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O país dos agrotóxicos

Alface, abobrinha, cenoura, tomate… São mais de 600 quilos de verduras, legumes e frutas utilizados toda a semana no restaurante de Tereza Oliveira (72 anos), em Itararé (cidade a 340 km de São Paulo capital, com aproximadamente 47 mil habitantes). Há seis anos, a comerciante compra do mesmo fornecedor, que traz das Centrais de Abastecimento (Ceasa) de São Paulo e do Paraná.

Alface, abobrinha, cenoura, tomate… São mais de 600 quilos de verduras, legumes e frutas utilizados toda a semana no restaurante de Tereza Oliveira (72 anos), em Itararé (cidade a 340 km de São Paulo capital, com aproximadamente 47 mil habitantes). Há seis anos, a comerciante compra do mesmo fornecedor, que traz das Centrais de Abastecimento (Ceasa) de São Paulo e do Paraná.

 

Preocupada com a qualidade da comida, Tereza conta que ela e os funcionários já fizeram cursos de higiene e manipulação de alimentos. E o assunto “agrotóxico” é recorrente no dia a dia do estabelecimento comercial. “É veneno e causa intoxicação, é perigoso dar até câncer”. Porém, não há como saber o que é contaminado, revela a dona do restaurante.

 

Tereza não sabia que um terço dos alimentos utilizados cotidianamente pelos brasileiros está contaminado. Desde 2008, o Brasil ocupa o posto de maior consumidor de agrotóxicos no mundo.

 

A definição, pela lei dos agrotóxicos, de 1989, regulamentada em 2002, diz que são “os produtos e os agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas, nativas ou implantadas, e de outros ecossistemas e também de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos”.

 

Entretanto, diferente ao que originalmente se destinam, os agrotóxicos podem ter ação prejudicial ao meio ambiente e à vida. A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) divulgou, recentemente, o dossiê intitulado “Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na Saúde”.

 

O conjunto de estudos mostra que, enquanto nos últimos dez anos o mercado mundial de agrotóxicos subiu 93%, o crescimento foi de 190% no Brasil. Em 2011, o País plantou 71 milhões de hectares de lavoura temporária (soja, milho, cana, algodão) e permanente (café, cítricos, frutas, eucaliptos), com cerca de 853 milhões de litros de agrotóxicos pulverizados nessas lavouras, principalmente de herbicidas, fungicidas e inseticidas.

 

Essa quantidade sugere 4,5 litros de agrotóxicos por habitante. Ao todo, são mais de 400 tipos de agrotóxicos liberados para uso, alguns proibidos no exterior.

 

Saúde pública

De acordo com os dados do dossiê da Abrasco, dos alimentos analisados, como tomate, pepino e alface, 63% das amostras apresentaram contaminação por agrotóxicos, sendo que 28% têm ingredientes ativos não autorizados para aquele cultivo e/ou ultrapassaram os limites máximos de resíduos considerados aceitáveis. Outros 35% apresentaram contaminação por agrotóxicos, porém dentro destes limites. O pimentão, por exemplo, apresentou 91,8% de contaminação. O que os pesquisadores chamam de “quadro muito preocupante para a saúde pública”.

 

Os agrotóxicos podem trazer resultados em meses, anos ou até décadas a exposição, doenças cancerígenas, neurológicas e mentais, além de malformação do feto e distúrbios nas glândulas que produzem os hormônios. O problema não está apenas nos alimentos, essas substâncias tóxicas podem atingir a água de poços e mananciais. Pesquisas revelam, ainda, que são encontradas no leite materno.

 

Professora de Planejamento Alimentar, do curso de Nutrição e Dietética da Escola Técnica Estadual, de Itararé-SP, a nutricionista Carolina Issob Nunes explica que não há como retirar o agrotóxico de um alimento. “A higienização é apenas para remover microorganismos, como bactérias”.

 

Assim, os nutricionistas precisam recomendar uma alimentação equilibrada, com verduras, legumes e frutas, e ao mesmo tempo existe o impasse dos agrotóxicos. “Estamos entre a cruz e a espada”, opina Carolina.

 

Uma saída são os alimentos orgânicos e a agricultura familiar, aquela em que pequenos proprietários cultivam a terra com mão de obra da própria família. Carolina faz parte de um projeto de agricultura familiar em um bairro rural em Itararé, a partir do qual são plantados caquis. A fruta alimenta estudantes da rede pública de ensino da Cidade.

 

O projeto atende a lei 11.947, de 2009, pela qual 30% dos recursos repassados pelo governo federal para a merenda escolar devem ser utilizados para a compra de produtos da agricultura familiar, sem a necessidade de licitação para tal. O estímulo vem do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

 

Carolina diz que é necessário priorizar os alimentos produzidos na região, mais frescos e evitar os hidropônicos – que, segundo ela, também podem conter agrotóxicos, ainda que em menor quantidade – e preterir os que, aparentemente, contêm essas substâncias nocivas. “Geralmente, um morango com agrotóxicos é maior, mais bonito”.

 

Legislação

No Brasil, a rotulagem de alimentos em geral tem legislação específica. No caso da comercialização dos organismos geneticamente modificados, os transgênicos, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tem regulamentos. Nos mercados, já encontramos embalagens que trazem, por exemplo, “Feito com milho geneticamente modificado”.

 

Entretanto, para os alimentos que foram utilizados agrotóxicos ainda não existem leis e normas para a comercialização. A lei de 1989, com alterações em 2000, cita apenas os produtores e agricultores que utilizam agrotóxicos. Mas não diz sobre a rotulagem. Para o cidadão ou donos de restaurante, como Tereza do começo da reportagem, não há parâmetro de entendimento.

 

A Abrasco sugere, no dossiê, uma Política Nacional de Agroecologia, debates sobre o assunto, com os cidadãos, inclusive, e a elaboração de regras que “disciplinem a atuação das corporações transnacionais e dos grandes agentes presentes nas cadeias agroalimentares”, como a Monsanto, a Bayer, entre outras.

 

Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida

Universidades, organizações não governamentais, sindicados, instituições públicas e cidadãos engajados participam da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, existente desde 2011.

 

Entre os focos da Campanha, estão determinar que a Anvisa avalie periodicamente os agrotóxicos autorizados no Brasil, fiscalize a contaminação de água para o consumo público e lutar pela rotulagem de produtos alimentícios em que foi utilizado agrotóxico na produção, de maneira que o cidadão possa optar pelos mais saudáveis, de acordo com o código do consumidor.

 

O coordenador da Secretaria Nacional da Campanha, Cleber Folgado, conta que a conscientização das pessoas não para. Com auxílio de militantes dos 22 Comitês espalhados pelo Brasil e das redes sociais, como a página no Facebook, promovem ações e palestras, em locais como a câmara dos deputados, universidades e sindicatos. “Nesta terça-feira [29 de janeiro], estamos no Encontro de Novos Prefeitos e Prefeitas, em Brasília”.

 

Para 2013, a Campanha deve dar sequência às metas, priorizando, as orientações sobre o campo da Saúde e sugerindo projetos de lei para rotulagem desses alimentos e para diminuir ou acabar com o uso de alguns agrotóxicos. A Frente Parlamentar Nacional pelo Desenvolvimento da Agroecologia e Produção Orgânica, liderada pela deputada federal Luci Choinacki (PT-SC), também tem colaborado com a pauta.

 

“Sabemos que a rotulagem dos orgânicos é burocrática e cara, mas precisamos ter a separação dos alimentos que foram cultivados com agrotóxicos, da mesma maneira que é com os transgênicos, para que o consumidor escolha”, reforça Folgado.

 

Aqui, o link para o documentário “O Veneno Está na Mesa”, do cineasta brasileiro Silvio Tendler, de 2011.

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