendido pelo Relator do caso na Suprema Corte norte-americana, CHIEF JUSTICE WARREN BURGER, a irredutibilidade dos vencimentos não é apenas um “direito dos jurisdicionados”, mas sim um garantia “dos administrados”(3) .

De acordo com ANSELMO HENRIQUE CORDEIRO LOPES, pode-se dizer tratar-se de uma “prerrogativa do povo”, que decorre do mesmo ideário do Estado de Direito, porquanto tutela o bem jurí- dico fundamental segurança, sob a ótica dos administrados, do povo em geral, da categoria de agentes públicos e individual do agente. Destaca o autor o interesse da categoria, em primeiro lugar, por garantir para que a carreira não perca dignidade e prestígio, não se desfaleça em decorrência da baixa remuneração e não passe a enfrentar patologias administrativas. Eis, na sua lição, o verdadeiro interesse da segurança administrativa (4) .

A garantia está, ademais, diretamente relacionada à segurança jurídica, sobretudo se considerado ter sido a questão enfrentada em diversos procedimentos administrativos, nos respectivos órgãos, e litígios judiciais submetidos à apreciação e julgamento, inclusive, do Supremo Tribunal Federal.

Nesse contexto, convém relembrar o que destacou o Relator do presente feito, Ministro GILMAR MENDES, ao proferir voto no julgamento da Questão de Ordem na Petição 2.900, a respeito do princípio da segurança jurídica:

A propósito do direito comparado, vale a pena trazer à cola- ção clássico estudo de Almiro do Couto e Silva sobre a aplicação do aludido princípio [segurança jurídica]:

“É interessante seguir os passos dessa evolução. O ponto inicial da trajetória está na opinião amplamente divulgada na literatura jurídica de expressão alemã do início do século de que, embora inexistente, na órbita da Administração Pública, o principio da res judicata, a faculdade que tem o Poder Público de anular seus próprios atos tem limite não apenas nos direitos subjetivos regularmente gerados, mas também no interesse em proteger a boa fé e a confiança (Treue und Glauben) dos administrados. (…)

Esclarece OTTO BACHOF que nenhum outro tema despertou maior interesse do que este, nos anos 50 na doutrina e na jurisprudência, para concluir que o princípio da possibilidade de anulamento foi substituído pelo da impossibilidade de anulamento, em homenagem à boa fé e à segurança jurídica. Informa ainda que a prevalência do princípio da legalidade sobre o da proteção da confiança só se dá quando a vantagem é obtida pelo destinatário por meios ilícitos por ele utilizados, com culpa sua, ou resulta de procedimento que gera sua responsabilidade. Nesses casos não se pode falar em proteção à confiança do favorecido. (Verfassungsrecht, Verwaltungsrecht, Verfahrensrecht in der Rechtssprechung des Bundesverwaltungsgerichts, Tübingen 1966, 3. Auflage, vol. I, p. 257 e segs.; vol. II, 1967, p. 339 e segs.). Embora do confronto entre os princípios da legalidade da Administração Pública e o da segurança jurídica resulte que, fora dos casos de dolo, culpa etc., o anulamento com eficácia ex tunc é sempre inaceitável e o com eficácia ex nunc é admitido quando predominante o interesse público no restabelecimento da ordem jurídica ferida, é absolutamente defeso o anulamento quando se trate de atos administrativos que concedam prestações em dinheiro, que se exauram de uma só vez ou que apresentem caráter duradouro, como os de índole social, subvenções, pensões ou proventos de aposentadoria.”

[…] Considera-se, hodiernamente, que o tema tem, entre nós, assento constitucional (princípio de Estado de Direito) e está disciplinado parcialmente, no plano federal, na Lei nº 9.784, de 29 […] a segurança jurídica, como subprincípio do Estado de Direito, assume valor ímpar no sistema jurí- dico, cabendo-lhe papel diferenciado na realização da pró- pria ideia de justiça material. (DJ, 1º ago. 2003).

Dessa forma, na ponderação entre o princípio da legalidade, invocado como fundamento do acórdão embargado e o princípio da segurança jurídica, ambos de hierarquia constitucional, deve preponderar este último. É que o poder-dever do Judiciário de realizar o controle dos atos administrativos, com a possibilidade de invalidá-los, encontra limite temporal no princípio da segurança jurídica, não podendo os administrados ficar indefinidamente sujeitos à instabilidade originada da indefinição judicial a respeito de determinados temas.

4. DO PEDIDO

Ante o exposto, requer o Procurador-Geral da República sejam acolhidos os embargos, deixando-se expressa a modulação dos efeitos para que não sejam atingidos os servidores amparados por decisão judicial transitada em julgado e por decisão administrativa proferida há mais de cinco anos.

Brasília (DF), 12 de agosto de 2015.

Rodrigo Janot Monteiro de Barros

Procurador-Geral da República 

Rodapé:

(1)Nesse sentido, os acórdãos nos mandados de segurança 29.270 e 26.860, assim ementados: “Agravo regimental em mandado de segurança. Conselho Nacional de Justiça. Decisão que determina ao Tribunal de Justiça do Estado do Pará que promova o desligamento dos servidores admitidos irregularmente sem concurso público após a Constituição Federal de 1988. Aplicação direta do art. 37, caput e inciso II, da CF. Decadência administrativa. Art. 54 da Lei 9.784/1999. Inaplicabilidade em situações flagrantemente inconstitucionais. Apreciação conjunta, pelo CNJ, de pedidos de providências com objetos similares. Possibilidade. Desnecessidade de nova intimação. Duração razoável do processo. Apreciação das razões de defesa pelo CNJ e por comissão especialmente instituída no TJPA. Contraditório e ampla defesa assegurados. Agravo regimental não provido. 1. Configura o concurso público elemento nuclear da formação de vínculos estatutários efetivos com a Administração, em quaisquer níveis. 2. Situações flagrantemente inconstitucionais como o provimento de cargo na Administração Pública sem a devida submissão a concurso público não podem e não devem ser superadas pela simples incidência do que dispõe o art. 54 da Lei 9.784/1999, sob pena de subversão das determinações insertas na Constituição Federal. (Precedente: MS nº 28.297/DF, Relatora a Ministra Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgado , DJ de 29/4/11). 3. Quando configurada a identidade de objetos, não há violação do contraditório, mas, antes, respeito à duração razoável do processo, na análise conjunta pelo CNJ de pedidos de providência paralelamente instaurados naquele Conselho. Fica dispensada, na hipótese, nova intimação dos interessados, máxime quando suas razões forem apreciadas pelo CNJ e por comissão especialmente instituída no tribunal para o qual for dirigida a ordem do Conselho. 4. Agravo regimental não provido.” (Destaques acrescidos – MS 29.270 AgR, Relator Ministro DIAS TOFFOLI, DJ, 2 jun. 2014). e “[…] 4. In casu, a situação de flagrante inconstitucionalidade não pode ser amparada em razão do decurso do tempo ou da existência de leis locais que, supostamente, agasalham a pretensão de perpetuação do ilícito. 5. A inconstitucionalidade prima facie evidente impede que se consolide o ato administrativo acoimado desse gravoso vício em função da decadência. Recurso Extraordinário 638.115/CE titucional em torno do tema demonstram que não se trata de situação “flagrantemente inconstitucional” ou de “inconstitucionalidade prima facie evidente”. É crucial, então, que, na modulação dos efeitos da decisão conste também a manutenção das incorporações implementadas há mais de cinco anos.

(2) Nesse sentido: RE 696.009 AgR, Relator Ministro LUIZ FUX, Primeira Turma, DJ, 2 out. 2012;

(3) Suprema Corte norte-americana. O’Donogue v. United States.

(4) LOPES, Anselmo Henrique Cordeiro. A irredutibilidade remuneratória como garantia fundamental coletiva, p, 8. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/10202/a-irredutibilidade-remuneratoria-comogarantia-fundamental-coletiva. Acesso em: 10 ago. 2015.

 

 

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