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Síria expõe a impotência política dos EUA

Em artigo publicado dia 15 de maio, o cientista social norte-americano Immanuel Wallerstein escreveu: “Nada ilustra melhor as limitações do poder ocidental, que a controvérsia interna que devora suas próprias elites, já pública, sobre o que os EUA, especificamente, e os estados da Europa Ocidental deve(ria)m fazer no caso da disputa que se trava na Síria.”[1]

Essas limitações são palpáveis, seja no falar seja no agir. Um vácuo político – criado pelos fracassos militares dos EUA e pelas retiradas a que foram forçados depois da Guerra do Iraque – permitiu que países como a Rússia reemergissem no cenário, como atores efetivos.

É muito significativo que, depois de dois anos, desde o início do levante sírio convertido depois em banho de sangue, os EUA continuem a tentar mascarar o próprio envolvimento, servindo-se dos aliados árabes e da Turquia, para assim garantir assistência indireta às forças que se opõem ao governo de Bashar al-Assad. Até o discurso político dos EUA é indeciso; não raras vezes, incoerente.

No córner oposto, a posição russa é cada vez mais firme, mais consistente, avançando sempre; com os EUA empurrados cada vez mais contra as cordas, comprovando-se incapazes de ação consistente, senão pelas ‘condenações’ nas ‘declarações’ ou em ‘declarações’ que nada declaram. Isso, vale lembrar, muito tem desagradado os aliados árabes.

A recente entrega, pelos russos ao governo da Síria, de sofisticados mísseis terra-mar, e o deslocamento que promoveram, de navios de guerra para Mediterrâneo ocidental é exemplo claro. O movimento foi condenado pelo governo Obama como “fora de hora e muito infeliz”.

Mas essa atitude norte-americana é novidade na Região: por trás dela, jaz uma história sangrenta, de política externa imprudente. Independente de os EUA decidirem ou não intervir na Síria, tudo faz crer que já não será possível um simples retorno à abordagem anterior, de potência dominante.

A impotência atual dos EUA no Oriente Médio é absolutamente sem precedentes, pelo menos depois da rápida desintegração do bloco soviético no início dos anos 1990s.

A dissolução da União Soviética abrira lugar para o crescimento de um mundo unipolar, completamente gerenciado pelos EUA. Aquela hegemonia norte-americana não contestada implicou mudança na dialética histórica, pela qual as grandes potências enfrentavam-se uma a outra; e o resto do mundo, mais ou menos, acomodava-se naquela disputa.

Naquele momento, os EUA agiram rapidamente para afirmar sua dominação, a começar por sórdidas aventuras militares, como a invasão do Panamá em 1989. Movimento bem mais calculado veio depois, com uma guerra devastadora contra o Iraque, em 1990-91. No Panamá, o objetivo era lembrar aos vizinhos do sul dos EUA, que o policial de quarteirão continuava a postos, e poderia intervir a qualquer momento, pra rearranjar todo o paradigma político, na direção e ao modo que Washington entendesse necessário – como se viu acontecer no golpe e na guerra orquestrados pela CIA na Guatemala em 1954 e até antes.

O envolvimento militar massivo dos EUA no Iraque, contudo, foi de conquistador que chega com sua coorte de vários países – aliados regionais e ocidentais –, para exigir o butim resultante do fim da Guerra Fria. Foi arrogante show de força, dado que o alvo era um único país árabe, com poucos meios militares e econômicos, versus grandes potências militares, próximas e remotas.

A guerra devastou o Iraque – só na primeira campanha aérea de bombardeio, foram lançadas 88.500 toneladas de bombas. Usaram-se e testaram-se novos modelos de armamentos, enquanto a imprensa-empresa e a opinião pública nos EUA festejavam as glórias de seus militares. Morreram centenas de milhares de iraquianos, outros mais foram feridos e mutilados, como resultado de uma das guerras mais assimétricas em toda a história.

Tentando capitalizar o triunfo militar, Washington operou rapidamente para obter um acordo político entre seu aliado mais íntimo – Israel – e países árabes. A lógica por trás da Conferência de Madrid em 1991 foi alcançar uma pseudo paz, que servia aos interesses de Israel, ao mesmo tempo em que abria uma via de normalização entre Israel e seus vizinhos. Mais que isso, os EUA esperavam obter alguma espécie de “estabilidade” que lhes permitisse gerir a região do Oriente Médio e todos os seus recursos, em ambiente de menos hostilidade.

Em seguida, Israel conseguiu fazer seu próprio negócio político com os palestinos, o que dividiu as fileiras árabes e garantiu que o resultado das “conversações de paz” fosse absolutamente adequado às ambições coloniais de Israel.

Com o passar dos anos, as visões políticas de EUA e de Israel aproximaram-se cada vez mais, mas Washington logo se converteria em mero canal de transmissão para os objetivos coloniais dos israelenses. Viu-se a confirmação disso várias repetidas vezes durante o governo de George W Bush, o qual acrescentou, aos fracassos dos EUA na região, ainda mais outras guerras desastrosas e perigosas.

Uma das principais falhas da política externa dos EUA é que ela depende quase completamente da força militar: da capacidade para fazer cidades voarem pelos ares. A guerra dos EUA contra o Iraque, que, sob várias formas, estendeu-se de 1990 a 2011, incluiu um bloqueio devastador; e terminou em invasão brutal.

Essa longa guerra teve de falta de escrúpulo o que teve de violência. Além do aterrador número de mortos, vinha inscrita numa horrenda estratégia política, de explorar as divisões sectárias e outras que já existiam no país; o que rapidamente semeou ali, além de uma guerra civil, também o ódio sectário – duas desgraças das quais dificilmente o Iraque conseguirá recuperar-se ainda por muitos anos.

Mas, nos últimos anos, as limitações do poder militar dos EUA foram-se tornando cada vez mais óbvias. O império já não se mostrava capaz de traduzir, em campo, a própria dominação – mais ferozmente confrontada, a cada dia, por grupos locais de resistência –, e apresentar o nível de progresso político exigido para conseguir um mínimo, que fosse, de “estabilidade”.

Mas sobretudo, uma recessão econômica, somada à retirada do Iraque e a outro fracasso também caríssimo no Afeganistão – forçaram o novo governo em Washington, sob a liderança do presidente Barack Obama a repensar a campanha anterior, de Bush, pela hegemonia global. Logo vieram os cortes massivos nos gastos dos militares.

Simultânea e concorrentemente, o desequilíbrio no poder global começou, lenta mas firmemente, a ser compensado, do outro lado do mundo, pela ascensão da China como novo competidor possível.

No meio da transição dos EUA, quando tentavam repensar suas políticas, um levante popular sacudiu todo o Oriente Médio. As manifestações – revoluções, guerras civis, tumultos regionais e conflitos de toda ordem – reverberaram até bem longe das praças do Oriente Médio.

Impérios ascendentes e impérios declinantes, todos eles, igualmente, tomaram conhecimento. Linhas tentativas foram rapidamente traçadas e exploradas. Jogadores mudaram de posição ou se encaminharam para posições mais avançadas, como se um novo Grande Jogo estivesse para começar. A chamada “Primavera Árabe” rapidamente se ia convertendo em fator que alteraria o jogo, numa região que sempre parecera impermeável a qualquer tipo de transformação.

A transformação do Oriente Médio – às vezes promissora, às vezes sangrenta e gorada – chegou num momento em que os EUA estavam obrigados a fazer ajustes nas suas prioridades militares. Aplicar-se mais focadamente na região do Pacífico e no Mar do Sul da China são instâncias daquela necessidade de alterar rumos. E então, de repente, os EUA foram obrigados a envolver-se novamente no Oriente Médio, e como um todo – sem poder dividir a região, país a país. Foi quando, afinal, a fraqueza dos EUA foi sinistramente exposta, e a falta de poder para influir tornou-se palpável.

Bancarrota talvez seja termo apropriado para descrever a atual política dos EUA no Oriente Médio. Aventuras militares temerárias e imprudentes devastaram a Região, mas nem assim contribuíram para que os EUA alcançassem qualquer dos seus objetivos de longo prazo. Políticas de violência e exploração, que operam para violar e explorar, não para conhecer e entender o Oriente Médio e as complexidades de sua formação histórica e política; e a insistência em manter Israel como principal prioridade em tudo que fazem ou pensam no cenário político mutável do Oriente Médio dificilmente darão bom resultado nem servirão aos interesses dos EUA.

Porém, diferente do início dos anos 1990s, quando os EUA movimentaram-se para remodelar toda a região e estabeleceram ali sua presença militar permanente, as novas dinâmicas obrigam a mudar as táticas. E, nessa nova realidade, os EUA absolutamente não conseguem mudar coisa alguma. De fato, já parecem condenados, no máximo, a tentar alguma espécie de gerenciamento dos resultados adversos, com minimização dos danos.

“O que os EUA e a Europa Ocidental querem fazer é ‘controlar’ a situação” – escreveu Immanuel Wallerstein. – “Não são capazes de controlar coisa alguma. Daí a gritaria dos ‘intervencionistas’ e o arrasta-arrasta dos ‘prudentes’. É jogo de perde-perde para o ocidente e, simultaneamente, tampouco é vitória para os povos do Oriente Médio.”

Esse cenário de “perde-perde” talvez não se traduza no imediato derretimento de toda a política exterior dos EUA, mas sem dúvida já abriu a possibilidade de que novos atores surgissem e crescessem. A Rússia é, aí, o caso exemplar mais claro.

Os EUA serão obrigados a mudar suas táticas, gritem o quanto gritarem as forças neoconservadoras e todo o lobby pró-Israel.

21/5/2013, Ramzy Baroud, Asia Times Online
http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/MID-01-210513.html

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[1] 15/5/2013, “Syria: No Win for the West” [ap. Síria: sem vitória para o ocidente]  http://www.iwallerstein.com/syria-win-west/

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