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Desafios para o desenvolvimento econômico no Brasil no século XXI

Por Roberto Ponciano* 

INTRODUÇÃO

Este texto, feito para o curso de Especialização em Economia do CESIT-UNICAMP, tem como objetivo debater as idéias de desenvolvimentismo atuais, fazendo o cotejamento de alguns textos base de Bresser Pereira, Gonzaga Belluzo, João Sicsú, José Luís Oreiro, Aloízio Mercadante, Ricardo Carneiro, Ricardo Bielchowsky e Márcio Pochmann. É um texto de cunho acadêmico, mas também é um texto de um militante político, sindicalista, que expressa posição no embate entre Capital x Trabalho e no debate sobre um projeto de Nação para o Brasil nos próximo anos.

Ao fazermos a comparação dos textos, não os estaremos resenhando, mas fazendo a crítica e o debate sobre a atualidade do pensamento desenvolvimentista, sua pertinência, validade e também seus limites e desafios. A idéia de um projeto de nação tem de levar em consideração também os antagonismos e as diferenças de classe, as profundas desigualdades sociais, por fim, a luta de classes. No conceito de Nação não podemos omitir que esta nação tem classes diferentes com interesses distintos e que estes interesses simplesmente não desaparecem num “projeto nacional”. Evidentemente, que um projeto de desenvolvimento sustentável, de médio e longo prazo, em um país subdesenvolvido e dependente, leva a compromissos, táticos e estratégicos entre as classes e os atores sociais, compromissos estes de menor ou maior prazo de acordo com os objetivos traçados. Também leva em conta a inserção da economia brasileira no mundo, seu padrão de acumulação, sua dependência e possibilidades de emancipação, inclusive a necessidade da alto investimento educacional e tecnológico.

Assim, as comparações entre os diversos teóricos, tem por fim tirar conclusões sobre uma estratégia sustentável de crescimento nacional, com maior participação dos trabalhadores, com crescimento econômico a partir de substantiva igualdade e justiça social, pressupostos do social desenvolvimentismo. Não há crescimento sustentável sem valorização dos salários e redistribuição de renda.

BRESSER PEREIRA – O NOVO DESENVOLVIMENTISMO E A ORTODOXIA CONVENCIONAL

Começaremos o artigo discutindo o texto de Luiz Carlos Bresser Pereira, “O novo desenvolvimento e a ortodoxia convencional”, FGV-SP, 2006, até porque foi com a crítica do ex Ministro do Governo Fernando Henrique que se reinaugura o debate sobre o desenvolvimentrismo no Brasil, é necessário, academicamente separar as teses de Bresser do seu papel no Governo FHC, já que para a análise do trabalho acadêmico, seria prejudicial confundir as teses que ele defende, com as teses que o Governo de Fernando Henrique na prática esposou e que acabaram demonstrando sua ineficácia na grande crise de 98, pós eleições. A crítica aqui será ao material acadêmico de  Bresser e não a seu papel no Governo, material acadêmico que, inclusive, entra em contradição com a prática econômica neo-liberal do período FHC.

No artigo que inaugura a discussão do novo-desenvolvimentismo no Brasil, Bresser rejeita categoricamente os postulados do neo-liberalismo, por ele chamado de economia ortodoxa; de outro lado, entra em desacordo também com o nacionalismo do que ele chama “velho desenvolvimentismo”, que ele considera estatista, burocrático e ineficiente, após o fracasso das práticas neo-liberais postas em prática durante os dois governos Fernando Henrique: com a abertura comercial e financeira resultando numa grande crise de pagamentos em 1998 e num endividamento crescente do Brasil. Bresser problematiza quais seriam as formas de o Brasil atingir o desenvolvimento econômico através de um projeto de nação para o século XXI.

Bresser assinala que após os anos de desenvolvimento do capitalismo no Brasil (inaugurado em 1930 com Vargas e a substituição de importações, e que vai até o fim da década de 70), que coincidiu com a implantação da nossa base industrial, tanto de bens de consumo, quanto de bens de produção (tanto no Brasil, quanto nos países industriais da América Latina, como Argentina e México), há uma retração no desenvolvimenrto a partir da crise geral do capitalismo do fim da década de 70. O projeto de desenvolvimento de nação neste momento era baseado, segundo ele, na poupança interna, no investimento estatal e na substituição de importações (acelerada no período da II Grande Guerra Mundial, quando o país acumulou grande saldo comercial, desperdiçado no Governo Dutra); não obstante é um período de grande fluxo de capital internacional, com as grandes corporações internacionais instalando-se  no país. Todavia, fica claro para Bresser, que este desenvolvimento só foi possível a partir de um projeto nacional, inaugurada na era Vargas, continuada pelo segundo Governo Vargas e por Juscelino (Plano de Metas) e não interrompida sequer durante a ditadura (PNAD).

Para Bresser, a grande falha da economia ortodoxa (neo-liberal) seria não entender o papel do Estado no projeto de desenvolvimento, ainda que Bresser não seja um defensor do estatismo, ele concebe o desenvolvimento como um projeto de Nação que tem no Estado um indutor importantíssimo para que ele seja realizado a longo prazo, ele baseia suas idéias nos conceitos keynesianos em que o Estado tem papel fundamento tanto no investimento público, como no fomento ao investimento privado. Ele assinala a hegemonia keynesiana no Pós Guerra e no período de “ouro” do capitalismo, e a perda de hegemonia das teorias de Keynes a partir da grande crise dos fins da década de 70, com os economistas ortodoxas e suas políticas postas em prática nos Governos Tatcher e Reagan, mudando as relações econômico e financeiras na macro-economia mundial, para dar resposta a grande crise de liquidez do capitalismo. A crise do petróleo, o aumento da taxa de juros e o consequente endividamento dos países periféricos, a retração do Wellfare State e a consequente perda de direitos dos trabalhadores, são traços práticos que refletem na hegemonia neo-liberal cristalizada no chamado “Consenso de Washington”.

Bresser reafirma o papel da criação de um empresariado nacional, junto a uma tecnocracia estatal, setores médios e trabalhadores num projeto de Nação. Não fica claro o papel de cada seguimento neste projeto nacional, mas ele afirma que não há capitalismo forte sem projeto nacional e que as divergências internas entre as classes devem ser subsumidas pelo projeto de crescimento nacional. Fica a nossa crítica a este projeto nacional, que pode juntar num mesmo pacote agronegócio e pobres sem terra em “beneplácito da Nação”, como se um projeto de Nação fosse capaz de passar por cima de contradições antagônicas e anulá-las. Afinal, o que torna um povo uma nação? Um território? Uma língua comum? É possível um projeto de Nação quando há excluídos e deserdados? Bresser assinala também que a Ditadura Militar de 1964, com seu projeto de fazer crescer o bolo para depois o repartir, colocou forçosamente a esquerda em oposição a este projeto nacional, que era excludente e não levava em conta os interesses do proletariado.

Na década de 80, de hegemonia neo-liberal, os ortodoxos defenderam a perda de importância do projeto de Nação e de Estado, como se mesmo no auge do neo-liberalismo os Estados não cumprissem funções chave no desenvolvimento do capitalismo. Mesmo com a formação de grandes monopólios e oligopólios e a existência de corporações com PIBs maiores que a maioria dos Estados da Terra, o capitalismo só consegue prosperar e funcionar sistematicamente sobre a forma do Estado-Nação, o que faz inclusive Bresser afirmar o contrário, que só há projeto nacional sobre o capitalismo e o liberalismo político (estamos falando de instituições de democracia liberal e não de liberalismo econômico), o que no fundo é um contrassenso, haja vista que 74 anos de experiência socialista na União Soviética, posteriormente a 1945 também no Leste Europeu, mostrou que é possível a construção de um projeto de nação com alternativa socialista (em que pese todas as contradições do socialismo, o próprio desenvolvimento da indústria capitalista na Rússia se deu sob bases socialistas) e, contraditoriamente, o grande motor do capitalismo do Século XXI,  a China, se constitui como projeto de Nação e faz sua acumulação capitalista, após sua Revolução Socialista, sob primado político não liberal.

Dentre os primados do neo-liberalismo, estava a liberalização do comércio, com o fim das barreiras alfandegárias, a liberalização da conta Capital, com a perda do controle sobre o investimento externo e do fluxo de Capitais, com o desenvolvimento dos países dependentes agora calcados no Investimento Externo. O papel do Estado seria conter a inflação para dar estabilidade ao investimento externo, através de política de juro altos (que por sua vez atraíam mais capital especulativo e aprofundavam o endividamento), a perda do controle da taxa cambial, com câmbio flutuando ao gosto do mercado e perda do papel regulador dos Bancos Centrais de cada país; alguns tiveram sua economia completamente dolarizada, como o Equador e o Panamá. Para financiar tal aventura, foi necessário o endividamento do Estado e a privatização com alienação do patrimônio público para estabilizar minimamente as contas de cada Estado, já que era necessário um fluxo constante e grandioso de capitais, atraído pela redução da função do Estado e por poder controlar áreas estratégicas e lucrativas das economais destes países dependentes. A privatização garantia a entrada de dólares necessária para o funcionamento regular deste “novo capitalismo”. É claro que após todas as empresas terem sido vendidas começaria o fluxo de capitais para o exterior, com as remessas de lucro destas empresas e com o pagamento de altas taxas de juros, o que levou a uma grande crise em toda a América Latina no fim da década de 90.

Esta crise no mundo concreto leva um retorno às teorias desenvolvimentistas no fim da década de 90 e início do século XXI, Bresser, ainda que Ministro de um Governo que aplicou o neo-liberalismo na prática, é um dos primeiros a fazer a crítica desta ortodoxia que varreu economias e Governos na América Latina no fim do século XX. Bresser vai empreender o que ele auto-denominou uma “crítica ‘não populista’ à ortodoxia convencional, em 2003 ele escreve um artigo para a Folha de São Paulo em que auto-denomina esta crítica de novo-desenvolvimentismo e, em 2004, João Sicsú, organiza o livro, “Novo Desenvolvimento, um projeto nacional de crescimento com equidade”.

TERCEIRA VIA

Bresser propõe a criação de uma nova concepção de projeto de nação em economias coordenadas pelo Mercado. Segundo ele, uma terceira via entre a ortodoxia neo-liberal, da qual pretende se distinguir e afastar, de outro lado, uma crítica “às soluções populistas e simplistas de esquerda estatista”. Bresser vai relacionar o projeto de nação ao capitalismo (já fizemos a crítica a esta identificação tautológica em outra parte de nosso artigo), já que constata que o Estado-Nação é fundamental e inerente ao capitalismo, e não há Estado-Nação desenvolvido sem capitalismo desenvolvido. Mesmo na Globalização, em que alguns pregam o fim dos Estados Nacionais, Bresser reafirma que além da competição entre corporações, a Globalização é uma competição entre Estados Nacionais. Bresser defende a idéia de um projeto de Nação alicerçado num compromisso social básico entre diversos grupos nacionais, e afirma que o Brasil como Nação começa em 1930, com o compromisso entre o Estado, o empresariado Nacional, a classe média urbana e parte da classe trabalhadora sob Vargas, segundo Bresser:

esse nacionalismo não visa dotar a nação de um Estado, mas tornar o Estado já existente num instrumento efetivo da nação, que permita às nações modernas, vivendo no início do século XXI, buscarem de forma consistente, seus objetivos políticos de desenvolvimento econômico, justiça social e liberdade, em um quadro internacional de competição, mas também de paz e colaboração. Implica, portanto, que este nacionalismo seja liberal, social e republicano, incorporando os valores das sociedades industriais modernas.[1]

Ratificamos nossa crítica contra a idéia de se confundir projeto de nação com capitalismo, face à própria história recente da humanidade e classificamos isto como uma tautologia, daquelas antropoformizações da história pós festum, bem criticadas por Marx em “A ideologia alemã”, mas não é nosso objeto de estudo aqui a crítica a idéia de nação. Nosso objeto nesta parte do artigo é demonstrar que até um ex-Ministro do Governo FHC, face ao fracasso do projeto neo-liberal assinalado pela crise do endividamento resultante das política impostas pelo FMI e Banco Mundial, propõe políticas econômicas com rotas de fuga frente à ortodoxia neo-liberal.

Como assinala Bresser, o projeto de Nação Brasileira está ligada ao desenvolvimento da industrialização, começada na Era Vargas, na década de 1930, com momentos de crise e interrupção do projeto – sem que logicamente a Nação deixe de existir – , e continuada no período JK e mesmo, em que pese a grande concentração de renda e exclusão da Nação das decisões políticas, no planejamento econômico da Ditadura Militar. Mesmo nesta afirmação há contradição, já que na própria classificação de Bresser, para que haja um projeto de Nação, há que o Estado seja um instrumento desta, na Ditadura Militar, com a negação da participação política, havia a Nação participando no projeto?

A ideia de novo-desenvolvimentismo defendida por Bresser teria como objetivo alcançar o nível de desenvolvimento das nações de capitalismo avançado, baseado nos escritos econômicos de Keynes (não que Bresser seja um keynesianismo ortodoxo – observação nossa). Para isto, seria fundamental resistir às pressões externas, como por exemplo, não abrir a conta de Capital à dependência do Capital externo, mas depender da poupança interna, estimulada pelo Estado, em lugar de depender do investimento de poupança externa, o que nos tornaria reféns do Imperialismo econômico.

Para se chegar a isto, é necessária a criação de uma tecnocracia e uma burocracia autóctone capaz de fazer frente a este desafio, e a grupos de investimento nacional forte estimulados pelo Estado. Não é um Estado interventor, ou que controla ramos da produção, mas um Estado indutor de investimento e parceiro do Capital privado. Para isto, seria necessário investir em setores chave da economia, apostando no setor exportador, mas não de commodities, de produtos industrializados, no novo desenvolvimentismo de Bresser a indústria tem lugar chave, fundamental. Cabem duas observações para esta indústria, para o novo desenvolvimentismo de Bresser, a indústria brasileira não é primieva, o Brasil tem seu parque indústrial plenamente desenvolvido; dentro da nova organização do trabalho capitalista, o Brasil tem que se especializar na produção de bens duráveis ou de produtos de auto-valor agregado. O Estado não deve ser protecionista, ou mesmo controlar setores da economia, segundo as palavras do próprio Bresser, ele é “contra o protecionismo populista estatista”, mas deve aproveitar as oportunidades para investir nos setores que prometem ganhos altos no comércio internacional, o desenvolvimento nacional é fortemente alicerçado no setor exportador, ao contrário do antigo desenvolvimentismo que se estabelecia de acordo com a substituição de importações.

Esta desenvolvimentismo não é estranho à abertura de mercados e necessita de que haja um controle do Estado, com déficit público e endividamento decrescente; O novo desenvolvimentismo necessita de controle de câmbio que estimule a exportação de bens e controle da inflação, a taxa de juros está atrelada  a estas necessidades. Bresser se coloca na crítica à esquerda tradicional, embora ele faça crítica ao envididamento externo, ele não considera que esta seja a questão Central, mas sim conseguir mecanismos de financiamento permanentes para os setores industriais exportadores; não se pode garantir uma política permanente de crescimento apenas exportando commodities, neste ponto ele concorda com a crítica Cepalina às chamadas “vantagens competitivas”, na verdade, a indústria primária e extrativa brasileira, ao gerar recursos sem industrializar o Brasil, pode levar ao efeito contrário, o de nos condenar eternamente à condição de país subdesenvolvido. Ainda assim, Bresser não pode ser considerado (em que pese seu papel prático no Governo Neo-liberal de FHC) um liberal em termos teóricos, ele mostra que mesmo no auge do neo-liberalismo na América Latina, estas políticas nunca foram levadas a cabo de forma pura, e tiveram a necessidade de grande investimento estatal em várias áreas, levando mesmo ao crescimento do Estado em vários setores, seu modelo baseia-se mais no sucesso das economias asiáticas, ainda que ele não leve em consideração fatores importantíssimos, como, por exemplo, um Estado completamente diferente do Brasil no caso chinês, e um mercado de trabalho completamente diferente em outros países, com regulamentação precária, o que os faz ter oportunidades de competir aviltando o preço da mão-de-obra.

Ainda assim, Bresser propugna um novo eixo de projeto nacional, apoiado nos setores industriais visando ao mercado externo, combate ao predomínio do rentismo, controle da conta de capitais, utilização da poupança interna, através do  Estado para o desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Efetivamente, ele não alicerça o desenvolvimento no mercado interno e na ampliação e redistribuição de renda, estes para eles são consequências desejáveis deste desenvolvimento e não base para este; e os trabalhadores, ainda que apareçam citados, não são atores sociais importantes no desenvolvimento da nação, a não ser como mera força de trabalho a ser contabilizada no PIB; assim como o Estado indutor não é o Estado que investe diretamente, face, inclusive à fragilidade dos capitalistas nacionais. Ainda assim ele faz a crítica do Estado mínimo neo-liberal cuja função última e final seria apenas e de um Estado policial e tributador. Para ele, no neo-liberalismo, se reforma o Estado para o mercado, no desenvolvimentismo, se reforma o Estado para o bem da nação. Mas um dos seus pressupostos é um Estado que gaste menos para garantir o investimento nas áreas que interessem, cabe nossa crítica a este pressuposto, já que mesmo que o objetivo não seja pura e simplesmente o superávit primário para garantir o pagamento das dívidas (primado permanente herdado do Consenso de Washington e que não foi abandonado nem pelo Governo Lula, nem pelo Governo Dilma), não pressupõe que os gastos sociais do Governo, mesmo que gerem déficits em conta corrente, não têm efeitos dinamizadores e anti-cíclicos na economia.

Veja a comparação que Bresser faz entre o Novo Desenvolvimentismo e o Neo-Liberalismo através de seus tripés:

Ortodoxia neo-liberal:

a) Inflação baixa, através de taxas de juros altas;

b) Reformas para o Mercado, que garantam a liquidez para o rentismo;

c) Investimento alicerçado na poupança externa.

Tripé do Novo Desenvolvimentismo:

a) Estabilidade econômica, com inflação dentro da meta;

b) Estado forte e estratégia nacional de desenvolvimento;

c) Desenvolvimento com poupança interna.

Assim, há sutis diferenças entre o projeto de Bresser e o neo-liberalismo ortodoxo, não é o emprego ou o mercado interno um indicador importante, a nação aparece como projeto para o Capital, como compromisso econômico, mas não como agente deste projeto, ainda que seja a primeira crítica dos pressupostos que levarão o Brasil à grande crise no fim do Governo Fernando Henrique, que aumentou nosso endividamento e limitou assim nossa capacidade de fazer frente às pressões internacionais, já que aumentou nossa vulnerabilidade, é bom lembrar que ao fim do Governo FHC praticamente não tínhamos reservas internacionais em dólares para pagar nossos compromissos e estávamos à mercê da política do FMI e do Banco Mundial, que financiavam permanentemente nosso déficit, nos deixando completamente dependentes do rentismo internacional.

Segundo Bresser, a diferença entre o novo desenvolvimentismo proposto inicialmente por ele, e a ortodoxia (neo-liberal) estaria assentada nos seguintes tripés:

Ortodoxia neo-liberal:

a) inflação baixa, muitas vezes à custa de juros altos;

b) reforma do Estado para o mercado;

c) investimento a partir da poupança externa, dependência do Brasil em relação aos credores internacionais e abertura da conta Capital.

Já o novo desenvolvimentismo se alicerçaria em um tripé diferente:

a) estabilidade econômica (com inflação dentro de uma meta determinada);

b) Estado forte e estratégia nacional de desenvolvimento (Estado indutor);

c) desenvolvimento com poupança interna.

Ainda que o novo desenvolvimentismo já traga críticas ao neo-liberalismo, ele tem lacunas, aporias. Quando ele fala em Estado forte, coloca como objetivo o controle do gasto público, não entrando no fato de que o gasto do Estado brasileiro é importante não só para o investimento, mas para a redistribuição de renda, sendo assim uma das ferramentas para um crescimento estável e com equidade social. Do outro lado, vários desenvolvimentistas posteriores vão questionar a necessidade de poupança forçada pelo Estado, vendo no déficit sustentável de um Estado que promove o crescimento um instrumento de crescimento do PIB, o crescimento induzido pelo gasto estatal acabaria por financiar os déficits, não seria a poupança, mas o gasto público (num país com uma burguesia tímida nas decisões de investir) é que solidificaria um crescimento sustentável.

De qualquer forma, o novo-desenvolvimentismo faz críticas ácidas à abertura do país à voracidade do rentismo internacional, a abertura da conta Capital e o descontrole no mercado de ações, com ataques especulativos de curto prazo sangrando o balanço de pagamento e levando a um crescente endividamente interno e externo, seriam responsáveis à vunelrabilidade do Brasil e ao estancamento de seu crescimento, com o investimento migrando das áreas produtivas para o rentismo e se tornando parasita da dívida pública do Estado. Para isto o neo-liberalismo tem um receituário para dar “estabilidade ao mercado”: 1) controle de despesas do Governo para financiamento do déficit primário; 2) Banco Central limitado a controlar a inflação a partir da alta da taxa de juros, o que vira um ciclo vicioso de rentismo; 3) taxa de câmbio flutuante e sem intervenção do Governo, com abertura da conta capital. Isto é um receituário que, combinado, torna o Brasil uma presa fácil do rentismo internacional e depedente do socorro do FMI e do Banco Mundial, que aliás, ditavam a política econômica brasileira durante os dois governos FHC, este déficit crescente só podia ser financiado através de mais e mais empréstimos, que alimentavam o endividamento, e que tinham como lastro, a privatização de patrimônio público em valores depreciados, mesmo em áreas estratégicas para o desenvolvimento nacional. Era o receituário do Estado mínimo, policialiesco e garantidor do lucro do rentismo imperialista internacional.

Para Bresser, a receita para sair deste ciclo vicioso seria através de um crescimento sustentado em outros eixos: a) inflação sob controle e razoável pleno emprego; b) controle do déficit público e poupança positiva; c) taxa de câmbio administrada pelo Banco Central. Sobre esta parte do texto de Bresser, cabe-nos dizer, que embora o emprego não seja o centro da teoria bressiana, ele aparece finalmente citado, o que á é um avanço, haja vista que na teoria neo-liberal o emprego não é central; A teoria do novo desenvolvimentismo de Bresser, centrada nas exportações, não tem o mercado interno como motor, mas faz alusão à empregabilidade como importante na sustentabilidade do crescimento. Sobre o déficit público, preocupação central do desenvolvimentismo de Bresser, para gerar inclusive poupança interna, há uma série de críticas, haja vista que o gasto público foi central inclusive na recuperação do crescimento do PIB durante o fim do primeiro Governo Lula e durante todo o seu segundo Governo, e não necessariamente em investimento direto. Políticas como a do salário mínimo e o bolsa família geraram impactos positivos na economia exatamente no consumo de massas, incrementando a produção de bens duráveis e de consumo. Por último, a taxa de câmbio nem pode flutuar livremente, ao gosto de mercado, como propunham os neo-liberais, para que o Brasil não fique sujeito a ataques especulativos que levem a crises em suas reservas, nem pode ser administrada ferreamente pelo Banco Central, como no desastre da dolarização da economia brasileira, como aconteceu no Governo FHC: para manter o real ao par, sobrevalorizado, o Brasil tomou seguidos empréstimos ao FMI aumentando seu endividamento em dezenas de vezes. O saldo foi a quebra de vários setores industriais da nossa economia e uma dívida externa astronômica, com a quebra das reservas internacionais e com uma mega desvalorização do real, quando não houve mais possibilidade de se financiar este endividamento através da alienação do patrimônio nacional. A conta desta aventura, pagamos até hoje, no período que alguns historiadores chamaram de “a privataria tucana”.

A partir de 1990 é aplicado no Brasil a teoria dos “déficits gêmeos”, a defesa da liberdade total para os fluxos cambiais. Segundo esta teoria, o déficit externo de um país era conseqüência do seu déficit fiscal, este déficit público causa insuficiência de poupança nacional em relação a uma dada taxa de investimento. Assim, para que a taxa de investimento não seja reduzida torna-se necessário absorver poupança externa. Foi esse princípio,  que levou à fabricação de déficits em conta corrente  e a abertura da conta capital. Estes déficits em conta corrente seriam financiados pelo investimento externo, todavia, com a abertura da conta Capital e o descalabro no controle destes fluxos, boa parte do Capital que entrava era especulativo e remunerado a altas taxas de juros, provocava a desindustrialização do país, e o acúmulo de capitais no sentido inverso, do Brasil para o exterior, com endividamento em larga escala e total vulnerabilidade externa. Assim, a “redução do déficit estatal” consistia na verdade em retirar recursos da área social e de investimento para financiar esta ciranda financeira. Já falamos aqui das funestas consequências que teve não só no Brasil, mas em toda a América Latina a aplicação práticas desta teoria nos Governos: desindustrialização, entesouramento da poupança nacional no exterior, elevação monstruosa da dívida externa, desnacionalização da economia, perda de competitividade das economias latino-americanas, recessão, desemprego em massa. A dolarização da economia provocada por esta receita foi um grande fracasso e levou a crise econômica generalizada em 1998 no Brasil, no México em 1999, em 2001 na Argentina (com povo na rua e troca de Governo), marcam o fracasso do receituário neo-liberal em garantir o crescimento sustentável, com a eleição de diversos Governos comprometidos com políticas anti-cíclicas na região: Chávez, Menem, Lula, Evo, Correa; todos têm em comum tentar fugir do receituário neo-liberal.

Na conclusão do artigo, Bresser assinala o fracasso da ortodoxia (neo-liberalismo) e a necessidade de se criar uma nova teoria desenvolvimentista que dê conta de crescimento sustentável para o Brasil, com eixo num Estado indutor do desenvolvimento (não necessariamente um Estado que intervenha na economia), contenção do gasto público, mas com poupança interna, proteção da conta Capital e investimento sustentável autóctone.

Como em nosso artigo pretendemos comparar as diversas correntes de novo desenvolvimentismo, passaremos agora a um dos mais importantes economistas da chamada escola da Campinas (UNICAMP), Luiz Gonzaga Belluzo.

O NOVO ESTADO DESENVOLVIMENTISTA – LUIZ GONZAGA BELLUZO.

Belluzo começa sua crítica da ortodoxia historicizando a história do desenvolvimento da nação e do capitalismo no Brasil. Ele demonstra como o processo de desenvolvimento autóctone começa com Vargas em 1930, e explicita que havia sinergia entre o investimento público, comandado pelas estatais e o investimento privado, também nas décadas de 1950 (quando começa de maneira forte o investimento privado no Brasil) e continuaria pelas décadas de 60 e 70, em que pese a ditadura militar. O neo-liberalismo acabou com esta sinergia, privatizando e desnacionalizando setores estratégicos da economia nacional e perdendo a oportunidade de criar fortes grupos capitalistas nacionais esta, aliás, é para Belluzo uma das tarefas para fazer avançar o desenvolvimento do país, a criação de fortes grupos nacionais em setores estratégicos e de alta tecnologia, seja através do Estado, sejam em parceria com o investimento privado, seja através de financiamentos de grandes grupos capitalistas nacionais. Para Belluzo, esta deve ser uma das diretrizes do Pré-sal, que surge como uma commoditie capaz de gerar criar desenvolvimento econômico, já que as previsões mais pessimistas falam em 1 trilhão de dólares de reservas petrolíferas no Pré-sal, o que deve ser usado para desenvolver o país, evitando-se o que aconteceu com a Venezuela anterior ao Governo Chávez, tão bem analisada por Celso Furtado no livro: “Venezuela, subdesenvolvimento com abundância de divisas”, quando uma riqueza nacional acaba servindo para financiar os déficits do Estado e enriquecer apenas pequenos grupos, acabando por gerar desindustrialização (como o ouro e a prata fizeram com Espanha e Portugal em plena Revolução Industrial). Ter a commodity estratégica por si só não vai gerar desenvolvimento, sem uma estratégia definida de crescimento sustentado independente.

Para Belluzo, Vargas, com a política de encilhamento e a moratória para a dívida dos cafeícultores inaugura o desenvolvimentismo nacional, com a intervenção estatal. As medidas anti-cíclicas permitiram ao Brasil desenvolver-se em plena crise internacional do Capitalismo iniciada em 1929, com industrialização a partir dos lucros acumulados no café e substituição das importações. Foi com o Vargas que o Brasil passa de um país rural a um país industrial, com a implantação das indústrias de base, fundamentais à estruturação da industrialização no Brasil. Durante a Segunda Grande Guerra, o Brasil acúmula grande crédito internacional, através da implantação de indústria de bens não duráveis, dado o bloqueio comercial da Europa e a produção crescente de insumos, para alimentar o esforço de guerra nos EUA e na Europa, o Brasil dá um salto e passa de uma economia agrária para um moderno país capitalista, ainda que, com as mazelas do subdesenvolvimento. Vargas soube explorar as rivalidades intercapitalistas no período anterior à guerra e criou a indústria de base nacional.

Para isto, foi necessário o controle da economia pelo Estado, para investimento nas áreas consideradas prioritárias (Companhia Siderúrgica Nacional), e continuado no seu segundo governo, com a criação da Eletrobras, da Petrobras e do BNDES. O desenvolvimento nacional passava pelo investimento direto do Estado e o protecionismo à indústria nacional, com o patrocínio de grandes grupos nacionais e internacionais, muitas vezes em parceria com o Estado. Para garantir a sustentabilidade deste desenvolvimento, Vargas trabalhou a legislação trabalhista e uma certa proteção à classe trabalhadora. Ainda que não fosse um revolucionário, ou um socialista, Vargas entendia que um mercado de trabalho protegido gerava o necessário mercado de consumo interno fundamental ao crescimento sustentável da nação, com Vargas nasce pela primeira vez um projeto de desenvolvimento nacional sustentável.

O período de crescimento sustentável é interrompido pelo Governo Dutra, que esbanja de forma inútil as reservas acumuladas na Segunda Grande Guerra em troca de investimento direto estrangeiro, muitas vezes em áreas não estratégicas. Dutra estava muito abaixo de Vargas como estadista e o Brasil vive uma lacuna em seu projeto de desenvolvimento. Esta lacuna termina com o retorno de Vargas ao poder, desta vez eleito diretamento. Vargas cria, além da Petrobras, o Banco de fomento ao desenvolvimento nacional, o BNDES (fundamental até hojes) e a Eletrobras. Este  projeto nacional sera tragicamente interrompido com seu suicídio, que adiou a sanha golpista que retornara na posse de JK, na posse de Goulart e que finalmente obterá sucesso em 1964.

O projeto de desenvolvimento sustentável nacional continuou com a eleição de Juscelino Kubitschek; seu plano de metas, de 50 anos em 5. Com JK o Brasil recebe pesado investimento externo, se introduz a indústria automobilística, mas o Estado tem papel fundamental investindo nos setores chave e através do plano de metas, controlando o crescimento econômico. O crescimento foi financiado pelo BNDES e o Brasil crescia a taxas nunca antes vistas, de 7% ao ano, criando uma moderna classe média e um grupo de tecnocratas fundamentais ao Estado moderno. Funda-se Brasília, há um investimento pesado na Educação e se criam novas universidades. O projeto desenvolvimentista tem seu auge em JK, com o investimento na indústria de bens duráveis e de consumo e o apoio ao capital nacional e estrangeiro, através de financiamento público.

Belluzo assinala que mesmo durante a ditadura militar (duro golpe contra a classe trabalhadora no Brasil), se mantiveram projetos de crescimento nacional, com todas as contradições que isto significou. Um desenvolvimento sem a participação da nação, e um crescimento em que o bolo crescia mas não era repartido, criando uma desigualdade social imensa que até hoje é um dos obstáculos ao desenvolvimento. Mas efetivamente, durante a ditadura, o Estado continuava como indutor da economia. Com o neo-liberalismo há uma interrupção de qualquer projeto de crescimento nacional sustentável e autônomo:

CONSENSO DE WASHINGTON E GLOBALIZAÇÃO

Belluzo começa então a crítica do neo-liberalismo, cita ele o que seriam os pressupostos do Consenso de Washington:

1)              a estabilidade de preços criará condições para o cálculo de longo prazo, estimulando o investimento privado.

2)              A abertura cambial (e a valorização cambial) imporia disciplina competitiva aos produtores domésticos, forçando-os a realizar ganhos substanciais de produtividade;

3)              as privatizações e os investimento estrangeiro removeriam gargalos de oferta na indústria e na infraestrutura, reduzindo custos e aumentando a eficiência;

4)              a liberalização cambial, associada à previsibilidade quanto à evolução da taxa real de câmbio, atrairia ‘poupança externa’  escala suficiente para complementar o esforço de investimento e para financiar o déficit em conta corrente;

5)             o desbordamento da renda e da riqueza, promovida pelo dinamismo incitado pelos mercados e pela ação localizada das políticas sociais, é a forma mais eficiente de reduzir as desigualdade e eliminar a pobreza.

Esta cartilha de abertura da conta Capital, com financiamento externo do déficit através da desnacionalização da economia, afetou negativamente as economias dos países da América Latina, levando à desindustrialização. Em lugar de aumentar a competitividade, o câmbio supervalorizado, financiado pelo endividamento externo, levou a supressão de setores inteiros da economia e fechamento de indústrias em vários setores, ou seja, acarretou a desindustrialização. O mercado, largado a seu próprio funcionamento caótico, não removeu os entraves ao desenvolvimento, buscando lucro fácil em setores esparsos e o resultado foi desemprego em massa, envididamento e retrocesso da atividade produtiva. O fetichismo do dinheiro, como bem assinala Belluzo, de que o dinheiro é capaz de gerar dinheiro sem base no crescimento produtivo, levou, depois da euforia inicial a crises seguidas nos mercados.

O crescimento do Brasil neste período foi apoiado em privatização e perda do papel do Estado como indutor do desenvolvimento e na exportação de commodities, altamente procuradas pelo crescimento industrial da China. É claro que esta receita de “crescimento” neo-liberal não podia gerar crescimento sustentável e o resultado foi crise no emprego e na renda, ainda que com  a redução da inflação. As privatizações não criaram grupos nacionais fortes para competirem em setores chave e fazerem como que a acumulação de capitais se desse no Brasil, o resultado é que o Brasil ficou vulnerável a ataques especulativos e o real continuo a ser uma moeda fraca, com o Brasil sofrende de falta de competitividade no mercado internacional. O fracasso do modelo neo-liberal nos deixou como legado sim, uma inflação sobre controle, mas desindustrialização, desemprego, multplicação da dívida externa, perda das reservas cambiais, aumento da desigualdade social.

Um projeto de país que seja sustentável não pode ter como lastro a anarquia dos mercados, mas sim a criação de grupos nacionais fortes em setores estratégicos (incluindo-se os de alta tecnologia e de alto valor agregado), sejam eles privados, públicos ou em parcerias; aumento do emprego e do salário (redistribuição de renda); Estado indutor, controle da Conta capital e do investimento externo para evitar ataques especulativos; câmbio flutuante, mas sob intervenção do Banco Central para proteção das nossas reservas. O Pré-Sal é um momento privilegiado em que o Brasil pode transformar o lucro de uma commoditie valorizada e de procura permanente e crescente, em estratégia de desenvolvimento de longo prazo. Belluzo cita como exemplo a China, em que o Governo ainda que incentive, tem total controle sobre o Investimento Direto Internacional, os bancos são públicos, ou seja, o Governo tem controle total sobre o mercado de capitais, e o câmbio é desvalorizado para patrocinar a competitividade da indústria chinesa. Este câmbio desvalorizado não gera déficits para o país, já que a balança comercial chinesa é continuamente positiva, fazendo com que a poupança acumulada em dólares deixe sempre estável e favorável o balanço de pagamento chinês. A China é a prova concreta de que no auge do neo-liberalismo, o crescimento sustentável foi construído no contrapelo dele. De negativo, a asianização da mão-de-obra. Na Ásia, parte da depreciação dos produtos vêm também da depreciação do valor da mão-de-obra, o que cria uma pressão negativa na valorização dos salários.

Segundo Belluzo, no Brasil, parece que tanto um lado como o outro não fizeram esforço no sentido de compreender as transformações que ocorreram nos últimos 30 anos. Para ele a esquerda continua prisioneira de um estatismo míope e inibidor do investimento privado, enquanto a direita aposta num nacionalismo míope que nunca existiu. Como exemplo damos o caso da Petrobras, que através do sistema de Partilha, sancionado pelo Governo Lula deu um grande passo á frente no sentido no controle da extração, investimento no Pré-sal e alocação de recursos posteriores. Boa parte da esquerda, no meio do debate do Pré-sal, posicionou-se contra, defendendo como única forma de avanço a reestatização total da companhia. Mesmo que o sistema de Partilha garanta mais de 70% do lucro para o Brasil, e o país não tenha recursos suficientes para investir no Pré-sal sozinho sem endividamento externo, condenaram um sistema de parceria que a Petrobras fez estrategicamente com a China, que coloca inclusive esta commoditie brasileira como estratégica e preferencial no desenvolvimento chinês. Diante de um avanço da nação, que pode ser revertido inclusive para a saúde e educação, tinham apenas o mote de que não se podia explorar o Pré-sal em parceria com nenhum país do mundo.

É claro que Belluzo afirma que não se procura copiar modelos, na China existe um Estado forte que caminha no sentido de um Estado Democrático de Direito, sob o comando do Partido Comunista Chinês. No Brasil temos uma democracia capitalista com alternância de poder, que é um desafio inclusive para um projeto sustentável continuado de nação. Além disto, há o controle total de Capitais, mesmo com forte investimento externo (coisa que não temos no Brasil), câmbio desvalorizado e estável (com reservas de 2 trilhões de dólares) e uma baixa inflação. No Brasil, todas estas questões são um desafio, ainda que o Governo controle 50% do sistema bancário (CEF, BB e BNDES) e do crédito, estamos vulneráveis a ataques especulativos e não conseguimos praticar baixas taxas de juros sem uma crescente oposição do rentismo externo e interno.

Para Belluzo, a política cambial, mantendo o real no valor que torne a indústria nacional competitiva, a política fiscal e monetária tem relações muito profundas. Mas Belluzo, aposta num Estado não só indutor, mas que, quando necessário invista sozinho ou em parceria em áreas estratégicas, que financie através do BNDES os grandes grupos nacionais, que tenha uma política de investimento permanente. O gasto público tem de ser eficiente, mas a poupança no gasto público não é um bem em si mesmo, a política de redistribuição de renda e de aumento do salário mínimo dinamiza a produção nacional e fortalece o mercado interno. Ao contrário de Bresser, Belluzo além dos grupos empresariais fortes nacionais em áreas estratégicas, de alto investimento de capital e tecnologia (adensamento das cadeias produtivas), não acha que apenas a produção para exportação seja o lastro do desenvolvimento do país. Um mercado interno forte, através da distribuição de renda e do crescimento interno, pode equilibrar as perturbações no mercado internacional, assim, o desenvolvimentismo de Belluzo tem uma centralidade maior no Estado Nacional, no adensamento de cadeias e na industrialização pesada e no crescimento do mercado interno, para eles, estes fatores podem levar a um ciclo virtuoso de crescimento sustentável.

PARA QUE UM NOVO DESENVOLVIMENTISMO? JOÃO SICSÚ, LUIZ FERNANDO DE PAULA E  RENAUT MICHEL

Neste trabalho feito em parceria pelos economistas João Sicsú, Luiz Fernando de Paula e Renaut Michel, e organizado por Sicsú, se baseia a idéia de um novo desenvolvimentismo na teoria de Keynes e de keynesianos contemporâneos como Paul Davidson. Sicsú trata o chamando neo-liberalismo como uma anacronismo, já que a teoria da mão invisível e do Estado mínnimo, estão ligadas a uma fase em que o capitalismo estava consolidando-se, na primeira Revolução Industrial. Adam Smith, a “mão invisível” do mercado, e o ajuste entre a oferta e a demanda, são teorias de um capitalismo não monopolista, que não havia passado ainda pela grande crise de 29, ou mesmo pelas duas grandes guerras mundias, síntomas da crise capitalista e da competição imperialista intercapitalista. Estamos numa fase imperialista, de corporações monopolistas, em que há intensa influência das corporações inclusive chantageando governos para obter vantagens e retirar direitos. Na verdade, o neo-liberalismo propugna o Estado mínimo para obter vantagens dos Governos, chantageando Estados e nações. Assim, para países subdesenvolvidos, que são vítimas do atraso teconológica e da dependência financeira, sem a intervenção de um Estado que fomente o investimento e o desenvolvimento das cadeias produtivas, é impossível chegar ao nível de desenvolvimento das grandes potências. Assim, o novo desenvolvimentismo se baseia na idéia de fim do Laissez Faire e do Estado intervencionista propugnado por John Maynard Keynes ainda na década de 20.

Assim, para João Sicsú, o Estado deve ser forte e intervir na economia, regular o sistema financeiro, para proteger o país e a economia nacional dos ataques especulativos e pelos desequilíbrios causados pelo rentismo internacional, também deve regular a concorrência de forma a impedir o desaparecimento das pequenas e médias indústrias, engolidas pelo força dos oligopólios dos diversos setores (como exemplo os oligopólios de supermercados e grandes lojas de varejo – Carrefour-Bom Marché no Brasil). Este Estado deve ter políticas macro-econômicas anti-cíclicas e anti-monopolistas, de expansão do mercado de trabalho e consumidor, que ajude com isto a aumentar o PIB, ao ajudar no crescimento sustentado, a partir do mercado interno. Neste ponto, João Sicsú está mais próximo de Belluzo que de Bresser, já que aposta no pleno emprego e no aumento do mercado consumidor para manter a estabilidade do crescimento.

Este Estado deve blindar a conta Capital, de forma que o IDE não seja apenas investimento especulativo, de maneira que o Estado taxe o investimento especulativo e incentive o investimento produtivo e a industrialização, o fluxo de capitais não pode ser aberto, para evitar a fuga massiva de capital e a acumulação de poupança no exterior. Para isto, é necessário que a taxa de câmbio não seja vulnerável. Sicsú não defende uma taxa de câmbio fixa, mas defende que o Banco Central aja de forma a que a taxa de câmbio incentive a indústria e a exportação.  Segundo Sicsú, o novo desenvolvimentismo deve se basear na conta Capital, diferentemente do antigo, que se baseava na balança de pagamentos, não é somente o superávit nas exportações, mas o que se exporta, o Brasil não pode se restringir a ser um mero exportador de commodities. Este novo desenvolvimentismo tem um traço social, com pleno emprego e equidade social (redistribuição de renda).

Para isto, há que se trabalhar no adensamento da cadeia produtiva, os setores tecnológicos de ponta devem ser incentivados, para que o Brasil consiga superar o fosso tecnológico, para isto é necessário que se invista em pesquisa, educação e inovação. O Brasil necessita investir pesado no setor de inovação, de forma que não produza só bens de consumo duráveis, mas também bens de capital: know how, equipamento pesado, tecnologia de ponta. Adensamento de cadeias é fundamental para a manutenção do crescimento sustentável, de forma que o Brasil produza de forma autóctone produtos e tecnologias, e não seja um mero importador, ou  montador de tecnologia importada. Só desta forma poderemos superar a assimetria no nosso desenvolvimento com relação ao desenvolvimento das grandes nações industrializadas capitalistas. Temos que ter grandes grupos empresarias, sejam privados, públicos ou em parceria, em todos os setores chave. O Brasil é, por exemplo, o único país capitalista com indústria madura, desenvolvida, que tem uma gigantesca frota de automóveis e não tem sequer uma empresa autenticamente nacional. China e Coreia investiram em empresas próprias e faturam no balanço de pagamento com suas indústrias de carro pelo mundo.

A falta de inovação levou à perda de competitividade na América Latina, as décadas de 80 e 90 viram o continente latino-americana perder participação industrial para a Ásia e sua indústria ficar para trás na competição tecnológica. Para se retomar a participação do nosso país e das indústrias latino-americanas, é necessário que no projeto nacional de desenvolvimento destes países, a questão da ampliação da base industrial e tecnológica seja uma das premissas sine qua nom, não há crescimento possível no século XXI sem autonomia teconológica.

Por fim, Sicsú diz que este projeto não é possível sem que haja uma forte base de equídade econômica, sem mexer na estrutura de classes no Brasil. Não que seja uma previsão revolucionária, mas efetivamente, mesmo para um desenvolvimentismo capitalista, é necessário um maior equilíbrio social. O aumento do mercado interno, com uma política de aumento do salário mínimo e de redistribuição de renda fomentada pelo Estado, imposto progressivo e não sobre a produção, mas sobre o lucro, que efetivamente dê a estrutura de demanda que torne possível um crescimento continuado. A nosso ver, as observações de Sicsú dialoga melhor com as teses de Belluzo, que as de Bresser, principalmente no que tange à questão da defesa do mercado interno, estas teses que baseiam a continuidade do desenvolvimento num maior equilíbrio social, são chamadas por muitos também de sócio-desenvolvimentismo.

JOSÉ LUIZ OREIRO – A MACRO ECONOMIA ESTRUTURALISTA E O NOVO DESENVOLVIMENTISMO

Segundo Oreiro, esta nova economia estruturalista do desenvolvimento estaria baseado nas teorias de Keynes e de Prebisch (CEPAL), teria por base o equilíbrio das balanças de pagamento dos países que não possuem moeda forte. Para isto, seria necessário o aumento da participação da indústria no balanço dos pagamento dos países (modelo de desenvolvimento chinês), para que haja um desenvolvimento de longo prazo. Ela entra em contradição com o neo-liberalismo que via no Estado como único papel o controle da inflação e a garantia do livre mercado, para manter o desenvolvimento de longo prazo, na idéia do “equilíbrio natural da oferta e da demanda”. Na verdade, com a abertura da conta Capital, o neo-liberalismo levou a intensos desequilíbrios na economia latino americana.

Oreiro demonstra que choques temporários na renda e na PIB tem efeitos duradouros, tanto no sentido negativo, quanto no positivo. Assim, as crises de liquidez do Brasil e da América Latina que levaram setores inteiros à insolvência, tiveram um efeito perdurado de crise, já que afetaram de forma destrutiva o emprego e a renda. De outro lado, políticas anticíclicas, que redistribuem renda, aumentam a demanda nos setores de bens de consumo, de bens duráveis e, depois de um período demorado afetam também o setor de bens de produção pesada.

Para Oreiro, a sobrevalorização cambial é um entrave à industrialização, já que a demanda por exportações, para o crescimento continuado do país tem que ser maior que demanda por importação. Assim, há que se priorizar os setores que tem condições de produzir para exportar, estes setores tem que estar perto da fronteira tecnológica, para poder competir internacionalmente, e há que se ter uma indústria diversificada. A sobrevalorização do câmbio, derivada, por exemplo, pela valorização de alguma commoditie, pode levar a chamada “doença holandesa”, que seria uma estagnação da produção industrial, com desindustrialização, redução da taxa de crescimento e aumento da proporção de emprego na taxa de serviço. Sem indústria variada, o país ficaria a mercê de ataques especulação, por acumular continuado defícit em conta corrente, haja vista que o preço dos produtos industrializados e de tecnologia de ponta são maiores que as commodities, fazendo com que o país tenha que exportar cada vez mais e maiores quantidades de commodities para comprar menos produtos industrializados. Isto leva ao acúmulo de dívida externa e interna e crise no balanço de pagamentos.

A leitura de Oreiro aproxima-se da de Bresser, no sentido de que o Brasil para ter uma estratégia de crescimento continuada, deve focar-se nas indústrias que competem internacionalmente e tem condições de exportar e acumular divisas.  Oreiro, como Bresser assinala o fracasso do neo-liberalismo, mostrando as crises no México (1994), Brasil (1998) e Argentina (2001), como fracasso prático do receituário do consenso de Washington. Para Oreiro, o novo desenvolvimentismo estruturalista é o receituário para o crescimento de países democráticos de capitalismo diversificado. Nossa crítica aqui é no sentido de que os países asiáticos que conseguiram sucesso em seu receituário de crescimento, não necessariamente tem democracia com alternância no poder. A China, motor do desenvolvimento mundial, em que pese sua modernização, inclusive em relação ao Estado Democrático de Direito, está muito longe de ser um modelo de democracia liberal. Lá há um Estado forte, controlado pelo Partido Comunista Chinês. Além disto, o trabalho na Ásia é menos regulado e protegido do que no Brasil e em outros países latino-americanos. Assim, o modelo asiático tem algumas incongruências para ser adaptado aqui.

Oreiro demonstra que, com a deterioração dos meios de pagamento, em países sem moeda forte como o Brasil, é necessário a intervenção do Estado para garantir o mínimo de equilíbrio fiscal e do câmbio. Uma política de câmbio que nos salve do rentismo. Além disto, o Brasil já passou da fase da indústria infante, ainda que haja uma oferta grande de mão-de-obra, o trabalho no Brasil é regulamentado e possui direitos que foram fixados por décadas de luta da classe trabalhadora, então nossa competitividade não pode se dar pelo barateamento e pela miséria da classe trabalhadora. Também é necessário uma política industrial que garanta a nossa competitividade industrial.

Assim, para Oreiro o Estado desenvolvimentista tem que ter as seguintes orientações:

Investir em indústrias estratégicas e  no setor industrial que tenha competitividade internacional. Para isto, ou se reduz o chamado “custo Brasil” (barateamento da mão-de-obra) ou se aumenta o aporte de tecnologia para poder competir. O Estado tem que ser eficiente e ter responsabilidade fiscal para diminuir seus gastos, deve fazer tudo para evitar a chamada doença holandesa, já explicada anteriormente. As teses de Oreiro dialogam de perto com as teses de Bresser.

Nossa crítica é no sentido de que efetivamente as políticas anticíclicas implementadas pelo Brasil, e que obtiveram relativo sucesso no sentido de evitar que o Brasil sucumbisse à crise de 2008, tiveram base não no setor exportador, mas no crescimento do mercado interno, na redistribuição de renda e numa demanda continuada baseada no crescimento da renda nacional. O desenvolvimentismo a longo prazo que não levar em conta, como prioritário o fator trabalho, emprego, pode estar fadado ao fracasso, setores exportadores, mesmo industriais, quando voltados apenas para o mercado exterior, podem limitar seus efeitos multiplicadores, ao assentar seu crescimento continuado num mercado internacional cuja demanda é menos garantida que a do próprio mercado interno. Sem cair na tentação de substimar a importância deste mercado externo, a variante salário e emprego foi crucial nos últimos anos no crescimento do Brasil.

RICARDO CARNEIRO – VELHOS E NOVOS DESENVOLVIMENTISMOS

Seguimos com o nosso artigo que faz um apanhado crítico da discussão do desenvolvimentismo no Brasil, agora discutimos o texto de Ricardo Carneiro, velhos e novos desenvolvimentismos no Brasil. Ele começa analisando a retomada do crescimento na América Latina, a partir dos primeiros anos do século XXI, que não por acaso coincidem com eleição de  governos que tem um receituário anti neo-liberal. Venezuela, Brasil, Argentina, Equador, Bolívia, Nicarágua, Chile, estes governos são resultado direto do fracasso do receituário neo-liberal. Com políticas anti-cíclicas, e de redistribuição de renda, conseguem diminuir a grande crise de Wall Street de 2008, que provocou crise na maior parte da Europa, recessão e desemprego, tanto na União Européia quanto nos EUA. O Brasil, com uma política de aumento salarial e redistribuição de renda, e incentivo a produção de bens de consumo, com diminuição de impostos e crédito direto ao consumidor, conseguiu passar por este período sem entrar em recessão, ou ter impactos destruidores no balanço de pagamento.

Carneiro fundamenta o desenvolvimentismo com base nas ideias da CEPAL (1949) e seu principal economista, Prebisch, que fez a crítica das vantagens comparativas. Na verdade, estas ditas “vantagens” comparativas poderiam levar um país a se fixar em ser produtor de produtos primários, commodities, como aconteceu, por exemplo, com a Venezuela, cujas divisas na exportação de Petróleo não serviram para impulsionar a criação de uma moderna indústria nacional e o adensamento da cadeia produtiva, pelo contrário, fez com que o país orbitasse numa espécie de neo-colonialismo, financiando sua balança de pagamentos através do petróleo, e importando a maior parte dos bens industrializados, com a renda do petróleo ficando restrita a uma minoria privilegiada de tecnocratas. O trabalho da Cepal original de fundamenta num desenvolvimento com base na industrialização e na substituição da importação por uma indústria autóctone. A base do desenvolvimento de um país, segundo a Cepal, é baseado na industrialização, principalmente D1 e D2, bens de produção e bens de consumo duráveis. A autonomia tecnológica e industrial e um dos principais ítens para medir o desenvolvimento de um nação e responsável pelo crescimento sustentável do PIB.

Para isto, é necessário também se criar um mercado interno, para que haja a diversificação do parque industrial, é necessária uma classe média dinâmica e uma classe trabalhadora que não esteja na miséria, a pobreza é um empecilho para o desenvolvimento das nações da América Latina. Para isto, é necessário superar o déficit tecnológico e industrial, investindo-se na pesquisa e na educação, desde o nível fundamental ao superior. É necessário também o fortalecimento da moeda e o controle do câmbio para se evitar os ataques especulativos que podem quebrar os países e levar à desindustrialização. Celso Furtado mostra que as tais “vantagens comparativas” na verdade levam a uma continuidade do subdessenvolvimento, com os países latino-americanos especializando-se em produzir ben primários e de baixo valor agregado na divisão internacional do trabalho. Sem superar esta condição de produtores de commodities, é impossível superar o subdesenvolvimento, que tem causas políticas e históricas, não é um fato meramente tecnocrata. Estas construções históricas dividem as nações em economias centrais e periféricas, com as nações centrais do capitalismo colocando todo o tipo de entraves para que as  nações subdesenvolvidas não ascendam a seu nível, competindo em patamar de igualdade no mercado internacional.

Para superar tal quadro, é necessário investir em inovação, também é necessário que se possamos investir a produção, de forma que ela não tenha entraves e fique ociosa, competir nas áreas de maior acréscimo tecnológico no mercado internacional (não só nas commodities), buscar com o aporte de recursos públicos, nossa autonomia tecnológica. É ncessário, em países como o Brasil, que tem uma burguesia nacional que muitas vezes não têm um padrão agressivo de investimento o suporte no investimento a partir do Gasto Público, e mesmo que o Estado atue em parceira, ou solitariamente, nas áreas em que é necessário investir, mas o empresariado nacional não o faz. Como, por exemplo, o alto investimento do Governo Lula e Dilma no saneamento, diante de um quase total interesse da iniciativa privada e o forte investimento em moradia feito através da Caixa Econômica Federal. Não é possível superar o subdesenvolvimento se não tivermos incentivos contra o bloqueio do progresso técnico.

Segundo Carneiro, no Brasil há investimento intensivo de Capitais em determinados setores, de lucro certo e rápido, mas limitados em setores de demanda prioritária para o desenvolvimento do país, mas cujo retorno demanda um período de tempo maior, como por exemplo, a logística. O Governo Federal, tem sido o responsável por investir, por exemplo, na malha ferroviária de cargas, em locais cujo lucro e retorno demandará um período mais alto de tempo. Os setores de logística, se operados de forma correta, demandam incrementação técnica e criação de know how (vide prospecção de petróleo em águas profundas), o que gera competitividade internacional para o país.

No Brasil ocorreu uma queda da empregabilidade do capital devido a gargalos técnicos, a eficiência marginal do Capital no Brasil viu-se afetada pela política de juros altos, que incentivou o rentismo e gerou alto padrão de envidamento. É necessário uma política de juros que incentive permanentemente a industrialização em lugar de inibi-la. Logo após o plano de metas, houve uma ociosidade da indústria nacional devido a insuficiência de consumo. Assim, renda e emprego é fator fundamental para um desenvolvimento sustentável. A concentração de renda na Ditadura Militar, em que pese seus planos de metas, só aumentou esta barreira a um crescimento sustentável, já que não criou um mercado consumidor com poder aquisitivo suficiente para gerar demanda para a capacidade ociosa da indústria. O desenvolvimento feito em cima das exportações, no capitalismo monopolista, acabou gerando uma industrialização extremamente dependente do mercado internacional. Assim, Ricardo Carneiro, mostra que esta dinâmica ainda que com base: 1) numa substituição de importações e industrialização; 2) gera um desenvolvimento dependente, periférico e tardio. A industrialização pesada não é autônoma e é dependente das economias centrais. O dinamismo destas economias periféricas fica limitado pelo crescimento desacelerado da massa de salários e, consequentemente, dos mercados consumidores. A industrialização fica restrita muitas vezes a setores de bens de consumo durável de massas, uma industririalização de demanda corrente restrita e farta mão-de-obra não especializada. O que confere competitividade não pelo grau de incremento técnico empregado, mas pela redução do capital variável que se incorpora ao preço final do produto.

Carneiro demonstra, que pela falta de magnitude dos capitais locais, na América Latina é necessária a intervenção e participação do Estado não só como indutor, mas mesmo como capitalista em setores chave da economia. No livro, ele cita Belluzo, que mostra como o país cresceu no pós guerra com a implementação de uma moderna indústria de bens de consumo duráveis, mas que a forma que se deu esta industrialização, através de transnacionais, sem criação de grupos nacionais autônomos e tanto mais outro obstáculo ao desenvolvimento, já que muitas destas indústrias, além do envio dos lucros para suas matrizes, apenas são montadoras de tecnologia no Brasil, ficando seu setor de bens de produção, seu know how (D1), muitas vezes em suas matrizes, o Brasil acaba comprando tecnologia para montar bens de consumo em territória nacional.

Carneiro mostra que a atrofia do Capital financeiro nacional leva o Brasil a uma constante crise de liquidez, e a uma dependência continuada do investimento externo, que nem sempre é produtivo, dadas as altas taxas de juros, muitas vezes se concentra nos setores rentistas e nos investimentos de curto prazo. A reprodução ampliada do Capital no Brasil (Marx-Kaleck), sofre uma série de perturbações, e muitas vezes o resultado da acumulação capitalista acaba se dando no exterior, com sangria de divisas e endividamento. A industrialização no Brasil começa com o  incentivo do Estado na política anti-cíclica de proteção ao café, assim, o capital sobrante acabou migrando para indústrias de bens de consumo, foi uma industrialização restrita (até pela estrutura  tecnológica da indústria nacional).

Entre 1950 e 1960, primeiro com Vargas (BNDES-Petrobras-Eletrobras), depois com Juscelino (plano de metas) e, finalmente com a Ditadura Militar, se dá o desenvolvimento da indústria pesada nacional. O problema, é que a forma como crescia a indústria nacional na Ditadura Militar, com crescimento do bolo, sem redistribuição de renda (arrocho salarial contra a classe operária), levou a um grande entrave permanente ao desenvolvimento, que é industrialização pesada e moderna, sem o correspondente mercado interno que depende de uma justa distribuição de renda. Não houve uma sustentabilidade da demanda para um crescimento agregado dos setores. No capitalismo dependente brasileiro houve:1) estrangulamento no investimento, pela falta de um mercado interno amplo e falta de poupança interna para investir em Capital; 2) vazamento de  demanda de D1 para o exterior. Isto vai gerar uma enorme dificuldade de investimento de longo prazo e endividamento do país, por nossa industrialização se fazer a partir de captação de poupança externa. Havia uma falsa simbíose entre as transnacionais e as empresas brasileiras, com muitas empresas nacionais tornando-se fornecedoras de insumos para estas transnacionais, que por sua vez captavam seu investimento nos países de origem. Não se formaram fortes grupos nacionais industriais nos setores de maior valor agregado e tecnologia.

Fluxo de dólares baratos do exterior, que com a crise do petróleo viram a disparada do juros e um endividamento em função geométrica que entravou o crescimento sustentado, já que não havia liquidez para continuar a investir em nossa indústria. A América Latina vai perder espaço para a Ásia no IDE. A crise da dívida vai gerar a derrocada do padrão nacional de desenvolvimento pensado na Ditadura Militar. Assim, se gera o terreno fertial para o BIRD (1991) condenar o estatismo e o protecionismo do Estado Nacional brasileiro, e através da influência do poder dos empréstimos do Banco Mundial e do FMI, nos impor o paradigma do Market Friendly (ou seja, a redução do papel do Estado). Assim, os gargalos à nossa autonomia e independência – falta de uma indústria autônoma com alto padrão tecnológico, falta de um mercado consumidor de massas, falta de alto investimento privado nacional – sequer foram atacados, mas a questão foi transferida para um ilusório “gigantismo estatal”. É a época da teoria de Williamson (1989), denominada de Consenso de Washington e que vai dominar a década de 90 em toda a América Latina. A de que a falta de liquidez dos países da AL poderia ser driblada, abrindo-se o mercado de capitais à poupança externa, assim, os déficits no balanço de pagamentos poderiam ser superados pelo investimento estrangeiro. Este sistema de duplo déficit levou a maioria dos países da América Latina a um endividamento ainda maior e alguns à quebra do seu sistema financeiro, com dolarização da economia (Equador, Argentina).

A retomada do crescimento só se deu com a saída do paradigma neo-liberal, a retomada do controle do fluxo e do câmbio e do Estado como indutor do desenvolvimento. Junto dos Governos que saíram na práxis dos paradigmas neo-liberais se gerou a teoria do novo desenvolvimentismo. A crise gerada pelo neo-liberalismo gerou os paradigmas do novo desenvolvimentismo e do social desenvolvimentismo.

Novo desenvolvimentismo: segundo Carneiro, o novo desenvolvimentismo crítica a alta de juros e a moeda depreciada, mas também crítica a ênfase do papel do Estado (do estatismo), quer um Estado indutor dos grupos industriais, mas que trabalhe para que setores industriais próximos da fronteira tecnológica possam se desenvolver para a exportação e a geração de divisas. Carneiro coloca neste novo desenvolvimentismo Bresser, Sicsú, Oreiro e Paula, o papel do Estado e incentivar e financiar esta indústria nascente, para isto tem que ser um Estado que não tenha déficits e tenha seu custo reduzido. Ainda que estes economistas falem na necessidade de uma melhoria na renda e sua redistribuição, não é no mercado interno e na renda que ancora o novo-desenvolvimentismo, mas nos setores industriais exportadores e numa balança comercial e de pagamento favoráveis. Para eles houve exaustão do processo de substituição de importações e o país tem que se concentrar em setores industriais chave e na exportação. E citam o exemplo da China, para defender o lastro na exportação e na alta tecnologia. Há uma crítica a baixa produtividade e competitividade da indústria nacional. O novo desenvolvimentismo, segundo Carneiro, quer a ruptura com a necessidade do financiamento externo e quer que o Estado atue para gerar poupança forçada para o investimento sustentável, por isto o Estado não deve gerar déficits, o país deve gerar saldos na balaça comercial e na balança de pagamentos, para não ficar vulnerável.

O novo desenvolvimentismo, segundo Carneiro, ao fazer comparações com a Ásia esquece todavia de alguns aspectos. A Ásia possuía mercados internos pobres, no Brasil o mercado interno (ainda que a desigualdade gera um entrave a ele) é diferenciado e grande para bens de consumo, e a indústria não é primieva, pelo contrário, é uma indústria desenvolvida é diferenciada. Assim, o setor e, o saldo de transações correntes e a taxa de câmbio, se comportam de forma diferente em países com estrutura distinta e diferente trajetória histórica. Para os novos desenvolvimentistas, o Estado como investidor direto está superado, ele deve ser apenas o incentivador e o regulador do mercado, o novo desenvolvimentismo não ancora no mercado interno, no salário e no emprego o desenvolvimento sustentável. O papel de indutor do Estado deve ser gerado por políticas anti-cíclicas, e, em que pese não se alicerçar no mercado interno, ele também deve trabalhar para a redistribuição de renda, para isto deve ter uma política fiscal consequente e  não deve ter déficits, as receitas devem ser sempre superiores aos gastos correntes.

Já o social desenvolvimentismo, segundo Carneiro, se desenvolve também no campo da práxis das políticas de Governo pós-neoliberal. O social desenvolvimentismo tem ênfase no desenvolvimento social, na redistribuição de renda e na política de aumento do salário mínimo, na ampliação e generalização do consumo de massas, ou seja, na consolidação de um diversificado mercado interno – Bielchowsky (2001) – ciclo virtuoso do crescimento. No Brasil, a alta concentração de renda e o baixo endividamento das famílias, tornou possível com políticas de incentivo ao consumo e redistribuição de renda, incrementar a demanda do mercado consumidor, por bens de consumo e bens duráveis (D2, D3). Ainda que num primeiro momento, isto não incremente o aumento da demanda nos bens de produção, no setor pesado (D1), uma demanda continuada nos dois setores, leva a necessidade de se aumentar o investimento neste último. O investimento privado é incentivado pelo Estado e a formação de grandes grupos nacionais, mas o Estado também pode e deve investir nas áreas estratégicas, para garantir o adensamento das cadeias produtivas, os objetivos são:

a) adensamento da renda;

b) ampliação da infra-estrutura econômica e social;

c) reindustrialização com adensamento das cadeias;

d) expansão do setor baseado em recursos naturais;

Assim, para Carneiro há um primado do Papel do Estado (2010) a partir das teorias de Keynes e Kalleck, sobre pleno emprego e demanda agregada. O investimento estatal supre a carência de capitais em área estratégica, combinado com as políticas redistributivas anti-cíclicas, ele supera os entraves de estrutura e tecnológicos para um crescimento sustentável. Para isto, Carneiro diz que é preciso também:

a) superação da inconversibilidade monetária por meio da regulação da inserção externa da ecosnomia brasileira;

b) superação do atraso tecnológico através de implantação de setores de alta tecnologia, em simultaneidade com uma rede de empresas nacionais (privadas, públicas, PPPs) operando em escala global, e a construção de uma infraestrutura compatível com esse nível de crescimento;

c)                 melhoria progressiva da da distribuição de renda e com redução da heterogeneidade social, por meio de políticas de regulação do mercado de trabalho, políticas sociais redistributivas e ampliação da infra-estrutura social.

Assim, Carneiro contrapõe social desenvolvimentismo a nacional desenvolvimentismo, fazendo com que a teoria sócio-desenvolvimentista esteja alicerçada no salário e na renda, na redistribuição de renda e criação de um amplo e diversificado consumidor. Na parte da industrialização, Carneiro não quer um modelo que aposte apenas no setor exportador, mas quer o adensamento das cadeias, criações de grupos nacionais com tecnologia autônoma, de forma a criar um desenvolvimento técnico sustentável. Também o Estado no social desenvolvimentismo não necessariamente tem que criar superávits, tem como principal papel ter investimento e gasto públicos permanentes e, se necessário for, intervir na economia atuando em setores chave, tanto isoladamente, quando em parcerias, o que distingue o desenvolvimentismo do simples estatismo.

RICARDO BIELCHOWSKY – AS TRÊS FONTES DE EXPANSÃO NO BRASIL , UM DESAFIO CONCEITUAL.

Continuamos com nosso artigo, analisando agora, na comparação entre desenvolvimentistas, mais um que classificaríamos entres os sociais desenvolvimentistas, Ricardo Bielchowsky, que na linha dos sociais desenvolvimentistas e da escola da UNICAMP/RJ, vai alocar a idéia de desenvolvimento sustentável baseando-se na renda e no salário. Segundo Bielchowsky, os motores do desenvolvimento nacional são:

1)                amplo mercado interno de massas (fomentado por políticas redistributivas e de aumento da renda da classe trabalhadora);

2)                forte demanda nacional e mundial, quanto aos recursos naturais;

3)                Perspectivas favoráveis quanto à demanda estatal e privada.

Como sócio-desenvolvimentista,  Bielchowsky coloca-se entre aqueles que defende que só há crescimento sustentável através da incrementação da cadeia produtiva, de seu adensamento. No Brasil contemporâneo, devemos aproveitar as oportunidades abertas pelo pré-sal, cuja avaliação mais pessimista coloca as reservas em cerca de US$ 1 trilhão, para fazermos pesado investimento em inovação tecnológica (pesquisa e educação) para disputarmos os mercados das indústrias do limite da tecnologia. O Brasil também deve aproveitar-se das oportunidades derivadas da sua biodiversidade, manejando-a de forma sustentável e autônoma.  Para isto, deve-se ter como prioridade os encadeamentos produtivos, com a recuperação da competitividade e autonomia tecnológica, através de forte investimento e intervenção do Estado. O Brasil tem que aumentar sua produtividade e seu Know How.

Bielchowsky diz que seu sócio-desenvolvimentismo é estruturalista (mas se diferencia de forma bem clara do estruturalismo de Oreiro), que combina as teorias de Keynes e Kaleck, segundo as há uma relação entre investimento e demanda efetiva, para que esta seja mantida, o país precisa ficar sempre perto do limite do pleno emprego. Para ele, os três motores do consumo de massas são o consumo de massas, a diversidade e a oferta de recursos naturais e a infraestrutura (incluindo-se aí tecnologia e inovação). O projeto nacional de desenvolvimento não é só técnico, é um projeto que tem de estar alicerçado numa estratégia política, o desafio é fazer este desenvolvimento sustentável permanente num Estado Democrático de Direito, com alternância de poder, para isto, mais do que políticas de Governo, necessitamos também de políticas de Estado que sejam permanentes e mantenham este crescimento, necessitamos de planejamento de longo prazo. Ele mostra como nos anos 2000 a recuperação do crescimento baseou-se na política redistributiva e no aumento da massa salarial dos trabalhadores, o que levou ao incremento do consumo de massas, ou seja, na realização da demanda efetiva.

Para que este ciclo virtuoso mantenha-se é necessário tanto o aumento do consumo, quanto o aumento do investimento, investimento que garanta o adensamento das cadeias produtivas e autonomia da indústria nacional, com isto o aumento da lucratividade e do PIB. Isto deve ser garantido pelo aumento do consumo de massas, pela incorporação de setores antes incluído no consumo,  produção e consumo de massas no Brasil e para o Brasil, ou seja, tem como prioridade o  mercado interno. Neste ponto há uma diferença fundamental com o novo desenvolvimentismo,  Bielchowsky defende o aumento do gasto público, tanto no investimento, quanto o gasto social, de forma a garantiar a continuidade desta política.

No campo da biodiversidade e dos recursos naturais, é necessária uma reforma agrária, que garanta a oferta de alimentos e a fixação dos trabalhadores no campo, com qualidade de vida e assistência técnica e financeira do Estado. O campo não pode ter como prioridade apenas o setor agroexportador, embora ele reconheça a importância da produção de commodities para exportação e saldo da balança comercial. Para a regulação e equilíbrio deste setor agrícola, é necessária a garantia de água com qualidade e abundância e energia elétrica (luz para todos, projetos contra a seca no semi-árido).

É necessário superar os gargalos na infra-estrutura, com participação direta do Estado, seja através do BNDES, seja através de suas empresas. É fundamental que sejam criados grandes grupos nacionais capazes de garantir investimento autóctone em áreas estratégicas e de alto valor agregado, devemos implementar investimento continuado em logística, como foi feito nos PACs I e II, mas ainda é necessário mais, de forma a integrar a rede de transportes nacionais, garantido o barateamento do transporte de cargas com a redução do tempo e do valor do frete e também a mobilidade urbana. No Brasil temos condições de fazer isto a partir do investimento do BNDES, da utilização da carga fiscal para o desenvolvimento nacional e da Administração de um mercado de capitais sofisticado e grande. Para este último aspecto é necessária uma política de juros baixos que incentive o investimento produtivo e desincenive a especulação e o controle governamental do câmbio e da conta capital para evitar ataques especulativos.

Os turbinadores deste desenvolvimento devem ser a inovação tecnologia e a variedade das cadeias produtivas. Com os ganhos prometidos pelo Pré-sal é possível ao Brasil dar um grande salto para reduzir tanto seu déficit tecnológico e o fosso que o separa dos países capitalistas que estão no centro do sistema, como garantir liquidez para competir sem que ataque especulativos a nossa moeda e ao nosso mercado de capitais estanque nosso desenvolvimento.  Bielchowsky nos mostra que estamos diante de uma grande janela de oportunidades, cujos processos políticos em disputa darão a resposta prática nos próximos anos se será possível galgar o próximo degrau da escada, ou seremos vítimas novamente de uma grande oportunidade perdida.

DESENVOLVIMENTO, TRABALHO E RENDA NO BRASIL – MÁRCIO POCHMANN

Como último teórico analisado, analisaremos o artigo de Márcio Pochman, Desenvolvimento, trabalho e renda no Brasil, de Márcio Pochmann. Pochman centrou sua análise no trabalho nos Governo Lula e Dilma, sendo uma reflexão sobre a recente experiência brasileira, para ele os Governos do chamado “Pós-Neo-Liberalismo” de Lula e Dilma modificaram o perfil social do trabalho. Estas conquistas não caíram do ceu, estão dentro da luta dos sindicatos e dos marcos do projeto da CUT, que de um lado ajuda a nortear o projeto, disputando sua plataforma e ajudando a eleger os governos oriundos de um Partido da Classe Trabalhadora, de outro, vai disputar na sociedade a agenda dos trabalhadores.

Para ele, as conquistas dos Governos Lula e Dilma, como crescimento da renda e do emprego formal não apagaram a heterogeneidade e a desigualdade do trabalho no Brasil, mas houve um significativo crescimento no aspecto renda e ocupação formal, com diminuição da desigualdade devido ao avanço da ocupação, do trabalho formal, das políticas sociais afirmativas e da política do salário mínimo. Para exemplificarmos,  a média de crescimento do PIB nos Governos Lula e Dilma foi de cerca de 4,5% ao ano, o que, num cenário de crise internacional é extremamente significativo, haja vista que o crescimento se deu com e a partir da distribuição de renda com signficativa participação do salário na demanda interna e sustentação do crescimento do país. Aliás, a política de aumento do salário mínimo, que faz parte da plataforma da CUT é um dos pilares do crescimento continuado da renda no Brasil.

São governos contraditórios, em disputa entre setores conservadores, do empresariado e até do agronegócio de um lado; e da classe média e dos trabalhadores organizados do outro. Há elementos claros de continuidade da política neo-liberal nos Governos do PT (por isto denominamos os Governos do PT de Pós-Neo-Liberal e não de Governos Socializantes), embora haja pontos de descontinuidade e marcantes que mostram a ruptura entre as politicas macro-econômicas destes Governos, com relação aos governos do período FHC.

Exemplos de continuidade herdados do Governo FHC: a autonomia do Bacen, a política cambial, as metas inflacionárias e o Superávit Fiscal primário.

No campo oposto, da descontinuidade, uma política de independência com relação ao FMI, a diminuição da relação dívida x PIB, relações comerciais Sul-Sul, em detrimento da dependência aos EUA e à ALCA (o Governo Lula destruiu a posibilidade de integração de CONE SUL à ALCA), com isto uma maior proteção da economia interna; uma menor dependência do rentismo e uma aposta maior no investimento público direto, com o crescimento baseado no investimento público através do PAC, dando maior solidez ao país; tudo isto alicerçado numa forte distribuição de renda, com elevação de cerca de 40 milhões de brasileiros da linha da miséria e ascensão social de mais de 60 milhões de brasileiros.

Com as políticas públicas de combate à sonegação (Receita Federal e Ministério Público do Trabalho), elevação do salário mínimo, distribuição de renda, e investimento direto do Governo através do lançamento do PAC, o Governo Lula começa a retirar o país da inércia e começa-se um círculo virtuoso de crescimento. Aliado a tudo isto, a recuperação da Petrobras e a descoberta do Pré-Sal (um riqueza de no mínimo um trilhão de dólares) levou ao que foi chamado de novo surto desenvolvimentista, através de grande investimento do Estado através do BNDES. O triplé, distribuição de renda; fiscalização tributária com aumento da arrecadação; investimento governamental deu como resultado uma recuperação continuada da economia brasileira.

Mesmo no pior momento da recente Economia Internacional, a queda de Wall Street, com perdas nos EUA que chegaram a meio trilhão de dólares, com o prejuízo bancário “socializado” e pago pelo povo dos EUA, a nova diretriz econômica baseada em forte desenvolvimento do mercado interno através da distribuição de renda; relações econômicas Sul-Sul e recuperação das reservas internacionais, maior robustez das reservas do país, não dependência ao FMI, levou a que o Brasil passa-se pelo que o Presidente Lula resolveu chamar de “marolinha”  no meio do maremoto internacional. Enquanto países outroras prósperos como  a Espanha vegetem com taxas de emprego superiores a 15% e com crescimento negativo do PIB, o Brasil quebra recordes de emprego formal e tem a taxa de desemprego menor do mundo, com menos de 5%, e crescimento econômico só menor que o da China.

O papel da CUT e dos Sindicatos foi fundamental nisto. O emprego formal deu um salto, o emprego assalariado em 2008 tem 61,8% de participação no mercado de trabalho; a taxa de trabalhadores sem registro cai de 33% para 25,4% e 91% dos acordos coletivos ganham da inflação em 2008. Aumenta o número de trabalhadores formais com idades superiores a 25 anos e cai o número de empregos dos 15 aos 19, o que demonstra uma importante mudança no emprego, com aumento do tempo de frequência às universidades e escolas técnicas, o que significa mão-de-obra melhor qualificada. O número de universitário dobra e o de estudantes em escolas técnicas também. O emprego protegido sobe de 25 milhões de trabalhadores em 1999 para 35 milhões em 2008 (e continua subindo), embora um grande problema seja a rotatividade, o Brasil gerou 16 milhões de novos empregos em 2008 com 15 milhões e cem mil demitidos, o que gera um saldo de 900 mil novos empregos, mas uma rotatividade de mão de obra que ultrapassa 30% da mão de obra empregada. É fundamental que a convenção 158 da OIT seja finalmente regulamentada e validada para que a despedida imotivada não mais baixe o preço da mão-de-obra. Em que pese as investidas para a flexibilização e terceirização, os contratos de trabalho por prazo indeterminado constituem 95% dos contratos formais de trabalho no Brasil.

Em resumo, se temos ainda alguns eixos conservadores herdados dos governos tucanos (autonomia do Banco Central, Superávit Primário), uma série de fatores econômicos divergentes da plataforma neo-liberal caracterizam os governos PeTistas como Governos Pós Neo-Liberais, dentre eles:

1) Valorização do salário mínimo, a política mais consistente de aumento do salário mínimo no mundo neste século XXI;

2) Combate ao trabalho precário e sem registro;

3) Investimento pesado no mercado interno com a recuperação da renda e dispoibilidade de crédito;

4) Relações comerciais e diplomáticas Sul-Sul, o que dá maior robustez econômica ao Estado Brasileiro e o deixa menos à mercê das crises da Tríade;

5) Rompimento com o programa do FMI e diminuição continuada do perfil Dívida x PIB;

6) Aposta no investimento público direto para o crescimento do país, com sólidos investimentos em infra-estrutura;

7) Aumentos salariais das categorias organizadas (91% dos dissídios coletivos) acima da inflação, compondo uma sólida rede de recuperação da renda da classe trabalhadora;

8) Pesado investimento no ensino superior e nas escolas técnicas, dobrando-se o número de alunos no ensino universitário, qualificando-se assim a mão-de-obra.

Junto a isto, para alcançar o novo padrão civilizatório, preconizado por Pochmann, temos que universalizar a previdência e aumentar o tempo de permanência na escola, retardando a entrada no mercado de trabalho. Temos que ter um novo marco civilizatório, com maior incrementação do valor do trabalho derivado de incrementação da educação dos trabalhadores. Com maior renda, entrada no mercado somente na idade adulta, após todo o ciclo de estudos e com acesso a todos à previdência, entraremos num patamar de países de alto grau de direitos, ou de bem estar social. Esta é a defesa de Pochmann.

CONCLUSÃO

Este artigo, feito para o curso de especialização em Economia da Escola de Economia, CESIT-UNICAMP, não pretende ser um artigo meramente acadêmico. Como os alunos deste curso são sindicalistas em grande parte, militantes políticos pela plataforma dos trabalhadores no Brasil, a discussão que o embasa, serve para que possamos discutir a problemática de um projeto político autônomo de desenvolvimento nacional, pegando os principais teóricos do novo desenvolvimentismo e do sócio desenvolvimentismo, e fazendo a discussão dos entraves a que o Brasil chegue ao patamar de país desenvolvido econômica e socialmente, num novo patamar civilizatório. Desenvolvimento com eqüidade e distribuição de renda. Assim, objetivamente não é uma resenha, nos colocamos em cada parte do artigo, fazendo a crítica ao que não consideremos um projeto nacional de desenvolvimento e enfatizando os pontos em que concordamos.

Efetivamente, a formação marxista do autor do artigo, Roberto Ponciano, faz com que a primeira coisa que a Nação é composta de classes sociais com interesses muitas vezes contraditórias e até antagônicos. Não é possível conciliar reforma agrária com agro-negócio. No Brasil, tarefas de uma revolução burguesa capitalista, como a reforma agrária, simplesmente não foram realizadas, não podemos, em nome do balanço de pagamentos, incentivar o latifúndio. É necessário buscar-se a modernização da produção agrícola que não se baseia nos latifúndios, muito deles propriedade de grandes grupos transnacionais, que não se preocupam com a biodiversidade, ou com equilíbrio social das áreas afetadas por eles. Há que se pensar em uma outra forma de se modernizar o campo brasileiro, tanto com a agricultura familiar, as pequenas e médias propriedades, como, quando for necessário a agricultura em grandes extensões de terras, o processo de cooperativas incentivadas pelo Estado, como por exemplo o que foi executado em Israel nos Kibutizes (baseadas nos Kolkozes russos). Coletividades de agricultores com escolas, centros de fomento agrícola, armazéns, etc, que através da cooperação conseguem intensificar a produção como se fossem grandes proprietários de terra, sem os inconvenientes da concentração de terra derivados do latifúndio.

Também defendemos a necessidade do adensamento de cadeias, do forte incremento tecnológico, da autonomia tecnológica do país, com forte investimento em pesquisa e educação, para isto o fundo soberano do Pré-sal será estratégico. Temos que criar desenvolvimento autóctone, tecnologia nacional e grupos de produção de ponta nacionais, em todas as áreas, para que efetivamente o acúmulo da renda gerada no Brasil não se dê no exterior através do envio de lucros das transnacionais. Estes grupos não podem prescindir da presença do Estado, seja através do financiamento do BNDES, seja em parcerias públicos privadas, seja através de empresas estatais. Não acreditamos que empresas estatais sejam elefantes brancos ou ineficazes. A Petrobras, uma das maiores empresas do mundo, é prova cabal da eficiência de nossas empresas estatais, agindo seja de maneira autônoma, seja em parceria. Somos defensores da participação do Estado na economia, no capitalismo à brasileira, a classe burguesa, empresarial, cresceu tanto em sociedade com o capital forâneo, e sem um projeto de nação, como à sombra do Estado na garantia da lucratividade máxima. Não podemos basear nosso crescimento numa classe empresarial brasileira que nunca demonstrou autonomia em relação ao Capital forâneo, e que portanto, tende a restringir sua atividade de forma subserviente ao capital estrangeiro. Nosso projeto de autonomia nacional não pode ficar condicionado a uma burguesia que nunca se mostrou à altura de sua tarefa histórica. Pelo contrário, o Estado nacional, com um projeto autônomo deve ter a influência crescente dos trabalhadores nas suas decisões e gestão. Os projetos de independência nacional real no Brasil, sempre foram pensados pela classe trabalhadora em seus partidos, sindicatos e movimentos (incluindo movimentos plupartidários como o MST e a CUT).

Este projeto tem como base a crescente repartição de renda, com emancipação crescente da classe trabalhadora. Para que seja um projeto permanente, baseado no aumento do salário e na redistribuição de renda, a democracia brasileira não pode ser meramente formal, em que de quatro em quatro anos se passa um cheque em branco para os parlamentares. Há que ampliar a democracia, discutindo-se as principais questões com toda a população, através das organizações populares e dos trabalhadores. As eleições não podem estar  sobre a influência do lloby das grandes corporações, é necessário o financiamento público de campanha, a fidelidade partidária e o voto em lista aberta, de forma a dar legitimidade real ideológica aos partidos. Nas listas deve ser garantir a paridade às mulheres, para que nossa democracia não esteja subrepresentada nas questões de gênero. Para garantia deste projeto sócio-desenvolvimentista com igualdade, reformas estruturais são urgentes para que não hajam gargalos ao desenvolvimento. Desenvolvimento é desenvolvimento humano, com garantia de pleno emprego e acesso às políticas públicas, como saúde e educação.

Passa este projeto para a democratização da grande mídia, de forma que não haja manipulação da informação pelos grandes grupos de informação, braços midiáticos das grandes corporações nacionais e internacionais e inimigos da democracia e da igualdade social. Em suma, o projeto desenvolvimentista de redistribuição de renda e de emancipação nacional, não é um projeto meramente técnico, é um projeto político que não passa apenas pela participação dos empresários, mas do povo (aqui usado no sentido das classes sociais progressistas de uma nação) e de seus sujeitos coletivos (no sentido gramsciano), partidos progressistas e sindicatos. Uma crescente regulação social com tributação progressiva para eliminação completa da miséria e da desigualdade,  a submissão da propriedade a sua função social, de forma que não seja absoluto o domínio do capital, mas que a atividade econômica tenha um fim de desenvolvimento social.

Não temos respostas definitivas para as graves questões de desenvolvimento e emancipação nacional, mas advogamos que sem a participação coletiva dos trabalhadores e trabalhadoras, que estes sejam chamados a participação do processo e não somente como mão-de-obra ou consumidores, mas também como formuladores da política e agentes da mudança, não é possível pensar num processo de crescimento sustentável democrátivo e igualitário para o Brasil.

 

BIBLIOGRAFIA:

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CAIO PRADO, Júnior – A revolução brasileira, 1978, São Paulo, Editora Brasiliense.



[1]    Bresser Pereira, 2003

*Diretor do Sisejufe, coordenador da Fenajufe e Mestre em Filosofia – UGF Gama Filho, pesquisa na área de Ética; Fazendo especialização em Macro-economia no CESIT-UNICAMP e Mestrando em Letras Neo-Latinas na UFRJ.

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