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O massacre de Sabra e Chatila, 30 anos depois

“Um Estado que conta com apoio e investimento de uma grande potência abre espaço para excessos. Infelizmente, outros Sabras e Chatilas ainda podem acontecer”, disse Reginaldo Nasser, professor da PUC, sobre as três décadas dos ataques de uma milícia de extrema-direita libanesa – apoiada por Israel – a dois campos de refugiados palestinos no Líbano.

São Paulo – Em setembro de 1982, os campos de refugiados palestinos Sabra e Chatila, localizados no Líbano, foram atacados por falangistas libaneses, apoiados pelo exército de Israel. A motivação dos ataques já era evidente mesmo antes de acontecerem. Segundo Bashir Gemayel, da milícia cristã de extrema-direita Falanges Libanesas, os palestinos que viviam naquele território eram “população excedente”. Após três dias de seu assassinato –Bashir não chegou a ver seu projeto higienista se cumprir – ,o genocídio foi posto em prática: 3 mil palestinos mortos, dentre eles crianças, mulheres e idosos.

O Massacre de Sabra e Chatila infelizmente não foi uma exceção desde a criação Estado de Israel, em 1948, quando métodos “higienistas” passaram a ser constantemente aplicados, segundo denúncias feitas por palestinos e mesmo intelectuais israelenses. Para lembrar os 30 anos do massacre, e para destacar a urgência do debate sobre um Estado nacional palestino soberano e reconhecido internacionalmente, a Frente Palestina da USP (Universidade de São Paulo) e a Associação dos Professores da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) organizou nessa quinta-feira (27) um debate que contou com a participação de professores e alunos.

Reginaldo Nasser, professor de Relações Internacionais da PUC-SP, analisou as relações entre Estados em conflito e grandes potências e comparou a situação da Palestina aos assaltos de força à Irlanda, Vietnã e Argélia. “Um Estado [de Israel] que conta com apoio e investimento de uma grande potência abre espaço para excessos. Infelizmente, outros Sabras e Chatilas ainda podem acontecer”. Nasser trouxe à tona o mote da atual cobertura midiática sobre a Palestina, comparando-a à feita em 1982. “Naquela época elementos como religião e identidade cultural não eram tocados”, disse.

Saber que a questão palestina expressou e expressa uma situação problemática de política externa e colonialismo moderno é crucial, segundo o professor, para que o debate não recaia nos culturalismos e discussões religiosas. De acordo com ele, na época do massacre o fundamentalismo era reportado como coisa dos falangistas, não dos palestinos. “Lamento muito o encaminhamento que está se dando hoje ao conflito. A redução ao aspecto cultural só traz retrocessos. Questões eternas e sempre presentes dão lugar a questões de identidade cultural. Isso nos desvia dos pontos cruciais do debate sobre o Oriente Médio, totalmente arraigados no problema da política internacional”, finalizou Nasser.

Arlene Clemesha, professora de História Árabe do Departamento de Letras Orientais da USP, aproveitou a discussão sobre políticas internacionais para reafirmar o fracasso do Acordo de Oslo de 1993. A criação da Autoridade Palestina, um aparato protoestatal, não confere aos palestinos uma nação reconhecida, segundo a professora. “É mais uma ilusão de Estado palestino, não podemos confundi-lo com a Autoridade Palestina em voga. A Autoridade Palestina foi pautada pelo Acordo de Oslo, que, entre seus itens, previa a contenção de terrorismo. O absurdo é que se devem conter de ataques-bombas às pessoas que jogam pedras”, protesta Arlene, para quem a ocupação continua e tem sua imagem atenuada pela vigência da Autoridade Palestina. Segundo a professora, esta seria uma resposta ilusória e insuficiente ao movimento palestino, representando uma crise de formação do seu Estado.

A jornalista de origem palestina Soraya Misleh, integrante do Instituto de Cultura Árabe (ICArabe), contou a história de seu pai, um dos 800 mil palestinos expulsos de seus territórios em 1948, quando foi criado o Estado de Israel. “Manter viva a memória faz parte da resistência palestina”, disse, sobre o massacre de 1982 e a “limpeza étnica” que ocorre desde então. “A questão por trás desses ataques é um projeto político de poder que nada tem a ver com a questão cultural identitária.” Os ataques à Faixa de Gaza são exemplos de que se trata não de um choque cultural, mas da política externa israelense e da intervenção de potências, afirmou. Soraya, que também integra a Frente em Defesa do Povo Palestino, defendeu o uso dos boicotes econômicos a Israel. “Os acordos militares que o Brasil tem com Israel nada mais fazem que financiar bombas que vão cair sobre as cabeças dos palestinos. O boicote traz resultados positivos ao debate de qualidade.”

Questões sobre mídia e a política externa brasileira foram o foco do debate aberto que se seguiu às falas. O discurso dessa terça-feira (25) da presidenta Dilma Rousseff na Assembleia-Geral da ONU sobre a urgência da paz no Oriente Médio e a necessidade do reconhecimento de uma Palestina livre não foi suficiente para Nasser. “Existe uma distância entre a possibilidade que o Brasil tem como emergente e o que é feito em sua política externa. O discurso, a retórica, nada dizem sobre as políticas factuais do Brasil. O [Antonio] Patriota [ministro de Relações Exteriores] vai mal – não vai mal, não, vai péssimo”, criticou.

Em relação à grande imprensa, o professor foi ainda mais veemente: “Mesmo depois dos ataques israelenses ao Líbano, em 2006, e à Gaza, em 2008 e 2009, a mídia continua defendendo o Estado de Israel sem ressalvas”. Arlene Clemesha ressaltou a reação do sionismo fundamentalista às suas aulas sobre a questão palestina para a TV Globo, em 2011. “A questão palestina é uma luta que se cruza com as lutas pela democratização da informação, por uma educação de qualidade e por justiça. Esta nós temos do nosso lado”, concluiu Soraya.

Fonte: Carta Maior

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