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Sindicato dos Servidores das Justiças Federais no estado do Rio de Janeiro - Telefone: (21) 2215-2443

Jornada para prolongar a vida: Seis Horas de Trabalho Di

A grande vitória da FENAJUFE no CNJ abre a possibilidade de uma guerra de guerrilhas dos sindicatos a favor da redução da jornada de trabalho. Devemos lutar para que, já na regulamentação do nosso PCS, a jornada de trabalho de 6 horas diária seja implementada.

Esta, todavia é uma luta que transcende o Judiciário, deve ser uma luta geral, pela redução de jornada como caminho para emancipação da classe trabalhadora, ao negar a alienação do homem no processo de trabalho.

Remeto então estes estudos sobre o tema como contribuição individual a tese da plenária da FENAJUFE.

Seis Horas de Trabalho Semanal

Uma Luta Fundamental

JORNADA SEMANAL DE 30 HORAS, DIÁRIA DE 6 HORAS JÁ

Nos últimos anos vimos assistindo a uma perda generalizada de direitos trabalhistas. A um avanço do trabalho Informal sobre o formal, a uma perda dos direitos dos trabalhadores sem que estes consigam se organizar efetivamente para defender seus direitos. Os sindicatos estão na defensiva, as duas únicas lutas que efetivamente conseguem organizar são a luta pela manutenção do emprego (que chega ao ponto de acordos reacionários como a dos metalúrgicos de São Paulo que aceitou a diminuição salarial) e reposição de perdas salariais (que todavia sempre perde para a inflação). Uma conjuntura desfavorável de desemprego em massa favorecido pela automação, que aumenta a participação do capital constante (maquinário e matérias primas) sobre o capital variável (força de trabalho humana viva) tem aumentado o exército industrial de reserva. Temos um fenômeno novo no capitalismo, pela primeira vez o Capital não consegue reorganizar após uma evolução tecnológica. Não consegue reorganizar a produção de maneira tal que os desempregados pela necessária concorrência inter-capitalista mediada pela evolução tecnológica voltem a seus postos de trabalho após a implementação das transformações técnicas. Temos agora o fenômeno da ELIMINAÇÃO DOS POSTOS DE TRABALHO, com a conseqüente disponibilização em massa de imensos contingentes humanos que simplesmente não conseguem ser realocados no sistema produtivo. Temos vários exemplos disto, do campo à cidade: Desde o Sindicato dos Cortadores de Cana de Ribeirão Preto (que já foi o maior sindicato agrícola da América Latina com 40 mil filiados) e que foi extinto por as lavouras mecanizadas prescidirem dos bóias-frias, até a diminuição de trabalhadores nos bancos (com a automatização dos saques, pagamentos de conta, contabilidade, etc) e a diminuição da mão de obra empregada até no ABC paulista, com a redefinição da linha de montagem das montadoras, onde máquinas de múltiplas funções substituem dezenas de milhares etrabalhadores. Atônitos diante desta modificação qualitativa nasrelações de produção capitalista, muitos sindicatos passaram à defensiva.A Jornada de Trabalho de 30 horas Semanais joga os sindicatos de novo na

ofensiva.

É uma Reforma do Trabalho Progressista (ainda dentro dos marcos do capitalismo) e tem o condão de diminuir o desemprego e obrigar as empresas a contratar mais.Toda a produção de uma empresa é calculada em cima da jornada de trabalho de seus trabalhadores. Empresas do ramo produtivo direito (indústrias), que geralmente funcionam dia e noite, trabalham com três turnos de trabalho e se necessário hora extra. Para reproduzir um capital por ano, elas sabem que terão que produzir uma certa quantidade y de mercadorias aptas a pagar o desembolso para a compra de materiais, aluguel do espaço ou deterioração do imóvel, maquinário e mão de obra e ainda reembolsar seu lucro. Se uma empresa determinada desembolsa um capital de 500 mil reais, 400 mil em maquinária, matérias primas, imóvel (capital constante) e 100 mil em salário por ano, ela sabe que terá que produzir uma determinada quantidade de mercadorias que além de pagar o Capital empregado ainda remunere o investimento inicial.Mas como? Como fazer 500 mil virar por exemplo 1 milhão? O segredo está na exploração da mão-de-obra. O capitalista não compra o trabalho do trabalhador. Ele compra a mão de obra. Ele obtém integralmente a função produtiva do trabalhador. Digamos que este trabalhador tenha sua mão de obra comprada a 500 reais por mês e ele trabalha oito horas por dia. Na verdade,o salário, que tende a ser o mínimo indispensável para a reprodução deste trabalhador, equivale a apenas uma parte da jornada de trabalho do indivíduo. Como este trabalho não visa a ser um trabalho teórico extenso,não vou entrar em pormenores na teoria da mais valia.Basta a nós saber que,por exemplo , nas modernas condições de produção em massa, 2 das oito horas de trabalho deste operário são capazes de pagar seu salário. O trabalhador trabalha as outras seis horas de graça para o patrão.Daí advém todo o lucro.Mas, falamos de operários. E nos setores de serviço? Tal processo ambém se dá? Os setores de serviço são vitais à manutenção do Capital e produção de mercadorias, sem eles não haveria a circulação do valor na sociedade (por exemplo sem os bancos, sem a Justiça que mantém em ordem as relações de propriedade) e portanto são setores cuja "conta" entra na contabilidade da produção.Assim, a diminuição da Jornada de Trabalho, desde o Século XIX, sempre foi um dos enfrentamentos mais ferozes que os trabalhadores tiveram com os patrões, de todo o tipo.De um lado os patrões querem explorar ao máximo a ferramenta que têm, a

mão de obra humana viva, tirando a máxima lucratividade dela. De outro, os trabalhadores explorados, sempre lutaram para diminuir o grau de explorar e se apossar de uma parcela maior de sua vida, tomada pelos patrões nas extenuantes jornadas de trabalho. Jornadas de trabalho que já foram de 16, 8 horas e que foram sendo reduzidas para 14, 12, 10, até chegarmos à configuração atual prevalente de 8 horas de trabalho.

Toda a vez que os trabalhadores organizaram-se para lutar por uma jornada de trabalho menor, sofreram impiedosa oposição patronal que usando da polícia, sabotagem, chantagem, demissões em massa, tentaram quebrar a espinha da organização laborativa de protesto. Só que, historicamente, a luta de classes em ascensão, conseguiu sempre pôr o patronato na defensiva. A cada vitória do

proletariado (chamo de proletariado os trabalhadores despossuídos de outro bem que não sua própria força de trabalho alienada de uma só vez ao patrão os patrões também ganharam. Com a racionalização da produção, com um menor cansaço físico e mental, na diminuição das jornadas de trabalho viu-se que um trabalhador poderia produzir em dez horas a mesma quantidade que em 16 horas, sem os mesmos acidentes e problemas e sem as mesmas revoltas.Hoje em dia, com o desemprego em massa passamos por um período de informalidade das relações produtivas, onde os

trabalhadores vão perdendo direitos em massa e temos uma volta à barbárie. Trabalhadores sem carteira em empregos informais sequer tem direito à Jornada de Trabalho. A diminuição da Jornada de Trabalho não tem efeito somente em relação aos trabalhadores empregados, tem efeito junto à imensa massa de desempregados.Nos setores produtivos direitos, para que as máquinas continuem funcionando, os capitalistas serão obrigados a contratar mais trabalhadores, o que diminuirá a taxa de exploração relativa a cada trabalhador (mais que aumentará o lucro total por outro lado, devido a haver então uma massa maior de pessoas empregadas retornando ao sistema produtivo e voltando a ter poder aquisitivo. O que levará a uma maior rotação do capital). Nos setores de serviço, a diminuição da jornada de trabalho deve estar atrelada a uma bandeira de NÃO DIMINUIÇÃO DO HORÁRIO DE ATENDIMENTO AO PÚBLICO, o que levará, principalmente nas empresas públicas, à necessidade de uma contratação maior de funcionários.

Com a diminuição da jornada de trabalho a massa salarial aumentará consideravelmente, tendo em vista não só a participação de um maior contingente da população no setor produtivo formal,como também o pagamento de horas-extras para jornada menores de trabalho (hoje o trabalhador que trabalhar 7 horas não receberia hora extra, com a mudança da jornada de trabalho isto já entraria na contabilidade como hora extraordinária trabalhada).Até o patronato, que reacionariamente luta para aumentar o grau de exploração do trabalhador, será beneficiado com a diminuição da jornada de trabalho, devido ao aumento do número de empregados levar a uma massa salarial maior que é gasta geralmente diretamente em produtos de subsistência, o que levaria a um crescimento imediato da produção. Esta deve ser uma bandeira imediata, estratégica e necessária para efetivamente diminuir o empobrecimento e o desemprego (muito mais eficaz inclusive que o populista programa de esmolas chamado fome zero).

A diminuição da Jornada de Trabalho também leva a uma reificação maior do homem e a possibilidade de lutar de forma melhor contra sua alienação, mas este é um assunto para um próximo texto.

30 HORAS DE TRABALHO SEMANAL JÁ!

E QUE COMECEMOS ESTA LUTA!

Abaixo, uma pequena análise teórica sobre a questão.

Seis Horas de Trabalho Diário

Uma Luta Fundamental

A luta pelas seis horas de trabalho é fundamental para todos os trabalhadores, não só os do Judiciário, mas para os empregados em todos os setores produtivos, assim como para os desempregados.

É uma luta que, de um lado cria condições para melhoria das condições de vida dos que estão trabalhando, de outro lado possibilita a entrada no mercado de trabalho de um imenso contingente de trabalhadores desempregados.

A redução da jornada de trabalho é, acima de tudo, UMA LUTA HUMANISTA PELO DIREITO DO SER HUMANO A SE LIBERTAR DO PROCESSO ALIENANTE DE PRODUÇÃO DENTRO DA SOCIEDADE CAPITALISTA, um passo pequeno, é verdade, na busca da libertação do homem do processo de alienação. Mas só o colocar em discussão a diminuição da jornada de trabalho como um caminho para o desfrute, para que o homem se ocupe nas outras horas da totalidade de sua vida, já começa a discutir o cerne da dominação do capital sobre as relações humanas, discute A FETICHIZAÇÃO DA HUMANIDADE DIANTE DA FORMA VALOR.

Sobra dizer a diminuição da jornada de trabalho é sem diminuição da remuneração (o que nos leva a uma terceira razão por qual defendemos a diminuição da jornada, o aumento relativo do valor da remuneração da força de trabalho).

Pequeno Histórico e Análise da Luta dos Trabalhadores

Pela Diminuição da Jornada de Trabalho

Vamos a um pequeno histórico da luta dos trabalhadores em todo o mundo pela diminuição da jornada de trabalho, para ilustrar e corroborar nossa teoria em defesa da luta pelas 30 horas semanais. O sistema capitalista se consolida como sistema dominante mundial após a Revolução Industrial. Foi a força motriz à vapor, e depois à carvão que assinalou o fim do período das manufaturas e do sistema gremial (possibilitou o surgimento da grande indústria produzindo em série). Agora, um único capitalista, empregando uma quantidade grande de trabalhadores tinha um lucro incrivelmente maior. O trabalhador perdeu sua especialização. No sistema gremial cada um trabalhador dominava completamente seu trabalho. O grêmio era a organização que na indústria correspondia ao feudalismo. Mestres, Oficiais e Aprendizes dominavam completamente um determinado ramo da indústria. Um aprendiz tinha a aspiração de se tornar Oficial e Mestre. Cada grêmio de um determinado setor da indústria tinha o monopólio da produção e guardava a sete chaves seu know how. Algum membro de um grêmio que traísse sua corporação e revelasse segredos era punido até com a morte. Seu poder dentro das cidades era grandíssimo, a ponto de proibir a instalação de concorrentes em seus burgos.

O capitalismo comercial, com a implementação de domínios sobre áreas cada vez mais extensas, com o lucro advindo do tráfico internacional (inclusive o de escravos) e do colonialismo criou uma acumulação de capital e uma necessidade de comércio que transcendia a capacidade de produção dos grêmios. O desenvolvimento da produção em massa era tolhido por suas regras feudais de limitação de produção e de proteção de ramos de indústria. Inicialmente os capitalistas comerciais lutaram contra o monopólio dos grêmios através da indústria doméstica, pagando a artesãos independentes para produzir individualmente produtos fora dos grêmios. Todavia, nesta fase, ainda não era dado o golpe de morte na produção gremial.

Com o advento do tear movido a vapor criou-se a possibilidade de vários operários ao mesmo tempo produzirem numa velocidade maior que a do operário isolado. A indústria artesanal foi sendo substituída por grandes fábricas onde havia pela primeira vez a divisão do trabalho. Nesta indústria, dez operários trabalhados juntos cooperando com uma máquina, passaram a produzir muito mais do que dez artesãos trabalhando isoladamente e controlando a produção do início ao fim. Se antes, um único operário fazia um alfinete, moldava o corpo, fazia o furo, batia na bigorna a cabeça; vários operários distintos faziam operações separadas que no fim davam o mesmo resultado com muito mais facilidade.

Cada operário trabalhava numa fase. Um derretia o ferro, o outro carregava a massa líquida para o forno. Um terceiro a esfriava e desenformava, um quarto moldava a cabeça enquanto um quinto fazia o furo. Por fim, um sexto operário embalava os alfinetes e o expedia.

Foi uma tremenda revolução na produção. A indústria artesanal, ferida de morte não durou muito. O orgulhoso artesão que controlava todas as fases de seu trabalho agora se transformava no operário especializado em apenas uma ínfima operação do produto que estava completamente alienado do trabalho final.

O primeiro resultado da divisão do trabalho na fábrica foi a alienação do homem em relação ao produto do seu trabalho. Se antes o artesão controlava toda a produção e se personificava como pessoa dentro do seu próprio trabalho, reproduzia sua vida de forma íntegra no seu trabalho; agora o operário apenas transmitia a máquina um movimento repetitivo e monótono que tornava seu trabalho insuportável.

Citando Marx: “A máquina é uma reunião dos instrumentos de trabalho e de modo algum uma combinação de tarefas para o próprio operário. Quando pela divisão do trabalho, cada operação particular tiver sido reduzida ao emprego de um instrumento simples, a reunião de todos estes instrumentos, postos em ação por um só motor, forma – uma máquina. Instrumentos de trabalho simples, instrumentos compostos, movimentação de um instrumento composto por um só motor manual, pelo bem do homem, movimentação desses instrumentos pelas forças naturais, máquina, sistema de máquinas com um só motor, sistema de máquinas com um autômato por motor – é esse o caminho das máquinas.

A concentração dos instrumentos de produção e a divisão do trabalho são tão inseparáveis uma da outra, como o são, no regime político a concentração dos poderes públicos e a divisão dos interesses privados. A Inglaterra, com a concentração das terras, esses instrumentos do trabalho agrícola, tem igualmente a divisão do trabalho agrícola e a mecânica aplicada à exploração da terra. A França, que tem a divisão dos instrumentos, o regime parcelar, não tem em geral nem divisão do trabalho agrícola, nem aplicação das máquinas à terra.” (Carlos Marx, A Miséria da Filosofia – 1847-, Editora Centauro, São Paulo, 2001).

Esta transformação só foi possível porque os capitalistas enriquecidos pelo tráfico das colônias encontraram mão-de-obra em abundância devido ao cerceamento dos campos (que foram transformados em pastagem para produzir lã, valiosíssimo artigo de exportação). O fim do feudalismo assistiu a uma vagabundagem geral e ilimitada que vai fornecer a mão-de-obra barata indispensável à instalação das novas fábricas.

Se nas corporações tudo era regulamentado, e o trabalho, ainda que duro, era suportável e digno, nas novas fábricas se dava todo o contrário. A simplificação das tarefas a movimentos mecânicos repetitivos levou os industriais a empregarem crianças e mulheres. Para não morrer de fome, em condições extremamente miseráveis, os trabalhadores trabalhavam praticamente sem descanso. A Jornada de trabalho praticamente inexistia. Muitos dormiam (ou cochilavam na própria fábrica) e não era incomum jornada de trabalho de 16, 18 horas para ganhar apenas o suficiente para não morrer de fome.

É o momento que o trabalho visto como VALOR, como mercadoria, estende-se como forma geral para toda a sociedade. Este movimento não foi feito de uma vez para sempre, nem foi lento, gradual, aceito sem lutas. O trabalho visto por toda a sociedade como parcela de valor, foi um fato que teve de se incorporar a toda a sociedade. Só numa sociedade em que de um lado se impusesse um classe detentora dos meios de produção (BURGUESIA) e do outro, uma imensa massa desprovida de qualquer meio de sobrevivência (PROLETARIADO) poderia efetivamente impor esta norma à vida cotidiana a todos. O proletariado, em verdade, não tinha condições de vida superiores aos servos da idade média. Trabalhava mais, em piores ambientes, recebia salários miseráveis, estava proibido de se sindicalizar, não tinha direito a uma jornada de trabalho. Seus filhos passaram a ser empregados como escravos do capitalista e suas mulheres passaram a fazer parte também da engrenagem industrial e do comércio sexual hipertrofiado pelo aburguesamento de todos os valores (transformação de todos os valores no VALOR).

A transformação de toda a atividade humana em VALOR, a redução de todo e qualquer trabalho a uma partícula ínfima de trabalho social corporificado em valor, transformou toda a vida humana, toda ética, até a vida sexual das pessoas. O corolário ético da revolução industrial foi a revolução protestante, a criação de uma couraça sobre os sentimentos e a criação de uma família compulsiva, célula da atividade econômica. Toda a atividade humana que não fosse destinada a PRODUZIR VALOR, tinha que ser atacada e controlada pela sociedade.

É interessante o estudo que Michel Foucault faz sobre isto ao demonstrar que o interesse do controle da loucura, a Moral Vitoriana purista, o crescente controle e criminalização de todos os atos sociais tem um mesmo objetivo e uma mesma raiz. O controle total sobre o trabalho, o controle direto, objetivo sobre a vida humana, com o firme princípio de reduzir o organismo humano a produzir. Assim, a loucura é perseguida não por objetivos humanos de defesa da sociedade, mas para efetivamente reduzir a possibilidade de seres humanos que não sejam PRODUTIVOS. Foucault comparou a sociedade capitalista ao grande presídio idealizado por Benthan, o Panopticon, onde, de uma sala central seria possível controlar o movimento de todos os seres humanos. Temática que foi retomada por Orson Wells em seu admirável 1984, que muitos, de forma míope, acharam que era um livro que apenas criticava o Estado Soviético, sem se dar conta como estamos absorvidos em nossa vida, em nossa existência, por um mecanismo de produção de valor que absorve a melhor e maior parte do nosso dia.

Ainda hoje vemos que a sociedade moderna não se livrou e sequer se deu conta desta paranóia da produção. Os conceitos de ética, moral, bem e mal estão diretamente relacionados ao homem encaixar-se ou não como uma engrenagem, como um parafuso na máquina produtiva. E aqueles que não se encaixam nelas são efetivamente perseguidos, marginalizados e fustigados como proscritos por não darem sua quota-parte na produção de valor.

A redução de toda atividade humana à produção de valor, a redução da consciência humana, de sua felicidade e existência à busca da produção do valor, Marx chamou de FETICHE DA MERCADORIA. Fetiche, francês, vêm do nosso vernáculo feitiço, e na verdade quer dizer a mesmíssima coisa. O complexo de inferioridade brasílica transformou fetiche numa palavra INTRADUZÍVEL. Qualquer dicionário Francês português mostra a etmologia da palavra, do português Feitiço. Seria o poder que as coisas, que o valor das coisas assumiriam sobre as pessoas, as pessoas vivendo, consumindo-se, trabalhando apenas e tão somente para possuir. A ética pessoal sendo transpassada pela figura da propriedade e o ato de possuir tornando-se a essência da vida. E a mesa que ganha vida e dança na frente do proprietário, com uma essência própria que reifica o homem. O homem absorvido como mecanismo da máquina, retoma sua essência invertida como numa câmera fotográfica, despindo-se do seu conteúdo humano e transformando-se em reles detentor de coisas.

Marx, o mais genial crítico do Capital, mostrou-nos claramente que a ideologia (consciência social) dominante de uma determinada sociedade é a Ideologia da Classe Dominante, ele assim expressa esta passagem de uma sociedade baseada no costume para uma sociedade assentada no valor:

“A burguesia, onde ascendeu ao poder, destruiu todas as relações feudais, patriarcais, idílicas. Rasgou sem compunção todos os variegados laços feudais que prendiam o homem aos seus superiores naturais e não deixou outro laço entre homem e homem que não o do interesse nu, o do insensível “pagamento em dinheiro”. Afogou a sagrada reverência da exaltação devota, do fervor cavalheiresco, da melancolia sentimental do burguês, filistino, na água gelada do cálculo egoísta. Resolveu a dignidade pessoal no valor de troca de um sem número de liberdades legítimas estatuídas colocou a liberdade única, sem escrúpulos, do comércio. Numa palavra, no lugar da exploração encoberta com ilusões políticas e religiosas, colocou a exploração seca, direta, despudorada, aberta.

A burguesia despiu todas as atividades até aqui veneráveis e estimadas com piedosa reverência da sua aparência sagrada. Tranformou o médico, o jurista, o padre, o poeta, o homem de ciência em trabalhadores assalariados pagos por ela.

A burguesia arrancou à relação familiar o seu comovente véu sentimental e reduziu-a a uma mera relação de dinheiro.” (Carlos Marx, O Manifesto do Partido Comunista, Edições Progresso, Moscou, 1987).

Wilhelm Reich, para terminar a caracterização da sociedade do valor, mostrou como a sexualidade compulsiva e anti-natural é efetivamente necessária para a realização de uma sociedade alienada e de exploração. Uma sociedade onde o corpo reduzido ao parafuso de uma engrenagem tem de ser negado e controlado e os efetivos resultados disto. Moralismo sexual fascista, paranóia, esquizofrenia, neuroses de todo o tipo. O homem tendo sua satisfação e sua saúde, sua felicidade estrangulada por uma sociedade assentada no trabalho compulsivo e na produção continuada do valor. O homem como número. Uma moral de uma sociedade desumana só pode ser imposta com controle rígido sobre a natureza de equilíbrio do homem, desnaturando-a e convertendo-a em negação da satisfação de seus desejos mais íntimos. A felicidade assim se vê desnaturada e só pode ser conseguida numa competição brutal, onde o sorriso “Colgate” dos vitoriosos e a desumana alienação das vítimas de um processo de miséria brutal, onde esta felicidade do valor se baseia na escravidão assalariada, miséria, dor, infelicidade e vida sub-humana da esmagadora maioria.

É nesse contexto que surge a luta pela diminuição da Jornada de Trabalho. A fábrica aproximou os trabalhadores que se constituíram em classe no seu trabalho de produção e reprodução da vida diária, com interesses antagônicos aos do patronato em geral.

Ocorreu primeiro o movimento ludista, com quebra das máquinas e destruição de fábricas inteiras. Estes movimentos se davam porque os trabalhadores viam na máquina um mal, que causava desemprego e escravidão. Queriam retornar à era feudal. Como não é possível fazer rodar para trás a roda da história, logo, com muitas execuções e prisões o movimento ludista foi se extinguindo (mas não a resistência da classe trabalhadora).

No lugar do movimento ludista surgiriam os movimentos cartistas e trade-unionista inglês e socialista operário francês. A luta do movimento cartista (que iria desembocar na criação das primeiras trade-unions, os sindicatos operários) era por melhorias nas miseráveis condições de vida da classe operária (que àquela época ia se transformando paulatinamente na grande maioria da população inglesa). O movimento trade-unionista inglês criou o cartismo. Onde as aspirações da classe operária inglesa foram sendo traduzidas numa luta parlamentar, com a cooptação, prisão e até eliminação física dos elementos mais revolucionários para controle efetivo da sociedade sobre o movimento de protesto.

Ainda assim, o movimento trade-unionista inglês conseguiu as primeiras vitórias decisivas contra as jornadas de trabalho ilimitada.

As Mentiras sobre a Redução da Jornada de Trabalho.

Carlos Marx, criador do Socialismo científico, é criador e criatura de uma época. Na práxis de sua constituição como teórico, além de uma sólida formação científica, imprescindível foi seu contato com o movimento operário. Ele foi contemporâneo do movimento trade-unionista inglês e do nascente movimento socialista francês. Combatente da linha de frente, ele produziu vários textos onde combateu as mentiras contra a redução da jornada de trabalho.

Os teóricos burgueses, filistinos assalariados pelos patrões, diziam que se houvesse a redução da jornada de trabalho toda a sociedade desmoronaria. Isto porque o trabalhador produziria para o capitalista apenas na sua última hora de trabalho, todo o trabalho restante seria apenas para a reprodução do salário do próprio operário. O Valor, a produção do valor na produção estava completamente envolvido em completa obscurecência. Com esta propaganda em toda a imprensa burguesa da época os patrões obstinavam-se em lutar contra qualquer melhoria das condições do operário. Na verdade queriam apenas explorar ao máximo seu moderno escravo assalariado sobre as mais extremas condições.

Episódios como os mártires assassinados em Chicago no dia 1º de maio, que se transformou na data internacional de luta dos trabalhadores, são demonstrações cabais de como se dava na prática este enfrentamento. O proletariado ia tomando consciência de classe exatamente nos seus embates onde os seus interesses antagônicos aos da burguesia iam se clarificando. Em cada derrota a grande vitória do proletariado era exatamente a tomada de consciência da sua força como classe e do antagonismo inconciliável de seus interesses com relação aos da burguesia.

Marx, na teoria teve que desenvolver a forma do valor para explicitar que era uma falácia, uma farsa a história do lucro do capitalista estar apenas na última hora de trabalho. Para começar começou a mostrar que o valor de uma mercadoria está relacionado à quantidade de trabalho SOCIALMENTE NECESSÁRIO despendido nela. Assim, uma mercadoria na qual haja um dispêndio maior do que aquele que seria socialmente necessário para produzi-la em determinado ramo, acabaria por ser vendida abaixo dos seus custos de produção. Que os custos de produção estão relacionados ao grau de desenvolvimento das forças produtivas e da competição inter-capitalista, onde as indústrias menos evoluídas, onde as novas invenções que revolucionam as relações produtivas não estejam sendo aplicadas acabam por sucumbir na competição com as indústrias mais avançadas. E que os ramos onde a competição faça o preço descer abaixo dos custos de produção termina por produzir falências em série, com estas falências em série, diminui-se a produção num determinado setor e através do equilíbrio posterior entre a oferta e a procura, os preços sobem acima dos seus custos de produção.

Isto, ao contrário da propaganda liberal, não é uma demonstração da crença no equilíbrio do mercado, no sentido de um equilíbrio harmônico, mas a demonstração da anarquia da produção e do mercado, onde o equilíbrio se dá por crises de super-produção onde só se alcança a estabilidade mediante a destruição de uma quantidade imensa de forças produtivas. Onde este equilíbrio, esta estabilidade, é apenas uma fase de calmaria que prepara as condições para a futura crise de super-produção onde todo o alicerce da sociedade se vê ameaçado.

Já vimos que o valor de uma mercadoria está relacionado ao trabalho, à quantidade de trabalho socialmente necessário despendido na produção de determinado produto. Mas a representação deste valor se dá numa relação com outras mercadorias. Um quilo de carne = três litros de leite = cinco caixas de alfinete = 1/5 de um pneu… e a lista continuaria ininterruptamente ad infinitum, para mostrar a correlação de valores que só é possível numa sociedade onde o mercado esteja completamente estabelecido e onde todo o trabalho exista para a produção de valor. No feudalismo, onde os pagamentos são em espécie e onde o servo não trabalha para o mercado, mas sim para si mesmo e uma parte do tempo para seu patrão, esta correlação não está plenamente desenvolvida. A quantidade de produtos produzidos é ínfima e a troca de mercadorias ainda é incipiente. Só numa sociedade onde todo o trabalho pode ser objetivado como valor de troca, onde toda a atividade humana seja transformada direta ou indiretamente (a atividade teórica, por exemplo) em produção valor, em trabalho assalariado, é possível este intercâmbio ininterrupto do valor. À concentração da produção corresponde a concentração da população nas grandes cidades, a criação de grandes mercados, o rompimento das barreiras feudais ao intercâmbio, a necessidade da troca ininterrupta, pois para se apropriar do valor o capitalista necessita que toda a sociedade tome uma forma que possibilite o intercâmbio.

Assim, a moeda, como expressão de valor intercambiável entre todas as mercadorias só se torna forma de pagamento realmente universal com o total desenvolvimento da produção capitalista, ela corresponde a um determinado desenvolvimento das relações de produção onde toda atividade humana reduz-se à forma VALOR da mercadoria e onde todas as mercadorias tem de ser levadas ao mercado para aí serem postas em CIRCULAÇÃO e resolverem sua dupla vida, de valor de troca para seus produtores transformarem-se em valor de uso para seus consumido e assim receberem seu valor determinado pelo mercado. É a CIRCULAÇÃO, o MERCADO, que na verdade está condicionado tão mais que condiciona a produção, que ai determinar em última instância o VALOR SOCIAL, a necessidade, o preço final de uma determinada mercadoria.

Mas, até agora avançamos muito pouco na questão do valor. Sabemos que o valor de uma determinada mercadoria se dá pela quantidade de TRABALHO SOCIALMENTE NECESSÁRIO INCORPORADO NELA, que esta determinação se dá pela CIRCULAÇÃO, pela troca constante, incessante, ininterrupta entre todas as mercadorias que vai determinar que uma determinada mercadoria receba X de valor, a outra 2 X e assim por diante, de acordo com a oferta e a procura delas, determinada todavia pelo grau de desenvolvimento das forças produtivas da própria sociedade. A produção não produz só as mercadorias, produz o mercado para estas mercadorias, produz necessidades e condicionamentos novos que ampliam o mercado para esta produção. Por exemplo, vejamos a indústria de fiação, a pioneira no capitalismo, ela não só produziu roupas, ela produziu com a expansão da produção toda uma nova necessidade social por estas roupas, ampliando os gostos, os tipos produzidos, trouxe pessoas que antes não consumiam seus produtos para o mercado. Na verdade a utilidade pela qual se mede a procura de um determinado produto é também uma necessidade social, então, sua procura é última instância produzida socialmente e determinada pelas próprias mudanças na sociedade que a evolução nas forças produtivas e nas relações de produção criam a cada dia.

O produtor necessita levar seu produto ao mercado para que este cria valor para ele. Ele produz sapatos, mas necessita para viver de pão, vinho, cordas, feijão, etc. Necessita então trocar este sapato por toda esta série de produtos. No entanto, ele não vai encontrar no mercado simplesmente quem queira intercambiar pão, vinho, cordas, diretamente com ele. Na verdade, a própria expansão da produção e, conseqüentemente do intercâmbio leva a necessidade da produção de um novo produto que seja a REPRESENTAÇÃO UNIVERSAL DO VALOR. Vemos na história que no início alguns produtos correspondem a esta necessidade, de forma precária, como o sal por exemplo. Os metais preciosos, por sua raridade, maleabilidade, durabilidade, acabam por substituir com vantagem todas as formas anteriores e se transformam no símbolo universal do valor, servindo de intercâmbio e se transformando em moeda.

Deve-se notar que ao fim, os metais preciosos, como o ouro e a prata são mercadorias como outras quaisquer e seu valor está representado também pelo tempo de TRABALHO SOCIALMENTE NECESSÁRIO para a sua produção, por sua utilidade social. Todo o ferro do mundo é muito mais valioso do que todo ouro do mundo. Mas o ouro é muito mais raro que a prata, por esta razão serve como símbolo de valor. Todavia, a correlação do ouro com outros produtos é dado exatamente pelo tempo gasto na sua produção, descoberta, extração, refino. Cada nova descoberta de ouro que coloque em consideração uma quantidade extremamente grande no mercado diminui seu valor. Assim como, a retirada de grandes quantidades do mercado é capaz de aumentar seu valor. Se o ouro pudesse ser produzido numa quantidade tão grande como o ferro, seu valor diminuiria de tal forma que deixaria de ser “precioso”. Sua preciosidade reside necessariamente na sua raridade. Mas não só na sua raridade. Ele necessita da organização da produção de que ele seja a representação do valor, senão, como vimos na Sociedade Inca, seu Valor Monetário será zero.

Achado este valor universal, o ouro, a prata na sua função de moeda, já podemos resolver a circulação, a compra e a venda através de um símbolo de valor universal. Assim, nosso produtor lança seu sapato no mercado como mercadoria (valor de troca para ele, que só se realizará na venda) e que se torna valor de uso para seu comprador. A transformação de um valor de uso num valor de troca é a metamorfose necessária para que a mercadoria crie valor para seu proprietário, a compra e a venda da mercadoria é a relação que resolve a necessidade desta mercadoria para a sociedade. Se a mercadoria colocada no mercado não é comprada, não é absorvida pela circulação ela não é socialmente necessária naquele momento, seu valor de troca não é resolvido num valor de uso ao ser adquirida pelo consumidor. A metamorfose M-D é o momento onde o produtor, ao colocar seu produto num mercado abarrotado pela concorrência verá se consegue realizar seu lucro através da venda, ou se a produção de seu bem lhe acarretará prejuízo, caso não consiga vender suas mercadorias para cobrir seus custos de produção.

M-D na verdade se correlaciona com D-M. Toda venda é também uma compra. Se o produtor está no mercado com uma determinada mercadoria, para trocar por dinheiro (que como já vimos também é uma mercadoria (símbolo universal de valor todavia)) o comprador efetua a operação contrária, quer satisfazer através do seu dinheiro uma necessidade humana. Para ele o produto a ser comprado não é uma mercadoria mas um bem tão somente para seu uso. Entretanto, para obter este dinheiro, também o comprador, seja ele um assalariado ou um burguês, teve que em determinado momento vender alguma mercadoria (ainda que seja sua força de trabalho) para a obtenção do dinheiro. Assim, a venda M-D resolvida em seu contrário D-M, está numa correlação ininterrupta M-D-M-D-M, da mesma forma que a compra inicial D-M, resolve-se em D-M-D-M-D. senão com os personagens singulares iniciais, em toda uma série de compras em venda.

Nosso produtor (na verdade, um grande burguês nas condições atuais de vida) não vende apenas para receber dinheiro, gastá-lo todo e deixar de trabalhar. Ele necessita separar uma parte do dinheiro da sua venda para comprar meios de produção para produzir novamente e voltar ininterruptamente ao mercado. Da mesma maneira que nosso singular comprador, que deverá continuar a reproduzir sua vida, necessitará produzir mais dinheiro para si mesmo, de alguma forma, para comprar constantemente os produtos necessários a sua vida.

Bem, já chegamos ao produto que representa o valor universal, já chegamos a circulação M-D-M ou D-M-D. Sabemos que o VALOR de uma determinada mercadoria é representado pelo trabalho socialmente necessário contido nesta mesma mercadoria. Mas, por enquanto andamos em círculo. Se dizemos que o valor de um quilo de açúcar equivale à quantidade de trabalho necessária para produzir um quilo de açúcar, fabricamos uma tautologia. E só podemos efetivamente fazer séries de comparações… Dez quilos de açúcar = 5 quilos de café =10 quilos de tomate =dois quilos de carne = ½ quilo de ouro = 15 reais… na verdade a lista seria infinita, e no fundo sempre relacionado ao valor do trabalho.

Mas afinal, como saber o VALOR DO TRABALHO? Onde se encontra o trabalho? O trabalho é uma função da força de trabalho humana viva. Então, da mesma maneira que os custos de um determinado produto são os custos para a produção deste produto, o custo do café representam-se pelos gastos necessários na produção e manutenção da lavoura, também o custo da força de trabalho representam-se pelos custos necessários produção e a manutenção da força de trabalho humana viva, ou seja, os custos de manutenção e reprodução do trabalhador. Sujeitos as todas as flutuações que a escassez, a oferta, a procura, representam para os outros produtos.

Agora damos um passo à frente. Na circulação, na produção, até agora não conseguimos surpreender o momento em que se dá o LUCRO. Os nossos capitalistas e sua fração de classe de apaniguados intelectuais nos fazem acreditar que o lucro advém de uma operação de venda acima do valor da mercadoria. Mas como pode ser assim, se a determinação do preço de uma mercadoria se dá numa correlação com toda uma série de outras mercadorias? E, ainda que admitissimos, que uma mercadoria é vendida acima de seu VALOR, logo que este capitalista realize seu lucro se torna um comprador ele compraria todas as outras mercadorias acima do seu VALOR também… assim, a operação inicial de vantagem seria completamente anulada pelas compras subseqüentes. Não é possível que toda a classe capitalista engane-se entre si.

O capitalista necessita de um produto que através de uma alquimia produza um SOBREVALOR. Ele encontra este produto no mercado, este produto é FORÇA DE TRABALHO HUMANA VIVA. Este conceito é fundamental. Pois, na verdade o capitalista não compra o trabalho do operário, ele compra a FORÇA DE TRABALHO. O trabalhador aliena de uma só vez toda a sua força produtiva para o capitalista. Já vimos que o custo da força de trabalho humana viva é o MÍNIMO INDISPENSÁVEL PARA A MANUTENÇÃO DO TRABALHADOR. Alguns objetaram que muitos ganham abaixo, ou acima deste mínimo necessário, de acordo com a flutuação do mercado, este mínimo deve ser visto como o mínimo para a manutenção e reprodução de toda a classe em si, incluindo-se aí as despesas para a criação dos filhos e para a educação da mão de obra.

Assim, descoberta a pedra filosofal da produção burguesa, sabemos que a maneira que o trabalhador se auto sustenta é ao vender sua força de trabalho para o capitalista e receber um salário. Este salário é condicionado pelo mínimo necessário para a reprodução de sua vida. Digamos que este trabalhador receba, nas condições brasileiras atuais 400 reais. Ele trabalha para produzir este mesmo salário 2 horas por dia.

Então ele pega suas coisas e vai embora para casa descansar com sua família, ler, desenhar, pintar, jogar futebol.

-Epa, alto lá!!!! Grita o nosso capitalista! Eu comprei o trabalho deste trabalhador (nós já sabemos que ele comprou a Força de Trabalho, mas nosso burguês, não) para que ele trabalhe oito horas para mim!!!! Ele tem de trabalhar as outras seis. Estas seis horas de trabalho a mais que o trabalhador entrega graciosamente ao capitalista é o segredo do LUCRO, DO SOBREVALOR.

Esta operação também pode ser representada por peça, aquele trabalhador que trabalha por peça, geralmente trabalha uma para si, para seu auto-sustento e outras duas ou três de graça para o capitalsta.

É a MAIS-VALIA.

E nesta relação de trabalho não pago que reside todo o lucro do trabalho na sociedade capitalista.

Por esta razão, por não querer reduzir seu lucro é que os capitalistas lançaram a fábula de o lucro do capitalista estar somente na última hora trabalhada. Os burgueses não queriam de um lado que seu lucro diminuísse, de outro não queriam que os operários começassem a interferir na produção como classe, através de sua coesão, ditar normas ao capital diminuir a apropriação que o capitalista tem da vida do moderno escravo.

Isto resultou em pesados choques. Mortes, prisões, repressão violenta do movimento trabalhador. Quase sempre os trabalhadores saíram vencedores (ainda que parcialmente destas lutas), e é assim que a jornada de trabalho veio diminuindo em mais de século e meio de resistência proletária. Das inciais 18, 16, 14 horas para as atuais 8 horas.

Na verdade, a diminuição da jornada de trabalho também trouxe vantagens ao próprio capitalista. Com as melhorias das condições de vida adjacentes a esta diminuição, uma melhor concentração, uma diminuição no número de acidentes e uma exploração intensiva do trabalho humano que fez com que o trabalhador pudesse produzir em oito horas o mesmo que em 12 ou 14 horas por dia.

As profecias catastróficas dos ideólogos da burguesia que prediziam a ruína da produção com a diminuição da jornada de trabalho nunca se concretizaram, na verdade as benesses da diminuição da jornada de trabalho conseguidas pelas lutas operárias foram apropriadas em benefício da própria burguesia, com uma maior racionalidade da produção e uma diminuição do descontentamento proletário com a redução do grau de exploração.

A Alienação do Homem no Processo do Trabalho e Sua Reificação

Na produção o operário não se realiza como pessoa. Ao contrário do servo ou do mestre da idade média, ele não controla seus meios de produção, é controlado por eles. Seus movimentos repetitivos necessários a uma determinada fase da produção o alienam do processo completo de produção. Ele não passa de uma peça de engrenagem que é mais capaz sendo mais castrado, que é melhor sendo mais parcial, que é mais eficiente, sendo menos humano. O processo de produção é já em si também o processo de alienação do trabalhador, que não se dá conta de todo o processo de produção e reprodução, que através da circulação faz parte do processo de produção e reprodução da sociedade.

Com um processo de trabalho alienante, onde ele se vende, todo seu tempo vital ao capitalista, a vida deste operário começa depois da jornada de trabalho, em sua casa, na taberna, ele experimenta a reificação de uma parcela de sua vida. Como o próprio Marx, dizia, numa sociedade castrante e alienada, tão importante quanto a batata para a reprodução e consolidação da classe operária (ao baixar os custos de produção) foi a aguardente, para conseguir conter toda a frustração de uma vida que não tem sentido. Vendido de uma vez para sempre para os capitalistas, e dependendo desta venda para sua sobrevivência, o operário observa o Mercado como uma mão invisível, que num dia de desgraça pode jogá-lo e toda sua família na MAIS ABSOLUTA MISÉRIA.

Seu trabalho só vale para ele como produtor de VALOR. O valor que permeia toda a sociedade humanidade cria o FETICHE DA MERCADORIA, na sociedade da forma valor. O trabalho do operário, para ele mesmo, só tem significado enquanto produtor e reprodutor de valor, no qual ele poderá se encaixar na sociedade, onde ele poderá comprar os bens necessários a sua existência. A sua reificação da existência alienada se dá, na sociedade de valor, na compra e venda de mercadorias, que têm uma existência para além do valor de uso, são símbolos de status e importância, tem todo um FETICHE, uma existência para além de sua significação de produtos, na sociedade do valor. A posse reifica e traduz significado à existência humana.

Toda a luta por uma nova sociedade, onde os homens não estejam escravizados às coisas, tem de passar pela crítica da Forma Valor. Como observam vários teóricos, vivemos numa sociedade onde os homens estão escravizados a seus produtos e trabalham várias horas, ou a maior parte de suas horas, por uma série de coisas das quais realmente não teriam a mínima sociedade, mas que traduzem as diferenças de STATUS numa sociedade capitalista alienada.

E nesta crítica da alienação do homem no processo produtivo, com a perda de sentido de sua existência individual que Carlos Marx coloca a crítica revolucionária da palavra de ordem de passagem do REINO DA NECESSIDADE para o REINO DA LIBERDADE.

A quantidade de forças produtivas libertas e lançadas ao domínio da humanidade podem, numa sociedade controlada diretamente pelos produtores acabar com a alienação. Em lugar de o homem trabalhar para as coisas e ser escravo do tempo, ser escravo da produção, o homem dominar a produção para libertar seu tempo livre e se tornar senhor de sua própria existência.

A Alienação do Homem no Processo do Trabalho e Sua Reificação

Neste trabalho panfletário examinamos (não meticulosamente) as várias vantagens e as várias razões para lutar pela diminuição da jornada de trabalho.

Há ainda uma razão estratégica. Já há mais de uma década que o movimento operário e trabalhador vem correndo como o cachorro atrás do rabo. Sempre com lutas defensivas, para não perder mais direitos. Lutar pela jornada de trabalho de seis horas diárias, 30 semanais, subverte esta lógica. É uma luta ofensiva, que abre a perspectiva de contratação de uma quantidade maior de mão de obra (e com isto se engrossaria até certo ponto – dadas as dificuldade estruturais da crise do Capital – as fileiras dos trabalhadores formais), o aumento real do poder aquisitivo ao traduzir uma mesma remuneração por menos horas trabalhadas e, além de tudo isto, abre a discussão da diminuição da jornada de trabalho na perspectiva socialista de eliminação do trabalho como maldição e da necessidade de lutar por uma sociedade onde a produção seja regulada, visando o bem-estar geral, onde as pessoas só gastem de seu dia o tempo necessário e indispensável para a manutenção da sociedade na produção e que, aproveitando a evolução das forças produtivas, possam se utilizar da melhor maneira possível e que lhes aprouver (cultura, ócio, esporte, etc) sua vida.

Jogar o movimento dos trabalhadores na ofensiva, questionando a ordem capitalista alienante, brutal e estéril;

Diminuir um pouco o desemprego nesta crise aguda e crônica do sistema capitalista em sua fase final;

Melhorar um pouco as condições de vida dos trabalhadores, liberando mais tempo livre para eles;

Aumentar o salário real efetivo do trabalhador desde que ele tenha o mesmo salário por uma jornada menor;

Todas as razões para que esta luta seja primordial e estratégica no movimento sindical estão aqui expostas. Mas a maior de todas, a fundamental, é o questionamento efetivo da alienação do homem no processo de trabalho, submisso horas e horas por dia, numa labuta que lhe é alheia e que o vai esgotando ano após ano, apenas para que ele tenha condição de ser remunerado para se reproduzir, comprar e produzir mais valor (os setores que não trabalham diretamente na produção: Bancos, Administração Pública, Justiça, Segurança, etc, entram no custo social de produção, posto que são fundamentais na existência do sistema e seus custos entram na contabilidade dos setores produtivos, portanto, também são regidos pela lógica do VALOR), como RAZÃO DE EXISTIR DA HUMANIDADE.

Não é à toa que os burgueses reagem com violência a redução radical da jornada de trabalho. Eles no fundo sabem que a partir do momento que os proletários começarem a questionar a submissão total ao processo produtivo e a cobrar mais tempo para sua existência humana além do funcionamento como parafusos, já está se questionando a razão de existir de todo o Capital. O Capital só sobrevive se houver separação entre a produção e a cadeia de mando, a administração, a produção e a circulação.

Quando os trabalhadores começam a questionar o funcionamento de toda a estrutura produtiva, começam a questionar sua existência de formigas alienadas, dão um passo, pequeno mas efetivo, para começarem a entender e dar o passo final na libertação de todo o processo brutal de trabalho que seja exterior a eles mesmos, no caminho por uma sociedade auto-gerida e controlada em toda sua gênese pelos trabalhadores.

Contra a alienação, o embrutecimento, a perda do sentido de existência humana, 6 horas de trabalho diário, 30 horas de trabalho semanal para toda a sociedade.

Apenas o primeiro passo para um futuro no qual, com certeza, as pessoas não gastarão mais que duas ou três horas nas funções de manutenção da sociedade e terão todo o dia, todos os dias, de toda a sua vida a dispor.

A libertação dos trabalhadores só pode ser fruto da luta dos próprios trabalhadores!

Saudações Socialistas,

Roberto Ponciano

REDUZIR A JORNADA PARA PROLONGAR A VIDA

Reduzir a Jornada para Prolongar a Vida

“A Vida deveria ser duas, uma para ser ensaiada, outra para ser vivida”. Esta frase escrita em um muro é maravilhosa, mas, infelizmente não é real. A vida é apenas uma. Há uma maldição no gênesis, ganharás tua vida com o suor do teu rosto. Parece que a humanidade levou a sério mesmo o texto, e não se empenha em transformar a terra no Éden, num lugar ideal para se viver (esta aventura única e infelizmente não repetida).

Marx em um de seus trabalhos mais brilhantes dizia que sociedade chama de trabalho apenas uma parcela ínfima da vida humana. Reduz assim a possibilidade do homem viver e se realizar. Desde pequenos somos educados para sermos máquinas responsáveis e autômatas que dêem respostas eficazes quando acionados para trabalharmos. Não é à toa que o melhor trabalhador é aquele que menos contesta. No item eficiência sempre está pressuposto que o trabalhador mais capaz é aquele que seja menos humano, que não responda às ordens absurdas, que produza, por mais monótono que seja o serviço sem reclamar, que não atrapalhe de nenhuma maneira o sagrado altar da produção.

Chaplin em seu maravilhoso “Tempos Modernos” retrata o trabalhador civilizado quase como um robô. O mesmo magnífico pensador cunhou a frase, não sois máquinas, homens é o que sois. Em nome da eficiência máxima e do lucro total, 50 milhões de pessoas morreram na 2º Grande Guerra, onde eficientes máquinas modernas de matar mostraram a que ponto pode se chegar o descalabro humano de trabalhar sem pensar.

Por mais que o trabalhador, por muitas vezes esqueça, ele é, antes de tudo um ser humano. Com anseios, tristezas, privações, alegrias e com uma perspectiva de vida pequena e única que não pode, infelizmente, por razões biológicas, ser renovada.

A pergunta que fica é, é necessário e lógico gastar oito horas do dia dentro de um ambiente de trabalho fechado, com o grau de produtividade a que chegou a sociedade capitalista???? E a resposta, vista de qualquer ângulo é sempre não.

Por mais que haja trabalhadores doentes e neuróticos capazes de até querer que a jornada seja aumentada para 10, 12 ou 14 horas (pessoas infelizmente vazias, solitárias, sem vida própria e sem alegria), a grande verdade é que a produtividade atual do trabalho nos indica uma jornada máxima de seis horas diária.

Em seis horas de trabalho é possível produzir em qualquer ramo que seja, o mesmo que em oito horas e com muito mais eficiência. Embora hoje eu não queira falar para nossos patrões e, ou chefes, então eu não vá explorar a tanto assim a questão da produtividade (que aumenta efetivamente assim como diminui os acidentes de trabalho, as lesões por esforço repetitivo, diminui a necessidade de descanso durante o expediente, aumenta o poder de concentração), etc.

Quero falar é para cada companheiro, que a diminuição da jornada nos dará mais horas de luz do sol, mais horas com a família, mais horas para lazer e estudo e, até para os neuróticos por trabalho, mais horas para eles trabalharem em outro serviço e se esquecerem da vida fria e vazia que estão levando.

A diminuição da jornada de trabalho é antes de tudo um passo no sentido da emancipação com relação ao automatismo de um modo de viver que vai matando aos poucos o ser humano que há em nós (nos transformando em uma peça de mobiliário da seção), já que passamos mais horas no nosso trabalho do que com nossos entes queridos. E não estamos levando em consideração o tempo gasto com condução e alimentação enquanto trabalhadores, que eleva a jornada de trabalho a 10, 12, 13 horas por dia…

Diminuição da Jornada de trabalho para 6 horas por dia sem redução de salário. Um direito pelo qual vale à pena lutar. E é bom lembrar que ao lutarmos por esta emancipação de parte de nossa vida do julgo do trabalho compulsivo, estamos lutando também pelos nossos companheiros desempregados, a diminuição da jornada de trabalho obriga as empresas a contratarem mais funcionários para cobrirem seu expediente (principalmente as fábricas e as prestadoras de serviço). Estaremos ao lutar por nosso direito ajudando a diminuir um pouco o impacto do terrível desemprego que assola nosso país (é claro que só isto não vai solucionar este problema).

Já que se fala tanto em trabalho escravo, eliminemos a escravidão que existe em nosso dia a dia. Não ao prolongamento inútil e desumano das horas de trabalho, pela jornada humanista de 6 horas diárias!

A Sociedade do Fruir e a Sociedade do Trabalho Compulsivo

Um belo dia seu pai te chama e te diz:
– Filho, você precisa tomar um rumo. Você precisa ser alguém na vida.
Você então descobre que não é nada. Que sua vida até aquele momento nada foi, porque você é ninguém. Mas, como pode? Como será que você, nesta época na adolescência, ou pouco depois dela, não ser nada, não significar como pessoa coisa nenhuma?
Este diálogo muito real e comum revela muito do Fetiche da Mercadoria da nossa sociedade. Demonstra que tudo tem que passar pelo buraco de agulha do Valor para ser reificado e incorporado no mundo “real”. Enquanto você nada possui, você não é nada. Nem mesmo é humano. Sua humanidade, existência, sentido de existir tem de estar corporificado em alguma função do Valor. Só será reconhecido como máquina reprodutora de valor. Pouco importa sua função. Médico, jurista, professor, motorista, operário, de algum modo você tem de reproduzir a lógica de produção e reprodução do Capital. Vender-se e comprar muito, muito além da própria necessidade de comprar e vender o que é necessário para viver. Na verdade, viver então subsume-se a comprar e vender muito, quando der por conta, você estará empenhado por muitos anos, financiando seu próprio trabalho, com dívidas longuíssimas, que prometem que você será escravo dos produtos que consome durante décadas, até quase à beira da morte, tendo em vista que nossas sociedades agora prolongam a idade limite das pessoas se livrarem da escravidão assalariada, na idéia de que deve se aumentar a “idade produtiva”.
Mas, que diabo de idade produtiva é esta? Produtiva como? Para quem e para que? Numa sociedade que parou de se pensar, os indivíduos pararam de raciocinar, de questionar esta lógica perversa. O trabalho é um fim em si, que nunca jamais pode ser questionado. Engrenagens, peças de uma moenda de triturar seres humanos, aprisionamos, agrilhoamos uns aos outros na lógica irracional de que o TRABALHO DIGNIFICA. Na verdade, o TRABALHO ESCRAVIZA.
Vivemos a contradição de aumentarmos a produtividade num grau jamais imaginado antes pela humanidade e, em lugar de diminuirmos nosso ritmo de trabalho, nosso compromisso, o comprometimento de nossas vidas, de nossas sagradas horas que temos como aventura neste planetinha azul e que jamais se repetirão, o tempo que resta é todo novamente dedicado ao Deus Trabalho que também é o Deus Manon (não é à toa que a grande festa anual de nossa sociedade seja o festejo da Mercadoria). Na cantilhena louca, que sem especialização não mais existe lugar num mercado, que cada vez mais vira um Deus ex Machina e um mito, as horas disponíveis para o desfrute de lazer viram horas de estudo e especialização. Não de estudo de música, língua, artes, dança ou qualquer coisa sem ligação com o valor. Que dê puro e simples prazer, que seja desfrute. Mas estudo que se torne Capital, que seja reconversível em mais salário para necessidades cada vez mais questionáveis, de uma sociedade de homens rendidos, prostrados a Manon, a este Deus Valor que nos diz que trabalhar desgraçadamente, sem pensar, penando é a razão da vida.
Num mundo onde uma colocação no mercado de trabalho cada vez mais se parece a uma fantasia louca neurótica do que a uma possibilidade real, as pessoas sequer conseguem enxergar que a antiga sociedade do trabalho está ferida de morte. Os trabalhos nos setores produtivos que caracterizavam a sociedade industrial fordista foram e estão sendo substituídos (mas não numa proporção que garanta emprego a todos) por ocupações sem nenhum especialização, e com um pagamento para lá de ordinário, devido a pressão que o imenso exército de desocupados coloca sobre o salário. Na verdade, o salário tem diminuído, em regra, tanto, que mais se parece com uma esmola. Há uma linha tênue separando quem está desempregado de quem tem um trabalho com salário miserável, e muitas vezes não se sabe muito bem o que rende mais, o emprego miserável ou o desemprego, onde a pessoa sobrevive de bicos ou de ajudas.
Completamente alienados de que não necessitamos viver assim, numa espécie de frenesi e loucura neurótica coletiva, disputamos a tapa os últimos lugares nas senzalas dos senhores de escravos. E a esquerda repete argumentos não muito sérios (e nos quais ela mesmo não acredita) de retomada de crescimento com criação de mais postos de trabalho. No fundo todos sabem que a sociedade do trabalho compulsivo, a sociedade capitalistas, o reino da necessidade está ferido de morte. Só que admitir isto é admitir irracionalidade de nosso modo de vida e fazer uma crítica de alto a baixo de uma sociedade que precisa reaprender a viver sem a rotina neurótica, compulsiva e louca do trabalho compulsivo.
A ideologia dominante de uma sociedade é a ideologia da Classe Dominante. Para a nossa elite mundial, a burguesia dona das senzalas, dos modernos meios de criar seres parciais neuróticos, escravizados a uma rotina entediante de escravização a seus próprios produtos, há que se falar sempre que criticar a sociedade do trabalho é loucura, “utopia”. De outro lado, a esquerda radical entende mais de materialismo histórico do que de dialético. Presa ao trabalho, até o nome de seus partidos carrega em seu seio o nome maldito da escravidão ao Trabalho. Poucos, talvez menos de 1% dos marxistas sequer ouviram falar na teoria marxista da abolição do trabalho, atacam esta palavra de ordem como se fosse “revisionismo reacionário”, quando na verdade é pura dialética marxista.
Não estamos tão longe assim desta abolição do trabalho. Quando Marx elaborou esta tese (deliciosamente defendida por Paul Lafargue em seu Direito à Preguiça), ele sabia que a evolução dos meios de produção não permitia ainda este vôo. Mas ele antevia que o Capital libertou forças produtivas poderosas que poderiam realizar por fim a libertação do homem. A libertação do homem não é uma pura e simples repartição social. Marx colocou isto de maneira sarcástica quando num intervenção disse: “eu não sou marxista”. Referia-se ao que ele chamou de marxistas vulgares, que viam o reino da liberdade, o comunismo, como uma sociedade de repartição pura e simples, onde todos teriam acessos a mesma quantidade de bens. Marx nunca pretendeu isto. Ele mostrou que esta concepção no fundo é burguesa, um socialismo pequeno burguês, porque o pequeno proprietário não consegue pensar além da sociedade do trabalho, não pode ver um mundo onde as idéias não passem pelo fio condutor do fetiche da mercadoria, não necessitem da reificação do valor. Portanto, não pode abstrair uma sociedade onde a valoração não seja pela quantidade de bens que tem um indivíduo, mas sim como e como ele pode fruir da vida.
A sociedade do trabalho compulsivo está numa crise crônica e terminal. Não tem mais como se reproduzir e só pode sair de suas crises alargando limites sociais que não são infinitos. O profundo fosso que o sistema cava entre uma humanidade que ainda consegue reproduzir sua existência dentro da forma Valor e a imensa maioria que vai sendo colocado à parte do processo de reprodução de vida através do Capital, não tem saída. Não há resposta, nem resgate para a imensa crise social que o Capital aprofunda dia a dia. Só um imbecil oligofrênico crônico acredita que, com a previsão que o número de favelados, de excluídos, de desempregados duplicará em apenas 30 anos, não terá conseqüências na retomada dramática e violenta dos conflitos sociais. Conflitos sociais que não terão saída, resolução na sociedade capitalista do valor. Por mais que ela invista no conflito, por mais que ela ser arme, por mais que ela aposte na barbárie e no extermínio massivo e indiscriminado de populações inteiras para manter íntegro o status quo dos donos das modernas senzalas.
Nenhum sistema que perde sua base social sobrevive. Isto é uma verdade comprovada empiricamente em toda história da humanidade. Quando o número de escravos elevou-se de tal modo que tornou impraticável a continuidade do sistema escravista, Roma, que parecia eterna ruiu, e através do colonato chegamos a um novo modo de produção, o feudalismo. Depois, com a evolução das forças produtivas, co mo alargamento dos mercados, com a expulsão dos agricultores do campo, o feudalismo foi perdendo a sua base social, e, por mais que a aristocracia usasse da força para manter suas posições, a falta de base social para seu sistema fez com que o Capitalismo tornasse sistema dominante. Hoje vivemos o mesmo processo dentro do Capitalismo. O Capital deixou de ser um estímulo ao avanço das forças produtivas e hoje a extração de mais valor, de mais valia, do ser humano, passou a ser um entrave para a continuação das relações de produção. Com o predomínio do trabalho morto sobre o trabalho vivo, do capital constante sobre o capital variável, em níveis cada vez maiores dentro das unidades fabris, o capitalismo vai criando sua cova, a contradição antagônica sem solução dentro dos marcos do sistema do sistema de mercado sem mercados.
Se o capital fordista caraterizava-se pela ocupação intensiva da mão de obra, com uma participação grande do capital produtivo, do capital variável no produto final, com isto os operários financiando o próprio sistema e recebendo benesses desta simbiose, desta troca, contrariando na prática aquele aforismo escrito no Manifesto do Partido Comunista: “os operários nada tem a perder, senão suas cadeias”; o capital da automação, o moderno capital toyotista, caracteriza na predominância cada vez maior do trabalho morto sobre o trabalho vivo, por um desemprego crescente, por criações de válvulas de escape fantasistas, de ocupações artificiais para tentar contornar-se a crise incontornável, pelo ataque às conquistas da fase áurea do movimento operário para se garantir a reprodução ampliada do capital sobre uma base cada vez mais estreita. Gera uma pauperização e marginalização crescente que não pode ser revertida. Não há promessa de emprego, de ocupação para a maioria das pessoas das novas gerações. Serão os “desempregados estruturais”, gente sem função, ocupação, sem lugar e sentido num sociedade que valoriza as pessoas exatamente pelo lugar que estas ocupam nesta máquina de moer gente e fazer loucos.
Vamos gerar loucos numa profusão nunca dantes imaginada. Pessoas das quais cobramos que sejam “gente” a partir de suas ocupações dentro do Capital, mas para as quais cada vez, numa maior intensidade, menos haverá ocupações onde reproduzir a vida através do valor. É exatamente por esta razão que o Capital não consegue acabar com as grandes frentes de prostesto populares proletárias, armadas ou não. Das FARCs ao Exército Zapatista, passando pelo Movimento dos Sem Terra no Brasil, aos Movimentos Indígenas no Equador e Peru, aos Piqueteiros na Argentina, o que fica claro para estas massas que começam a se movimentar e convulsionar o continente é que para eles não há saída dentro do Capital. O Capital não pode reproduzir a mais importante ferramenta de trabalho do sistema, o SER HUMANO. Estes proletários paupérrimos, jogados fora do sistema para si são uma classe em si, no sentido que Marx colocava. Eles não têm interesses pessoais que contraditem os interesses de outras classes, não querem benesses, melhorias ou privilégios. Necessitam para sobreviver reorganizar de tal modo a produção de forma que todos tenham acesso aos produtos pertencentes à toda humanidade, sem exclusão, exceção. E isto é impossível dentro dos marcos do Capitalismo.
Esta imensa massa proletária miserável não tem outra saída para sua sobrevivência do que reorganizar de baixo a cima a sociedade, ferindo de morte uma organização social que mata o ser humano para continuar a sua sanha irracional de desbarato de todos os recursos do planeta, de destruição da natureza, da nossa nave espacial em que todos vivemos, só para não perder o controle da senzala.
Por isto, neste momento, novamente se coloca na pauta do dia a ruptura radical visando a uma sociedade do desfrute. Não podemos reproduzir os erros de uma tentativa socialista que colocou como parâmetro de desenvolvimento socialista a taxa de produção de aço. Temos a necessidade de revolucionar o homem de forma humanista. Fazer a crítica revolucionária radical da sociedade capitalista, através de uma classe, o proletariado, que não têm nada a perder senão suas cadeias, tem o novo mundo a ganhar, para inaugurar uma nova era.
Se esta classe em si, que não pode se libertar sem libertar toda a sociedade, tomar o poder, não pode repetir a lógica do Valor, do trabalho compulsivo e neurótico, esvaziador do ser humano, se não quiser condenar sua tentativa socialista ao fracasso. A passagem do reino da necessidade para o reino da liberdade não ocorrerá sem uma crítica QUALITATIVA DA PRODUÇÃO, sem que a humanidade pergunte não somente como produzir mas sim o que produzir e para que produzir. Ao contrário da lógica do Capital, que pretende manter de forma indefinida o crescimento perdulário da produção em que pese que, por exemplo, o aumento indiscriminado da produção de automóveis possa matar a terra envenenada, a nova sociedade socialista nascida dos escombros do Fetiche da Mercadoria, tem que subsumir a produção à necessidade humana de desfrute da vida.
Abolir o trabalho, este conceito que parece tão complicado, mas é tão simples, tem de ser o objetivo da esquerda radical, que necessita para renascer e incorporar este movimento social de protesto crescente livrar-se da lógica do falso marxismo, ou marxismo vulgar. A questão não é pura e simples de repartição, é de rasgar de alto a baixo o véu que encobre a escravidão burguesa e colocar claramente a atualidade da necessidade de uma transição radical para uma outra sociedade. A retomada da dialética, da teoria dos saltos, de se entender que a acumulação quantitativa tem de levar a saltos qualitativos, a rupturas que criem todo um mundo novo. Que é impossível remendar a roupa velha desta sociedade imprestável, de que o rei Capital está nu, e que agora lhe será impossível enganar muito mais tempo a grande maioria da humanidade condenada a fome, a miséria e a escravidão crescentes dentro desta crise que é um beco sem saída. Poucos, muito poucos são aqueles que podem tirar alguma benesse ainda dentro deste sistema. E mesmo estes, se tiverem um pouco de sensibilidade e conseguirem enxergar o incrível desastre social e ecológico que significa o Capital hoje em dia, vão se juntar, para bem de seus filhos e do restante das futuras gerações à crítica radical que visa na prática revolucionar e acabar de uma vez para todas com a escravidão assalariada.
Mas voltando ao nosso conceito de trabalho. Em Marx o conceito de trabalho tem dupla classificação. Ele é lato sensu: “A CONDIÇÃO NECESSÁRIA DE VIDA IMPOSTA PELA NATUREZA AO HOMEM”. Este trabalho não será abolido em nenhuma sociedade humana. Nossa língua não tem a duplicidade que outras têm, onde se diferencia, por exemplo no inglês, work e labour. A dialética marxista, onde as categorias sucedem-se no tempo de acordo com as transformações sociais reais, diferencia trabalho e trabalho. O trabalho como relação com a natureza, como reprodução da vida humana, perdurará. Todavia o “Labour”, o trabalho compulsivo, inaugurado com a propriedade privada dos meios de produção, este deve ser ABOLIDO.
Ao criticar a sociedade da gens, em “A Origem da Propriedade Privada, da Família e do Estado”, Engels demonstrava que não tinha sentido perguntar a um índio se pescar ou caçar era um trabalho. Ele simplesmente não tinha esta separação, não tinha uma compulsão externa, uma organização que tirasse dele um trabalho que lhe fosse exterior e vazio. Caçar, pescar, coletar frutos eram atividades prazerosas donde, ao mesmo tempo que ele tirava seu sustento, ele dava sentido a sua existência. Somente com a criação do Estado, com a divisão da sociedade em classes pode se criar uma máquina de extração de trabalho compulsivo, o trabalho no sentido que Marx dizia que devia ser abolido.
Marx não previa uma volta ao comunismo primitivo. Ele sabia que numa sociedade assentada sobre a carência, não poderia se organizar de uma forma superior uma sociedade igualitária, onde os seres humanos poderiam desenvolver todas as suas habilidades. Marx previa a morte do trabalho compulsivo, daquele localizado exteriormente ao homem, numa sociedade onde a produção fosse organizada de forma que não houvesse nenhuma carência, que de todos fosse tirado segundo sua capacidade e a cada qual fosse dado segundo sua necessidade. Mas uma sociedade mudada, cria homens mudados e necessidades distintas. Aí é que entra a discussão da sociedade do desfrute.
Na sociedade capitalista, como bem observou Marx, o trabalho é apenas uma parcela ínfima da atividade humana. Uma parcela miserável, agoniante, esclerosada, alienante e brutal. Com a abolição do trabalho compulsivo como norma da sociedade é possível se organizar a produção e a sociedade de forma que as pessoas prestem serviços à sociedade por no máximo três horas e tenham todo o restante do dia para o desfrute. Da arte à simples preguiça, dança e pintura, esporte ou o simples ato de dormir, ou o prazer sexual, numa sociedade liberta do PRECONCEITO DO TRABALHO, é possível fazer com que os bens, os frutos coletivos da produção cheguem a todos os seres humanos sem distinção e que não haja mais estratificação dos homens por seus bens.
À sociedade compulsiva do trabalho temos que lutar para que se siga a sociedade coletiva do desfrute, do prazer social, da humanidade organizada para que o homem seja realmente livre, não uma máquina absurda de produção de valor, que gasta quase o tempo total de suas horas acordadas trabalhando ou aprimorando (trabalhando de forma indireta) sua força produtiva. Uma loucura que cria seres parciais e insensíveis. Escravos da máquina, escravos dos produtos para os quais trabalha, escravos de uma mentalidade que hoje ameaça de forma gravíssima o futuro próximo da humanidade e de nosso planeta.
Só com a retomada humanista da crítica radical a sociedade do valor, a crítica do Capital como sistema alienador e castrador do homem, será possível recriar um movimento socialista hegemônico, necessário para disputar corações e mentes dos povos, dos proletários de todo mundo, nesta luta pela sociedade do desfrute, contra a compulsão do trabalho. Luta que significa para cada um de nós a possibilidade de haver futuro para a grande maioria da humanidade.
SOCIALISMO OU BARBÁRIE!
VENCEREMOS!

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