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Lições da Colômbia?

Reportagem de Vinícius de Souza e Maria Eugênia Sá

Lições da Colômbia???


Por Vinicius Souza e Maria Eugênia Sá


Acreditem, a Rede Globo descobriu a fórmula para acabar com a violência no Brasil: devemos imitar a Colômbia! Lá os criminosos são tratados com o rigor da lei, em presídios protegidos por cachorros condecorados. E mais, segundo Miriam Leitão o presidente Álvaro Uribe Vélez, assim como Hugo Chávez, fica tenso nas entrevistas, receando perguntas capciosas. Mas diferente do venezuelano, não fez um governo “nem de esquerda, nem de direita”. Seu mandato “teve uma preocupação total com segurança, afastando ameaças de narcotraficantes tanto das Farc como dos paramilitares”, e portanto contando com a bem-vinda ajuda milionária dos EUA. Para completar, ela informa ainda que Uribe não abandonou seus deveres de mandatário da nação durante o período pré-eleitoral (insinuando uma atitude contrária à de Lula), e por isso deve se reeleger em primeiro turno do próximo domingo mesmo sem ter feito campanha e nem participado de debates. Tudo parece muito lógico na telinha mágica da Globo, não?


Mas os repórteres enviados para conhecer as lições colombianas (depois da série de matérias em que Glória Maria apresentou no Fantástico os paraísos turísticos do país) não devem ter visto os dados do Observatório para a Proteção dos Defensores dos Direitos Humanos (FIDH/OMCT). Segundo a ONG, 47 ativistas foram mortos na Colômbia em 2005, sendo que 15 deles foram antes seqüestrados ou torturados. Sindicalistas assassinados, de acordo com a Escola Nacional Sindical, seriam 29 só no primeiro semestre do ano. Este sim é o verdadeiro resultado do que se chama “Política de Segurança Democrática” de Uribe. Se de fato for reeleito (como FHC, ele também mudou a Constituição para disputar um segundo pleito), será em cima do sangue da oposição. O Partido Comunista Colombiano foi praticamente extinto, à bala. E pelo menos um candidato presidencial renunciou por falta de garantias de vida.


A “segurança” dos políticos e ativistas, aliás, é feita pelo DAS, que reúne os agentes de “inteligência” da polícia colombiana. No fim do ano passado, toda a cúpula do departamento caiu devido ao “vazamento” de informações sobre “agentes políticos” para os paramilitares, que controlavam sua diretoria. Depois disso, entre outros atentados, um dos principais assessores da senadora oposicionista Piedad Córdoba foi assassinado. A casa da candidata à Câmara de Bogotá Lilia Solano foi invadida por encapuzados que amarram e agrediram seu filho, vasculharam a residência e “roubaram” apenas os computadores, celulares, agendas telefônicas e documentos. No dia 21 de maio seu assessor Hans Cediel teve o apartamento revirado em circunstâncias semelhantes.


Realmente, os homicídios vêm caindo nos últimos anos em Bogotá (35% entre 1998 e 2003), como anunciado no Bom Dia Brasil. E o mesmo acontecia em São Paulo até o início de maio (40,6 % de queda nos assassinatos de 1999 a 2004). Mas segundo o coordenador do programa de desarmamento de Bogotá, padre Alírio López Aguilera e o diretor do Instituto Sou da Paz de São Paulo, Denis Mizne, os grandes motivos foram as campanhas para entrega de armas pela população e os investimentos no espaço público, como conservação de praças, parques e escolas. Nunca devido ao aumento da repressão ou políticas como a alardeada “tolerância zero” de Nova Iorque. Além disso foram excluídos de Bogotá os números do bairro de Ciudad Bolívar, o mais violento da periferia, onde comandos paramilitares usualmente executam homossexuais, líderes comunitários e pequenos traficantes. A justificativa é que o bairro pertence ao território de um município vizinho. Seria como excluir o Capão Redondo, onde o escritor Ferréz denunciava uma semana antes de aparecerem as fotos de policiais com camisas do Esquadrão da Morte na Assembléia, que a Scuderie Le Cocq estava de volta.


Se queriam comparar a cadeia em que está preso um dos ajudantes de Pablo Escobar com as brasileiras, seria no mínimo mais honesto mostrar o presídio de Presidente Bernardes. Estivemos em uma prisão feminina comum de Bogotá e o cenário não é muito diferente do padrão nacional. O perfil da população carcerária também é muito semelhante: jovens pobres e com pouca educação. E, ainda mais trágico do que aqui, a maioria das presas tinham sido apanhadas por falsidade ideológica. É que para conseguir um trabalho é preciso apresentar a carteira de identidade. Como o exame de tipo sangüíneo nas clínicas conveniadas custa o equivalente a R$ 60,00, algumas arriscam comprar uma carteira falsa e acabam denunciadas pelos patrões. Será este o tipo de “tolerância zero” que a Globo gostaria que aprendêssemos com a Colômbia?


Vinicius Souza e Maria Eugênia Sá são fotógrafos e jornalistas independentes. Mais sobre o trabalho da dupla no site http://mediaquatro.sites.uol.com.br

Legendas das fotos:


meninosendopreso.jpg – Suspeito sendo detido no centro de Bogotá para “averiguação”

Padre-Alirio.jpg – Para padre Alírio, desarmamento é fundamental para queda nos homicídios em Bogotá

Lilia-solano-72.jpg – A candidata Lilia Solano teve seu apartamento invadido, mesmo sob proteção do DAS

denis-mizne.jpg – Para Mizne, do Sou da Paz, investimento em praças, transporte e limpeza urbana também ajudam contra o crime

prisao-Bogota-72.jpg – Em prisão comum de Bogotá, são proibidas as câmeras e celulares, mas não há vidros separando advogados de clientes e nem “cadeiras-turcas” para “revista íntima” das mulheres visitantes

ciudad-bolivar-72.jpg – Distrito mais violento na periferia de Bogotá está fora das estatísticas de criminalidade por pentercer ao município de Soache

ciudad-bolivar2-72.jpg – Apesar de pertencer ao município de Soache, a maior parte dos moradores de Ciudad Bolívar trabalham em Bogotá


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